(Nas análises dos povos, Feitas
pelo Dr. Plínio Corrêa de Oliveira, em escritos, conferências e palestras, destacamos estes comentários proféticos sobre a vocação ou missão dos povos latinos americanos feitos há quase 90 anos atrás, mas muito atuais)
Missão da
América Latina
Estamos na tarde de uma civilização. A velha Europa
agoniza, estirada sobre seu solo exausto, abalada pelos últimos estertores do
materialismo. Todas as desilusões parecem ter-se conjurado para lhe amargar o
último cálice. O homem ocidental já não encontra encantos na liberdade de que
abusou, na igualdade com que sonhou e na fraternidade que não realizou. Sua
economia pujante, orgulho de seus velhos dias, foi devorada pela superprodução.
A filosofia, a quem erguera um altar na sua admiração, foi abeberar-se nas
correntes envenenadas a que não resistem povos nem civilizações. Servem-lhe de
leito funerário os escombros de suas glórias passadas. E o único facho que
clareia este quadro fatal é a chama vermelha, que hoje arde em Moscou, mas que
ameaça devorar amanhã até a sua própria mortalha. (...)
A Ásia milenária arde, na sua periferia, na mesma
febre fatal que acometeu o Ocidente. E as populações do centro do Continente
continuam embaladas no mesmo sonho oriental sobre o qual os séculos se têm
escoado lentamente, sem nada alterar.
A África, ou se deixou arrastar na voragem do mundo
ocidental, ou continua votada à estagnação silenciosa e irremediável dos
grandes desertos e das florestas impenetráveis, que são obstáculos
intransponíveis para a população nativa, definitivamente enamorada pelos
encantos agrestes das civilizações primitivas. O vírus da supercivilizaçäo a
convulsiona em febres, quer em Capetown, quer no Cairo. E por outro lado a
agressividade da natureza tem desarmado todas as boas vontades colonizadoras,
quer no Saara, quer às margens do Zambeze.
Nesta tarde de civilização, que ameaça ser a tarde
da própria humanidade, só dois fatores nós vemos realmente capazes de abrir
para o homem uma janela salvadora sobre o futuro: no plano espiritual, a Igreja
Católica, e no plano terreno, a América Latina.
Uma lenda antiga nos conta que à beira de certo
lago havia um rochedo que crescia à medida que as ondas o acometiam, de
sorte a nunca ser submergido, ainda nas maiores tempestades. Hoje em dia, este
rochedo é a Pedra, é a Cátedra de Pedro, que tem avultado com as revoluções,
zombando das heresias, crescendo em vigor à medida que seus adversários crescem
em rancor. Há já vinte séculos que ela vem espargindo água benta sobre os
adversários que tombam no caminho. A crise presente, que nos empolga com seus
aspectos dantescos, é, para ela, apenas um episódio na História desta
humanidade que ela já tem visto gemer em outras ocasiões, sob o fardo dos
mesmos erros, esmagada pelo peso das mesmas paixões. Assistiu ao nascer de
todos os países do Ocidente. Vê-los-ia morrer sem receios por seus próprios
dias, que não se contam com a brevidade dos dias de uma nação.
Em sua doutrina divina, tem todos os tesouros
espirituais e morais necessários para solucionar todas as crises. Neste mar
revolto do século XX, em que naufragam homens, idéias e fortunas, só Ela
continua e será via, veritas et vita (cfr. Jo. 14, 6: “Eu sou o caminho,
a verdade e a vida”), que a humanidade há de aceitar, para levantar um vôo
salvador sobre o próprio abismo que ameaça tragá-la.
Para atuar, porém, ela também se serve de fatores
humanos. E, destes, o mais promissor é a América Latina.
Tenham embora os católicos latino-americanos pecado
como pecaram, não pesa sobre os ombros de suas nações, ainda na infância, a
culpa esmagadora de que a Europa e os Estados Unidos são réus. É verdade que
nos deixamos todos, latino-americanos, embair pelo conto de fadas do
liberalismo. É certo que floresceu entre nós, em toda a sua plenitude, o
pombalismo opressor. É certo que a ação subterrânea das seitas minou e
desfibrou profundamente as inteligências e os caracteres. É certo que a nós,
como nações, se poderia aplicar a frase de Santo Agostinho: tantilus puer,
et tantum peccator! - Tão jovem, e já tão grande pecador!
No entanto, nunca partiu daqui um grito de heresia.
Fomos impermeáveis à propaganda protestante, viesse ela precedida pelo dólar ou
pela argumentação pérfida, que facilmente poderia seduzir nossa incultura
religiosa.
Apesar dos pesares, nossos costumes ainda conservam
muito daquela suave urbanidade que é a característica das índoles cristãs.
Mesmo a moralidade do lar, de modo geral, ainda não foi corrompida pelo
divórcio a vínculo, que legaliza farisaicamente o amor livre.
Quando, portanto, da imensa caldeira em que fervem
os restos de nossa civilização emergirem os primeiros princípios de uma nova
ordem de coisas, tendo por base o respeito à Igreja, à propriedade e à família,
só a América do Sul oferecerá ao mundo um caminho a ser edificado, com suas
regiões imensas, que as crises econômicas não esgotaram, e seus povos de
reservas morais sólidas, que até lá terão passado pelo cadinho do sofrimento, e
nele terão formado sua têmpera de povos fortes.
A América do Sul será, portanto, o grande
laboratório onde a nova civilização católica se vai erguer.
Para isto, porém, para que ela não apostate desta
sua missão providencial, é necessário que ela aplique, em sentido
latino-americano, a doutrina de Monroe: a América católica para os católicos
americanos. E que ela faça derivar estes princípios para o campo internacional:
os exércitos da América Latina só contra os adversários dos latino-americanos.
Contra Moscou, como contra Washington, focos de
corrupção de amanhã ou de hoje, a América Latina se deve erguer, com o firme
propósito de continuar a ser católica.
E a visita do General Justo ao Brasil foi um passo
significativo dado no caminho meritório da realização dessa grande missão
providencial!
(“Legionário”, de 15 de outubro de 1933 – além de
um resumo na revista “Dr. Plínio”, outubro de 2006, seção “Datas na vida de um cruzado”)
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