D. Branca, uma
valorosa condessa medieval
Eis
uma crônica típica da idade Média cristã.
O
conde Dom Alvar, de Castela, havia deixado sua esposa, D. Branca, no castelo de
Martos, e para guarda do castelo o seu sobrinho Dom Tello com mais quarenta e
cinco cavaleiros. Porém, ocorreu que certa manhã Dom Tello resolveu sair com
seus homens para realizar “fonsados” nas redondezas, onde sempre ocorria passar
grupos de mouros. Deixou no castelo apenas alguns criados para proteger as
mulheres.
A
condessa D. Branca estava calmamente sentada com suas damas bordando e
conversando animosamente quando uma delas levantou pálida a mão e apontou para
o campo em volta do castelo, gritando:
-
Senhora, os mouros!
Assomaram
todas ao parapeito para ver o que ocorria e viram que lá embaixo um esquadrão
mouro em formação de guerra vinha marchando contra o castelo. A condessa, ao confirmar o fato, exclama aflita:
-
Santa Maria, ajudai-nos!
Estava
pálida, mas serena. Rezou interiormente e pediu a proteção da Rainha do Céu
para socorrer-lhes naquela aflição. As outras mulheres começaram a chorar e se
lamentar cheias de pavor.
Decorridos
alguns instantes, uma lúcida recordação percorreu a sua memória como um corisco
cruza o ar. Lembrou-se de uma história que haviam lhe contado celebrando o
feito de uma tal de D. Jimena que com outras mulheres vestidas de homens
defenderam Ávila. E aquele pensamento foi se tornando forte e poderoso em sua
mente ao mesmo tempo que uma tranqüilidade invadia sua alma por uma graça toda
especial de Deus. Chamando as aterrorizadas damas, diz-lhes:
-
Ouvi, amigas, se formos realmente valorosas
nos salvaremos. Tu, Aldonza, diz ao criado Johan Gomez que encilhe o
melhor dos cavalos e parta imediatamente em busca de Dom Tello antes que os
mouros nos cerquem.
Enquanto
se cumpria sua ordem, D. Branca mandou buscar todas as armaduras e armas que
houvessem no castelo. Tirou o vestido e pôs em seu lugar a cota de malha, o
brial e o capacete, cingindo em seguida sua cintura com uma espada. Depois,
dirige-se para as damas e diz:
-
Filhas, vamos assim vestidas aos muros e às torres do castelo a fim de que os
mouros pensem que somos homens encarregados da sua defesa. Desta forma, eles
vão imaginar que o castelo está sendo defendido e não ousarão nos atacar.
Assim,
aquela valorosa e aguerrida mulher ficou no castelo animando e incentivando as
outras, correndo de uma torre a outra e fazendo tal movimento que os mouros viam
de longe como se fosse grande quantidade de cavaleiros. Enquanto ela assim procedia, o criado
finalmente encontrou dom Tello não muito distante dali. Tão logo os homens
receberam a mensagem partiram a todo galope em direção do castelo. Porém quando
chegaram a certa distância viram que o mesmo já estava completamente cercado.
Dom Tello ficou indeciso pois só estavam com ele quarenta e cinco cavaleiros.
Interveio Diego Machuca, e em tom enérgico diz:
-
Cavaleiros, que duvidais? Metamo-nos no meio dos mouros para provarmos se
realmente somos os cavaleiros que confiam em Nossa Senhora , Santa
Maria. E eu confio em Deus que conseguiremos. Pode ser que algum de nós não
consiga passar para a outra parte, mas qualquer um que o consiga será um a mais
a defender o castelo. E se aqui morrermos, salvaremos nossas almas e iremos
para a glória do Paraíso cumprindo o nosso destino desejado por Deus. Lembrem-se
que os mouros poderão levar cativas a condessa e as damas que lá se encontram,
o que seria uma afronta e grande dor para Dom Alvar e para nosso rei e senhor.
Pronto estou, se vós concordais com o que digo. Se não, de vós me despeço e vou
cumprir o meu dever sozinho até que a morte me arrebate.
Dom
Tello se entusiasma com as palavras de Diego Machuca e responde:
-
Muito me agrada o vosso conselho, Diego, pois é dever de cavaleiros que somos
fazer o que dizes. Os que quiserem nos seguir venham conosco, e se não
quiserem, iremos nós dois, Diego Machuca, cumprir nosso dever até à morte.
Todos
os cavaleiros protestaram que iriam juntos dar combate aos mouros. Assim,
embaraçaram seus escudos para se tornarem mais resistentes, inclinaram os
corpos sobre os arções das selas,
empunharam bem firme suas lanças e partiram pra cima da mourisma,
De
cima do castelo as damas viram ao longe aquela mancha de cavaleiros cristãos ir
aos poucos penetrando por dentro do exército mouro, através de turbantes e
mantos, passo a passo. Os cristãos eram uma mancha de morte pela frente dos
mouros, e para trás, de seus cavaleiros que também tombavam. De repente, um
cavaleiro conseguiu abrir uma brecha entre os mouros e passa, e após ele outro
e depois outro. Em instantes contam-se vinte cavaleiros que conseguem passar
pelos inimigos e correm para a porta do castelo, que é logo aberta para acolhê-los,
todos muito feridos, cheios de sangue e areia, mas dando sinais de vitalidade
para muitas lutas ainda.
A
noite estava chegando sem os mouros iniciar a invasão do castelo. “Talvez
tenham resolvido deixar para o outro dia de manhã”, foi o que pensaram os
sitiados. Logo que amanhece, todos correm para os parapeitos e o que vêem: as
tendas de Alhamar haviam desaparecido. Pensou o emir que o castelo estava cheio
de homens e que agora ficava mais fortalecido com os vinte cavaleiros que
haviam furado o cerco e lá penetrado. Assim, resolveu partir sem realizar sua empresa.
A coragem de homens e mulheres, o valor
indômito desta gente, de certo modo o medo e covardia dos mouros, tudo junto,
mas principalmente as orações fervorosas do rei de Castela, São Fernando,
salvaram o castelo Martos, residência de Dom Alvar, de cair em mãos inimigas.
Seria uma catástrofe se tal ocorresse, pois tanto o castelo quanto a condessa
sendo refém se tornariam presas importantes para a causa muçulmana
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