Ao considerar o que discorremos a respeito do
Brasil em anterior exposição, alguém poderia levantar a seguinte pergunta:
“Doutor Plínio, pelo modo de descrever o Brasil, o senhor indica uma série de
características que também existem nos povos ibero-americanos, embora de forma
mais tênue. O senhor parece menosprezá-los... Qual o papel deles?
Duas missões necessárias
e complementares
Não me agrada velar os problemas. Por isso
apresentei a questão com inteira clareza, e passarei a respondê-la.
Imaginem um magnífico pomar. Para conservá-lo e
fazer com que suas árvores produzam saborosos e abundantes frutos, é necessário
protegê-lo por uma cerca monumental. Assim, tudo quanto existe, por mais que
seja dadivoso, comunicativo, precisa de defesa. Porque se perder a identidade
consigo mesmo, a própria tarefa que exerce desaparece.
Portanto, é fundamental que haja, ao lado da
generosidade, o vigor de quem a defende. Analogamente, ao lado do princípio de
conciliação e harmonia próprio ao brasileiro, deve existir o da resistência,
proteção, polêmica, representado pelas nações hispano-americanas as quais
completam assim a missão do nosso continente. Estas, então, em nível discreto,
contribuem para que a grande unidade latino-americana possa influenciar
poderosamente o mundo, pela bondade e pela combatividade.
De nenhuma maneira será o domínio pela força, mas
sim a amizade banhada pelo azeite. Claro está que o Brasil tem combatividade e
a América hispânica, doçura; porém, cada nação ou grupo étnico conserva sua
tônica.
Com base nessa visão de conjunto, percebe-se que
esse imenso continente vai entrando para a História.
A esse respeito tenho uma peculiar impressão,
digamos uma hipótese e não certeza: por mais que a América Latina tenha
recebido imigração de outros povos, ela é fundamentalmente constituída por
portugueses e espanhóis. Ora, com a Espanha e Portugal aconteceu algo deveras
curioso.
Excluídos do banquete do
século XIX
Para o festim da civilização promovido no século
XIX e grande parte do poluído século XX, todos os povos da Europa foram
convidados, exceto duas nações, para as quais restaram apenas as migalhas do
banquete: Espanha e Portugal considerados meio-termo entre a América Latina e a
Europa.
Tem-se a impressão de que o grande progresso
estacou nos Pirineus e depois penetrou naqueles dois países se arrastando,
cresceu e dominou pouco. Porque a Revolução – tendo zombado dos Alpes e se
encarapitado até no Mont-Blanc – sentiu entretanto que se transpusesse
os Pirineus e desse importância a Portugal e Espanha, estes, pelos restos de
sua fidelidade à igreja, entrariam na festa com algumas cotas de
Contra-Revolução, as quais lhe atrapalhariam. Então foram postos de castigo num
quarto escuro enquanto a Revolução dançava ciranda com os outros povos
europeus.
Creio que esta fidelidade terá seu prêmio. E não
poderá consistir apenas no florescimento da América Ibérica, pois quando esta
atingir seu apogeu, Espanha e Portugal se incorporarão a ela, formando um só
todo. Não serão, portanto, como vitrines de museu, mas unidades vivas, cheias
de tradição e glorificadas porque não comeram ou pouco se serviram do banquete
da Revolução. E por terem sido desprezadas, serão recebidas com amor na mesa
dos filhos de Nossa Senhora.
A Santa Igreja adornada
pela riqueza de cada povo
Uma das glórias desse conjunto acima descrito é ser
o mais parecido possível com a Igreja. Esta foi entrando, penetrando nas mais
variadas das nações e se “apropriou” de tudo quanto era aproveitável com uma
naturalidade assombrosa.
Por exemplo, a mitra e o báculo usados pelos
bispos. Não se imagina a formidável ginástica histórica que tais símbolos
representam. A mitra era um chapéu outrora utilizado pelos homens da Síria. A
igreja, através do “jeitinho”, o adaptou e o aperfeiçoou para ser o ornato da
cabeça desses prelados.
Quanto ao báculo, a Igreja se inspirou no cajado de
que se vale o pastor de ovelhas para elaborar esse distintivo do bispo, pastor
das almas. E é toda a civilização pastoril dos tempos bíblicos que revive nas
mãos dos incontáveis guias do rebanho de Deus espalhado pelas vastidões do
mundo.
E assim a Igreja foi escolhendo as coisas com
naturalidade e se adornando como senhora da alma de todos os povos, imergindo
no que eles têm de mais interno. Tornando-se católica, cada nação permanece ela
própria, e a Igreja realiza o papel de um azeite sagrado, abençoado, que se
espraia pelos povos.
O inimaginável esplendor
do Reino de Maria
Por fim, um ponto interessante.
Haverá missão mais parecida com a obra da Igreja no
campo espiritual, do que a do Brasil? E povo mais feito para o pleno
desabrochar da Esposa de Cristo do que o brasileiro?
A Igreja pacificou contendas, mas também lutou
contra erros, teve de dizer “não”, e a epopéia da cavalaria marcou as páginas
da sua história. Compreende-se, então, ser preciso o sangue espanhol para dar
ao povo brasileiro um complemento sem o qual nem neste País nem na América
Ibérica o todo estaria harmônico.
Tudo isso é magnífico, mas seria como a calçada que
conduz a uma catedral, pois se refere ao aspecto temporal. O suco é a graça,
que defluirá da Sagrada Eucaristia, através de Nossa Senhora, para os fiéis que
rezarem seriamente. E Deus agirá de forma especial em cada um, constituindo
avenidas novas de santidade, pelas quais há de trilhar gloriosamente a Igreja.
O piso externo do templo foi possível prever. Como
será seu interior?
Se imaginássemos uma calçada feita de safiras e
rubis poderíamos formar uma idéia do esplendor da catedral. Passeamos pelo
pavimento. Peçamos a Nossa Senhora que nos conserve e desenvolva para sermos
construtores da catedral. E que ainda nesta Terra possamos louvar o templo ara
cuja edificação tivemos a imerecida honra de sermos instrumentos. Será o Reino
de Maria!
(Plínio Corrêa de Oliveira - Extraído da revista
“Dr. Plínio”, nº 89, agosto de 2005, pp. 18/21).
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