"Catolicismo" oferece hoje a seus
leitores esta matéria inédita. Trata-se das penetrantes observações que, em
reunião para sócios e cooperadores da TFP, o insigne pensador católico, Prof.
Plinio Corrêa de Oliveira, teceu sobre as magnificências da natureza
brasileira, como expressões da autêntica vocação de nossa Pátria.
A BAÍA DA GUANABARA, no Rio de Janeiro, é, a
justo título, considerada um dos mais belos panoramas marítimos do mundo. Muito
se tem dito a respeito dela sob o ponto de vista da beleza natural.
Entretanto, poder-se-ia analisá-la também sob
outro prisma: enquanto sendo por excelência o panorama resumitivo das
incontáveis paisagens do Brasil. E, a esse título, encerrando em si uma síntese
das belezas e da grandiosidade, ora imponentes, ora delicadas, de nosso País,
que oferecem cenário natural para que nele se realizem os magníficos lances de
sua vocação.
Para isso seria preciso desvencilharmo-nos
dos clichês revolucionários e anorgânicos com que a propaganda tantas vezes
apresenta o Rio de Janeiro. Esquecermo-nos por um momento de certos aspectos -
infelizmente muito reais - como a imoralidade gritante que se observa naquelas
praias, além dos arranha-céus, das pontes, dos elevados, enfim, de tudo aquilo
que reflete o espirito cosmopolita moderno, existente tanto em Nova York , Tóquio,
Johannesburg, quanto em qualquer outra megalópole do mundo. Mas que nada tem a
ver com o panorama específico da famosa baía da Guanabara. Despoluída assim a
mente, estaremos aptos para analisá-la e entender o que ela reflete da grandeza
do Brasil. Grandeza, sim, essa é a palavra. Percebida pela mente humana através
da notícia que os olhos lhe comunicam, tal grandeza vai muito além da simples e
legítima beleza que agrada superficialmente o sentido da vista. Não se trata,
pois, apenas de ver o azul do mar, o avolumado das ondas ou o original contorno
da baía. É ir além.
REPETIÇÃO
E MISTÉRIO
Percorrendo os vários pontos do panorama do
Rio de Janeiro, nota-se que a forma dos vários acidentes geográficos se repete
algum tanto. De maneira que não se pode dizer que o observador passe
propriamente de novidade em
novidade. De maravilha em maravilha, sim; de novidade em
novidade, não. Há ali e acolá mais de um pequeno "Pão de Açúcar", que
se repete à maneira de um eco do imenso Pão de Açúcar, do Pão de Açúcar por
excelência. Há várias enseadas semelhantes à do Flamengo. Há diversas pequenas
"Copacabanas", que repetem a célebre praia.
Encontramos ilhas, na baía, que constituem
surpresas. Mas ainda aí, tais surpresas se renovam aos olhos do observador mais
atento. E no contorno de várias dessas ilhas, lembramo-nos de outras que há pouco
vimos com semelhante contorno.
De outro lado, vê-se logo que aquele
estupendo conjunto não tem uma ordem geométrica, como a dos jardins de
Versalhes. Em outros termos, as ilhas da baía não estão colocadas numa ordem
rígida, umas em relação às outras. Tudo é muito fantasioso, gracioso,
inteiramente tropical, formando dentro do panorama geral pequenos panoramas
parciais. De modo que, às vezes, poderia passar pela imaginação do observador
recortar à tesoura uma ou outra de tais paisagens, para considerá-la em
separado, e dizer: aqui há um panorama, lá outro. Mas, de fato, isso não
ocorre. A baía é algo de tão abarcativo, que se constitui da soma de todos
esses panoramas.
Qual a impressão causada por tão imenso
conjunto? Um deleitável desnorteamento. Algo tão grande, que de tal maneira se
repete - mas que de fato, não se reproduz de modo estrito – sem despertar
sequer a menor sensação de monotonia, e, pelo contrário, fazendo evolar de si
uma sutil harmonia. Uma vastidão que, em suas próprias repetições, renova com
nota própria o encantamento de cada uma das notas dominantes. E surge a
sensação de uma imensidade inabarcável, que entretanto pode ser conhecida por
inteiro em muitos dos pormenores que a repetem com encantadora fantasia. É um
espaço ocupado por um como eco visual que se reitera a si mesmo de todo lado,
sob várias formas, sem nunca ser monótono, e raras vezes produzindo uma
surpresa completa. Ficamos sem compreender nossa própria posição dentro de tão
rico panorama. O observador não ocupa senão um ponto dentro disso. Sente-se
atraído de todos os lados sem saber para onde voar, nem onde pousar, porque
tudo o atrai.
Há, entretanto, uma ordem por detrás de tudo
- a qual, um dia precisa ser entendida - causadora dessa espécie de
estonteamento, que nos faz exclamar: que perfeição!
Os espaços brasileiros, que a baía da
Guanabara a seu modo sintetiza, têm esse tamanho; a alma brasileira apresenta
um "tamanho" análogo! É um país que ali se espelha. É o panorama de
uma nação destinada a um futuro imenso, mas ainda não explicitado, e, no
presente, ainda cheio de incógnitas. Incógnitas atraentes, cujo esclarecimento
exige o esforço da inteligência e da sensibilidade, as quais espreitam sua
explicitação. Uma vez explicitadas, decifrar-se-ão a baía como também o próprio
País.
Mas, desde já, isso chama o Brasil para uma
vocação de grandeza, sem a qual a Nação não realizará inteiramente sua missão,
nos planos da Providência. É-lhe dito: projete tua figura espiritual em toda a
extensão do teu mapa.
Por isso, o Rio de Janeiro, do ponto de vista
de seu panorama, pode ser qualificado como uma síntese do Brasil, o coração do
Brasil que ali continua a palpitar, apesar de a capital oficialmente ter sido
transferida para Brasília. Há ali uma misteriosa síntese do País, um convite
para um futuro carregado de misteriosas promessas.
Quanto seria interessante percorrer, com um
pequeno barco, os vários pontos da baía da Guanabara, à procura do Brasil...
O
BRASIL DO MAR
Tais aspectos de grandeza e de mistério não
se encontram apenas na baía da Guanabara. Realizam-se nesta com uma beleza
única, pois ela é a pedra preciosa incrustada num como que anel - o litoral
brasileiro. Mas há qualquer coisa em nosso litoral, por onde as formosuras da
Guanabara como que se multiplicam e se desdobram em nossa faixa litorânea.
O Brasil do mar apresenta trechos de tanta
beleza, que cada qual seria suficiente para dar realce ou, conforme o caso,
tornar célebre o panorama marítimo de uma nação. Se um país contivesse apenas
um desses ápices de beleza marinha, este seria naturalmente o maior ponto de
atração de sua orla marítima.
Assim, por exemplo, Salvador (BA), Cabo Frio
(RJ) ou Fortaleza (CE), ou mesmo Ilha Bela e São Sebastião no litoral paulista.
Tudo isso sem falar na extensa faixa litorânea catarinense, toda ela
esplendorosa. Esse conjunto maravilhoso de tal maneira deslumbra o observador,
que a seguinte pergunta aflora a seu espírito: para que um tal escachoar de
belezas? Que história ainda deverá se desenrolar tendo por cenário tais
panoramas? Eles constituem fundo de quadro para que tipos de homens se
entregarem a que cogitações e seguirem que vias? E quais os feitos que devem
ali se realizar? Para alcançarem que alto grau de glória?
Sente-se que cada uma dessas paisagens é
ponto alto para as cogitações de mentes humanas dotadas do maior luzimento. A
baía de Todos os Santos, e nela a ilha de Itaparica, resplandecente ao
por-do-sol, têm no Nordeste uma preeminência de beleza análoga à que toca à
baía da Guanabara, no conjunto do litoral brasileiro. Na baía de Todos os
Santos como que se condensa e se reflete por inteiro a formosura de todas as
praias e enseadas nordestinas.
E pode-se dizer que, na região norte
maranhense e paraense, já surge outro Brasil, com sua beleza específica que
reluz tão nobremente em São
Luís e assume aspectos empolgantes e inconfundíveis no
estuário amazônico.
Tal é em seu imenso conjunto o Brasil da
faixa litorânea, considerado desde o Arroio Chuí, fronteiriço do Uruguai, e que
desemboca no oceano, até as águas do Oiapoque tão mais longe, que também se
despejam no mar, banhando o Cabo Orange, ponto extremo de nosso litoral norte.
OUTROS
BRASIS
Mas há ainda tantos outros Brasis: o Brasil
das matas, o Brasil dos rios, o Brasil das montanhas, o Brasil dos campos, para
enumerar alguns deles.
O Brasil das matas já é tão conhecido e suas
belezas tão proclamadas, que desnecessário é evocá-las aqui.
O Brasil dos rios é, por sua vez, tão grande,
que um homem poderia passar a vida inteira a estudá-lo e admirá-lo do ponto de
vista estético e metafísico, com base na realidade geográfica. O mistério do
encontro das águas do rio Negro com as do Solimões-Amazonas, por exemplo, é
todo um capítulo à parte.
Poderíamos falar no Brasil das montanhas ou
das serranias. Há serras heróicas, épicas, há serranias arredondadas, em que
cada montanha parece uma irmã apoiando-se suavemente em outra. A cadeia
montanhosa em torno do Rio de Janeiro - a Serra dos órgãos - por exemplo, é
desse último tipo.
Quando se viaja de avião de Belo Horizonte
para Diamantina, sobrevoam-se as serranias de Minas Gerais. Elas são como que
feitas de metal, com vegetação suficiente apenas para o minério não se mostrar
em forma por demais indiscreta. São uma infinidade de montes - as alterosas -
que se repetem num jogo de analogias semelhantes ao da baía da Guanabara, no
plano marítimo. Montanhas que se multiplicam, não se percebendo bem até onde se
desdobram e que, mais uma vez, sugerem a idéia de um destino imenso. Há ali uma
grandeza, cujo sentido ainda está por ser explicitado.
Há também o Brasil dos campos. Constituem-no
vastidões sem fim, que apresentam, entre outros, um aspecto digno de nota: há,
como que em cada uma delas, auroras, pores-de-sol e luares - marcados por zonas
e belezas específicas - quase a demarcarem a diferença das regiões.
Segundo recordações que guardo de uma
estadia, em minha infância, na região de Araxá, há nela magníficos ocasos, que
se diriam secos, incandescentes e avermelhados. E o solo daquela zona parece
completar harmonicameante esse quadro, com apreciável quantidade de pedras de
malacacheta a servirem de calçamento colorido e variegado. As vastidões que lá
se descortinam evocam como que batalhas épicas, ações heróicas, glórias e
grandezas não de um passado que jamais existiu, mas de um futuro que aguarda os
homens, com a promessa de dias de grandeza, os quais a seu tempo surgirão.
Pelo Brasil afora, tudo isso é ao mesmo tempo
delicado e epicamente misterioso.
GRANDEZAS
A SEREM COMPAGINADAS
As várias grandezas do Brasil, à primeira
vista, parecem não se compaginar umas com as outras. Tem-se a impressão de
nossa Pátria ser como um livro escrito à mão num papel magnífico ou em fino
pergaminho, ao qual falta ainda a encadernação.
Mais ainda. Fazendo o levantamento dos vários
aspectos do esplendor do País, é-se levado a exclamar: tamanha grandeza torna o
Brasil - dir-se-ia - quase não "encadernável"!
De outro lado, porém, essa magnificência está
à espera de uma encadernação. Há em nossa Nação vastidões, em geral insuficientemente
emolduradas; mas, uma vez cuidadas, com espírito de autenticidade regional e
nacional oposto a mimetismos e artificialismos, podem produzir algo de uma
sadia originalidade, com aspectos ainda insuspeitados.
Todo esse conjunto de fatores apresenta um
colorido, uma carga de expressão riquíssima. Porque o mistério brasileiro é um
enigma que sorri e envolve. Nele não se vislumbra nenhuma carranca. Esse
mistério parece dizer o seguinte: "Filho, não me evidencio já, mas entende
que, do fundo das minhas brumas, podes aguardar uma carícia, uma promessa. O
Brasil de hoje virá a ser como um grandioso palácio, cujo esplendor não te
intimidará. Ele será o fruto de tua própria grandeza. E por sua vez, ele te
engrandecerá ainda mais".
A consideração amorosa dessa realidade constitui
a mais alta faceta do patriotismo, porque é concebida pelo amor de Deus. É
procurar a voz do Criador em meio às maravilhas dos seres criados. Quando essa
voz for ouvida, terá sido encontrado o sentido mais profundo da palavra Brasil.
Antes disso, não.
Qual é esse Brasil que nos espera dentro dos
possíveis em Deus? A proteção materna de Nossa Senhora nô-lo manifestará no
momento adequado!
(Plínio Corrêa de Oliveira – extraído de “Catolicismo”,
N° 454, outubro de 1988)
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