Segundo Jean Piaget, a criança consegue
formar o seu “juízo moral” até os 12 anos de idade. Aquele educador chama de
“juízo moral” ao conhecimento que o homem adquire das normas, das regras
sociais, e sua aplicação nos atos cotidianos de sua vida. Os passos são, a) a
“anomia”, que é a fase em que a criança é completamente conduzida pelos outros
(mais ou menos até os 3 anos); b) a hegemonia, quando ele aprende a se conduzir
conforme os demais, mas dando algo de si; c) a autonomia,quando a criança, por
si mesmo, pratica os atos morais que considera corretos sem necessidade de ser
dirigida para tal fim.[1]
Em qualquer criança, este é o caminho normal
para se atingir a maturidade, ou o juízo moral conforme o define tal estudo. No
entanto, por fatores superiores, como a graça divina, algumas crianças podem
encurtar e até suprimir de vez estes 3 passos, como ocorreu, por exemplo, com
São João Batista, que já nasceu com o juízo moral formado. Podemos acreditar
que Dr,. Plínio Corrêa de Oliveira pode ter tido a graça de ter sido pelo menos abreviado nele
tais passos e ter adquirido o completo juízo moral em idade inferior ao comum
das pessoas. O senso de justiça, por exemplo, já o tinha aos 3 anos de idade, conforme o relato a seguir extraído de suas Notas Autobiográficas:
“Aos dois
ou três anos, eu já possuía certas noções de direito, de elevação e de
sublimidade. São graças que uma criança pode receber muito prematuramente, e
foi assim que a intercessão de Nossa Senhora me favoreceu. Por exemplo, eu
tinha um senso de justiça muito definido: embora fosse de um gênio muito
afetivo, violada a justiça, eu entrava em luta.
Nesse
sentido, mamãe costumava contar um fato ocorrido comigo em São Vicente, pequena
cidade do litoral paulista. É um lugar de muito remanso, com mar grandioso e
tranquilo. E as famílias da “São Paulinho” daquele tempo, quando queriam
descansar, tomavam lugar em alguma boa pensão, pois ali não havia hotéis, e
passavam uma temporada.
Eu tive
um enorme retardamento no andar. Foi preciso fazer até tratamentos... e comecei a caminhar aos três anos de idade, o
que preocupava minha família. A medicina do tempo recomendou, com ou sem razão,
alguns banhos de mar, os quais me obrigariam a fazer o esforço a que eu me recusava,
e venceriam esse inconveniente. Então, no meio do ano, mamãe decidiu passar
alguns dias com minha irmã e comigo junto a um bonito panorama, numa pequena
pensão, muito boa e conceituada, cujo proprietário era um alemão chamado Herr
Kinker.
Lá estava
eu, lutando contra as ondas de manhã e espairecendo à tarde... Meu pai vinha de
trem ao término de seu trabalho para passar a noite com a família, e na manhã
seguinte voltava a São Paulo.
Eu via
o Herr Kinker como um homem trovejante e olímpico, especialmente quando
bebia... Parece que era bom dono de pensão, gostando do chope segundo a boa
tradição alemã, mas passando da conta com frequência... Às vezes se embriagava literalmente e,
nessas horas, mamãe ficava com certo
medo, pois meu pai estava ausente. Mas ela se impunha muito. Eu, entretanto,
não me incomodava com o alemão.
Certo
dia, mamãe foi descansar depois do almoço, deixando seus dois filhos dormindo
também. Mas em determinado momento ela acordou, percebeu que estava chovendo
torrencialmente e viu que eu não estava na cama. Então ela se levantou
imediatamente, muito preocupada, pois uma criança à beira-mar de repente faz
alguma estripulia... Deixou minha irmã Rosée, foi me procurar por toda a casa
e, não me encontrando, perguntou:
- Herr
Kinker, onde está o Plínio?
- Não
vi!
Ele
parecia muito agitado... Mamãe notou que estava bêbado e pensou: “Ele fez
alguma coisa com o Plínio”. Começou, então, a indagar com mais insistência e
Herr Kinker deu uma resposta atravessada, pela qual ela julgou que o alemão se
desagradara com alguma atitude minha. Possivelmente eu fizera com ele alguma
impertinência de criança.
Depois
de procurar por todo lado, mamãe foi ao terraço para olhar o jardim e
encontrou-me afinal: eu estava sentado no meio do gramado sem se mover,
enquanto chovia a cântaros sobre mim;
chorava sem revolta nem furor, mas obstinado e raciocinando em voz alta:
- Por
que estou aqui? Esse homem não tem razão e está agindo contra o meu direito; não
podia trazer-me aqui, pois não fiz mal para ninguém!
Enquanto
minha mãe descansava, o Kinker havia tomado uma respeitável dose de cerveja e
fez um absurdo comigo: por punição, levou-me para fora e pôs-me no meio do
jardim. E eu, soluçando, dava os meus argumentos e interpelava o alemão em nome
da justiça... com três anos de idade! Era o encontro da candura com a
embriaguez. Eu não entrava em casa, mas continuava sentado, e dardejando um
argumento no meio do choro. Entretanto,
não me queixava por estar na chuva nem pedia para falar com mamãe – o que
seria natural! – mas analisava a retidão ou não-retidão daquilo que o bêbado
fizera comigo e, como cheguei à conclusão de que não estava certo, queixava-me
por ver um princípio violado.
Sendo o
Herr Kinker pessoa de certa idade, julguei que ele presumivelmente agia por
ordem de minha mãe. Portanto, deveria obedecer-lhe, mesmo se chovesse e ainda
que fosse um absurdo. Para uma criança de três anos, isso reflete senso da
obediência e do respeito ao principio de autoridade. Eu permanecia ali
protestando sem desobedecer, mas afirmando meus direitos. Além do mais, tinha
medo de que o alemão me batesse e, por isso, não fugia da chuva, mas falava
alto e o enfrentava, desejando ser ouvido por ele e repetindo a queixa até
mamãe vir me buscar.
Ela,
naturalmente, não entrou nesses arrazoados, mas foi correndo e tirou-me da
chuva, pois naquele tempo havia pânico de que as crianças se molhassem e, em
consequência, ficassem resfriadas. Levou-me para o quarto, secou-me bem e
colocou-me em condições convenientes. Depois me perguntou:
-
Agora, meu filho, diga-me: o que você foi fazer lá e por que diz não ter
praticado nada de mal?
- Esse
alemão feio me pegou e deixou-me ali, dizendo que tinha obrigação de permanecer
sentado no canteiro até ele me chamar. Eu respondi que não tinha feito nada
para merecer isso e não estava de acordo. Mas ele mandou ficar, então fiquei.
Isso é uma injustiça!
Não
preciso nem dizer qual foi a inconformidade dela com a atitude do Herr Kinker.
Logo que papai chegou trataram de mudar de pensão.
Mamãe compreendia que esse “fatinho” indicava o
primeiro passo na manifestação de um modo de ser e uma mentalidade”.
(“Notas
Autobiográficas – Plínio Corrêa de Oliveira – Editora Retornarei – Vol. I,
págs. 73/75 e 78)
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