(COMENTÁRIOS DE DR. PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA SOBRE A SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA)
O nascimento de Nossa
Senhora trouxe para a humanidade um valor que, devido à falta de nossos primeiros pais, era então desconhecido:
uma criatura isenta de qualquer mancha, um lírio de incomparável formosura que deveria alegrar os
coros angélicos e a terra inteira. Era, em meio ao exílio do gênero humano corrompido, o
aparecimento de um ser imaculado, concebido sem pecado original.
Considere-se ainda que
Nossa Senhora trazia consigo todas as riquezas naturais que podem caber numa mulher. Deus lhe concedeu uma
personalidade valiosíssima, e, a esse título também, sua presença entre os homens representava um tesouro
verdadeiramente incalculável.
Entretanto, se aos dons
naturais acrescentarmos os tesouros das graças incomensuráveis que com Ela vinham, as maiores que Deus Nosso Senhor tenha
concedido a alguém, podemos compreender o
enorme significado de seu advento ao mundo. O nascer do sol é uma pálida
realidade em comparação com a resplandecente aurora que foi
o aparecimento de Nossa Senhora nesta terra! A entronização mais solene que se possa imaginar de um rei
ou de uma rainha, ou os fenômenos da natureza mais grandiosos, nada são diante
do nascimento de Maria, momento bendito certamente saudado pela alegria de todos os Anjos do Céu, e pode-se
conjecturar que tenha provocado inusitados sentimentos de júbilo nas almas
retas esparsas pela terra.
Esse sentimento de
alegria bem pode ser expresso com uma paráfrase das palavras de Jó: “Bendito o
dia que viu Nossa Senhora nascer, benditas as estrelas que A viram pequenina,
bendito o momento em que veio ao mundo a criatura virginal destinada a ser Mãe
do Salvador!”
O início de nossa
redenção
Se se pode dizer que a
redenção dos homens teve início com o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo,
pode-se afirmar que o mesmo se aplica — guardadas as proporções — à natividade
de Nossa Senhora. Pois tudo quanto o Salvador nos trouxe, começou a nos vir com
Aquela que O daria ao mundo.
Daí se compreendem todas
as esperanças de salvação, de indulgência, de reconciliação, de perdão e de misericórdia que se abriram, afinal, para
a humanidade, naquele bendito dia em que Maria nasceu nesta terra de exílio.
Feliz e magnífico momento, marco inicial de uma existência insondavelmente perfeita, pura, fiel, e que seria a maior
glória do gênero humano em todos os tempos, abaixo apenas de Nosso Senhor Jesus
Cristo, o Verbo de Deus encarnado.
Afirmam muitos teólogos
que, concebida sem pecado original, Nossa Senhora foi dotada do uso da razão desde o primeiro instante de seu ser.
Vivendo no seio de Sant’Ana como num tabernáculo, já tinha, portanto,
altíssimos e sublimíssimos pensamentos.
Pode-se traçar um
paralelo dessa situação com o que narra a Sagrada Escritura a respeito de São
João Batista. Ele, que fora engendrado no pecado original, ao ouvir a voz de
Nossa Senhora saudando Santa Isabel, estremeceu de alegria no seio de sua mãe.
É possível, assim, que a
Bem-aventurada Virgem, com a altíssima ciência que recebera pela graça de
Deus, já no seio de
Sant’Ana tenha começado a pedir a vinda do Messias, estabelecendo-se, em seu
espírito, o elevadíssimo intuito de vir a ser, um dia, a servidora da Mãe do
Redentor.
De qualquer modo, sua
presença na terra era uma fonte de graças para todos os que d’Ela se aproximavam, quando ainda se encontrava no
seio de Sant’Ana, e mais ainda depois de seu nascimento. Se da túnica de Nosso
Senhor, como conta o Evangelho, irradiavam-se virtudes curativas para quem a
tocasse, quanto mais da Mãe de Deus, Vaso de Eleição!
Recém-nascida e já
vitoriosa sobre o demônio
A vinda do Salvador seria
a derrota de todo o mal no gênero humano. Portanto, no bendito momento do
nascimento da Santíssima Virgem, a vitória do bem começou a ser afirmada e o
demônio a ser esmagado, ele mesmo percebendo que algo de seu cetro estava
irremediavelmente partido. Era Nossa
Senhora já começando a influir nos destinos da humanidade.
O mundo de então
achava-se prostrado no mais radical paganismo. Uma situação em tudo parecida com a de nossos dias: todos os vícios
imperavam, todas as formas de idolatria tinham dominado a terra, e a decadência ameaçava a própria
religião judaica, que era o prenúncio da religião católica. Por toda parte, o erro e o demônio eram vitoriosos.
Porém, no momento
decretado por Deus em sua misericórdia, Ele derruba a muralha do mal, fazendo nascer Nossa Senhora. E com a vinda d’Ela —
que era a raiz de Jessé, da qual nasceria o divino lírio, Nosso Senhor Jesus
Cristo — tinha início a irreversível destruição do reino de satanás.
“Nascimento” de Maria
em nossa vida espiritual ...
Esse triunfo de Nossa
Senhora sobre o mal, já por ocasião do nascimento d’Ela, sugere-nos outra
reflexão.
Quantas vezes, em nossa
vida espiritual, vemo-nos imersos na luta contra as tentações, contorcendo-nos
e nos revolvendo em dificuldades! E não temos idéia de quando virá o bendito
dia em que uma grande graça, um insigne favor, colocará fim a nossos tormentos,
a nossas lutas, e, afinal, nos proporcionará um grande progresso na prática da
virtude.
É então que se verifica
um como que nascimento da Santíssima Virgem em nossa alma. Na noite das maiores provações e das mais espessas trevas,
Ela surge e desde logo começa a vencer as
dificuldades com que nos defrontamos. Nesse momento, Ela se levanta
também como uma aurora em nossa
existência e, em nossa vida espiritual, passa a representar um papel até então
desconhecido por nós.
Esse pensamento nos deve
encher de alegria e de esperança, e nos dar a certeza de que Nossa Senhora nunca nos abandona. Nas horas mais
difíceis por que passamos, Ela como que irrompe entre nós, resolve todos os
nossos problemas, alivia nossas dores, e nos dá a combatividade e a coragem
necessárias para cumprirmos nosso dever até o fim, por mais árduo que este
seja. A maior consolação que Ela nos
traz é, precisamente, o fortalecer nossa vontade, para empreendermos a luta contra os inimigos da nossa salvação.
... e nas tramas da
história
Como nos fortalece,
também, para nos tornarmos zelosos filhos da Igreja e defensores da religião
católica. Elementos históricos existem para se poder afirmar que todas as
grandes almas que combateram as diversas heresias, ao longo dos séculos, foram
especialmente suscitadas por Nossa Senhora. É o que insinua, de modo muito
bonito, o brasão dos claretianos, onde, além do Imaculado Coração de Maria,
figuram São Miguel Arcanjo e a divisa: Os filhos d’Ela se levantaram e A proclamaram Bem-aventurada.
Esse levantar dos devotos
da Santíssima Virgem para glorificá-La não é também uma forma de nascimento
d’Ela, como magnífica aurora, nas tramas da história?
Assim, os verdadeiros
filhos de Nossa Senhora devem desejar e pedir a Ela a graça de serem indomáveis
e implacáveis contra o demônio e seus sequazes que, em nossos dias, procuram
conspurcar a glória da imortal Igreja de Cristo.
(Transcrito da revista “Dr. Plínio”, nº 18, setembro de 1999)
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