Em seu livro “Guia de Pecadores” Frei Luis de Granada tece várias considerações sobre os remédios para se combater o vício da luxúria. Ei-los:
“Luxúria é apetite desordenado de sujos e
desonestos deleites. Este é um dos vícios mais comuns, mais acossador e mais
furioso em acometer que existe. Porque
(como disse São Bernardo) entre todas as batalhas dos cristãos as mais duras
são as da castidade, onde é muito cotidiana a peleja e muito rara a vitória.
Pois quando este feio e abominável vício
tentar teu coração, podes sair em campo com as seguintes considerações:
Primeiramente considera que este vício não só
suja a alma (que o Filho de Deus limpou com seu sangue), senão também o corpo,
no qual, como num sagrado relicário, é depositado o sacratíssimo Corpo de
Cristo. Pois se tão grande culpa é
profanar e sujar o templo material de Deus, que será profanar este templo em
que mora Deus? Por isto disse o
Apóstolo: "Fugi, irmãos, do pecado da fornicação, porque todo outro pecado
que fizer o homem, é fora do seu corpo; mas o que cai em fornicação, peca
contra seu próprio corpo, profanando-o e sujando-o com o pecado carnal" Considera também que este pecado não se pode
pôr por obra sem escândalo e prejuízo de
outros muitos que comumente intervêm nele, que é a coisa que à hora da morte
mais agudamente soe ferir a consciência.
Porque se a lei de Deus manda que se dê vida por vida, olho por olho e
dente por dente, que poderá dar a Deus o que tantas almas destruiu? E com que
pagará o que Ele com seu próprio sangue redimiu?
Considera também que este vício tem muitos
doces começos e muitos amargos fins, muito fáceis as entradas e muito difíceis
as saídas. Por onde disse o Sábio que a má mulher era como uma cova muito funda
e um poço profundo onde, sendo tão fácil a entrada, é dificultosíssima a saída.
Porque verdadeiramente não há coisa em que mais facilmente se enredam os homens
que neste doce vício, segundo que aos princípios se demonstra; mas depois de
enlaçados nele e travadas as amizades e amassado véu da vergonha, que os tirará
daí? Pelo qual com muita razão se compara com as iscas dos pescadores que,
tendo as entradas muito largas, têm as saídas muito estreitas, por onde o peixe
que uma vez entra, por nada sai daí. E por aqui entenderás quanta multidão de
pecados para este tão prolixo pecado, pois em todo este tempo tão largo está
claro que assim por pensamento, como por obra, como por desejo, há de ser Deus
quase infinitas vezes ofendido.
Considera também, sobretudo isto (como disse
um doutor), quanta multidão de outros males traz consigo esta maldita
pestilência. Primeiramente rouba a fama
(que, entre as coisas humanas, é a mais formosa possessão que podes ter); aqui
nenhum rumor de vício produz mais mal, nem traz consigo maior infâmia que este.
E, além disto, debilita as forças, amortiza a formosura, tira a boa disposição,
faz mal à saúde, gera enfermidades sem conta (estas muito feias e sujas),
deflora antes do tempo a frescura da juventude, e faz chegar mais cedo uma
torpe velhice; tira a força do gênio, embota agudeza do entendimento e quase o
torna brutal; afasta o homem de todos os honestos estudos e exercícios, e lhe
lambuza todo no seio deste deleite, que já não para de pensar, nem falar, nem
tratar coisa que não seja vileza e sujeira. Faz a juventude louca e infame, e a
velhice aborrecível e miserável. Mas não se contenta este vício com todo este
estrago que faz na pessoa do homem, senão também o faz em suas coisas. Porque
nenhuma fazenda há tão grossa, nenhum tão grande tesouro a quem a luxúria não
gaste e consuma em pouco tempo. Porque o estômago e os membros vergonhosos são
vizinhos e companheiros, e uns aos outros se ajudam e conformam nos vícios. De
onde os homens dados a vícios carnais comumente são comedores e bebedores, e
assim em banquetes e vestidos gastam tudo quanto possuem. E, além disto, as
mulheres desonestas nunca se fartam de jóias, anéis, vestidos, enfeites,
perfumes e aromas e coisas tais, e mais amam estes presentes que aos próprios
amantes que os dão. Para cuja confirmação basta o exemplo daquele filho pródigo
que nisto gastou toda a herança de seu pai.
Olha também que quanto mais entregares teus
pensamentos e teu corpo a deleites, tanto menos fartura acharás: aqui este
deleite não causa fartura, senão fome, porque o amor do homem à mulher, ou da
mulher ao homem, nunca se perde, antes apagado uma vez se torna a acender. E
olha, outrossim, como este deleite é breve, e pena que por ele se dá perpetua,
e, por conseguinte, que é muito desigual troque por uma brevíssima e torpíssima
hora de prazer perder nesta vida o gozo da boa consciência, e depois a glória
que para sempre dura, e padecer a pena que nunca se acaba. Pelo qual disse São Gregório:
"Um momento dura o que deleita, e eternamente o que atormenta".
Considera também, por outra parte, a
dignidade e preço da pureza virginal que este vício destrói, porque os virgens
nesta vida começam a viver vida de anjos, e principalmente por sua limpeza são
semelhantes aos espíritos celestiais, porque viver em carne sem obras de carne,
mais é virtude angélica que humana. Só a virgindade (como disse São Jerônimo) é
a que neste lugar e tempo de mortalidade representa o estado de glória imortal.
Só ela guarda o costume daquela cidade soberana onde não há bodas nem
desponsórios, e assim dá aos homens terrenos experiência daquela celestial
conversação. Pela qual no céu se dá certo e singular prêmio aos virgens, dos
quais escreve São João no Apocalipse, dizendo: "Estes são os que não
amaciaram sua carne com mulheres, mas permaneceram virgens: e estes seguem ao
Cordeiro por onde quer que vá". E porque neste mundo se avantajaram sobre
os outros homens em parecer-se com Cristo na pureza virginal, por isto no outro
se chegarão a Ele mais familiarmente, e singularmente se deleitarão da limpeza
de seus corpos.
E não só faz esta virtude, aos que a têm,
semelhantes a Cristo, mas os faz também templos vivos do Espírito Santo: porque
aquele divino Espírito, amante da limpeza, assim como um dos vícios que mais
repele é a desonestidade, assim em nenhuma parte mais alegremente repousa que
nas almas puras e limpas. Pelo qual o Filho de Deus, concebido pelo Espírito
Santo, tanto amou e honrou a virgindade, que por ela fez um tão grande milagre
como foi nascer de Mãe virgem. Mas tu, já que perdeste a virgindade, ao menos
depois do naufrágio teme os perigos que já experimentastes. E já que não quiseste guardar inteiro o bem
da natureza, sequer depois de quebrado repara-lhe e tornando-te a Deus depois
do pecado, tanto mais diligentemente te ocupa em boas obras, quando pelas más
que tens feito te conheces por mais merecedor de castigo. Porque muitas vezes
acontece (como disse São Gregório) que depois da culpa se faz mais fervente a
alma, a qual, no estado de inocência, estava mais frouxa e descuidada. E pois
Deus te guardou, havendo cometido tantos males, não faças agora por onde pagues
o presente e o passado, e seja o futuro ônus pior que o primeiro.
Pois com estas e outras considerações deve o homem estar apercebido e armado contra este vício, e este seja a primeira maneira de remédios que damos contra ele.
De outros remédios
mais particulares contra a luxúria
Além destes comuns remédios que se dão contra
este vício, existem outros mais especiais e eficazes, de que também será razão
tratar. Entre os quais, o primeiro é resistir aos princípios (como já em outra
parte dissemos), porque se no início não se rechaça o inimigo, logo cresce e se
fortalece; porque (como disse São Gregório) depois que a gulodice do deleite se
apodera do coração, não lhe deixa pensar outra coisa que aquilo que o deleita.
Por isto se deve resistir no início, deitando fora os pensamentos carnais,
porque assim como a lenha sustenta o fogo, assim os pensamentos mantêm os
desejos, os quais, se forem bons, acende-se no fogo da caridade, e se maus, no
da luxúria.
Além disto, convém guardar com diligência
todos os sentidos, principalmente os olhos, de ver coisas que te podem causar
perigo. Porque muitas vezes olha o homem sensivelmente, e só pela vista fica a
alma ferida. E porque o olhar inconsideravelmente as mulheres o inclina ou
abranda a consciência do que as olha, nos aconselhou o
"Eclesiástico", dizendo: "Não queiras trazer os olhos pelos rincões
da cidade, nem por suas ruas ou praças; afasta os olhos da mulher ataviada, e
não vejas sua formosura". Para o
qual nos deveria bastar o exemplo de Jó, que (com ser varão de tanta
santidade), guardava muito bem seus olhos (como o mesmo o confessa), não
fiando-se de si, nem de tão largo uso da virtude como tinha. E se este não
basta, ao menos deveria bastar o de David que, sendo varão santíssimo, e tão
fiel à vontade de Deus, bastou a vista de uma mulher para trazer-lhe três
grandes males, como foram homicídio, escândalo e adultério.
E não menos também deves guardar os ouvidos
de ouvir coisas desonestas; e quando as ouvires recebe-as com rosto triste,
porque facilmente se faz o que de boa vontade se ouve. Guarda também tua língua
de qualquer palavra torpe, porque os bons costumes se corrompem com as más
práticas. A língua descobre as afeições do homem, porque qual se mostra a
prática, tal se descobre o coração; a língua fala do que o coração está cheio.
Trabalha por trazer ocupado teu coração em
santos pensamentos e teu corpo em bons exercícios, porque (como disse São
Bernardo) os demônios enviam à alma ociosa maus pensamentos em que se ocupe,
porque mesmo que cesse de mal obrar não cesse de mal pensar.
Em toda tentação, principalmente nesta, põe
ante teus olhos de teu coração o Anjo da tua guarda, e o demônio teu acusador,
os quais na verdade sempre estão olhando tudo o que fazes, e o representam ao
mesmo Juiz que tudo vê; porque sendo isto assim, como te atreverás a fazer obra
tão feia, que diante de outro homenzinho como tu não ousarias fazer, tendo
diante teu guardador, teu acusador e teu Juiz? Põe também ante os olhos o
espanto do juízo divino e a chama dos tormentos eternos, porque qualquer pena
se vence com temor de outra mais grave, como um cravo se tira com outro; e
assim muitas vezes o fogo da luxúria se mata com a memória do fogo do inferno.
Além disto, escusa-te, quanto for possível, de falar só com mulheres de
suspeitosa idade, porque (como disse Crisóstomo) então acomete mais
atrevidamente nosso adversário aos homens e mulheres quando os vê sós; porque
onde não se teme repreensor, mais ousado chega o tentador. Portanto, nunca te ponhas a tratar com
mulher sem testemunhas, porque estar só incita e convida a todos os males.
Nem confies na virtude passada, ainda que
seja muito antiga, pois sabes que aqueles velhos se acenderam no amor de Susana
porque a viram muitas vezes só em seu jardim.
Recusa, pois, toda suspeitosa companhia de mulheres, porque vê-las dana
os corações, ouvi-las os atrai, falá-las os inflama, tocá-las os estimula, e,
finalmente, tudo delas é laço para os que tratam com elas. Por isso disse São
Gregório: "Os que dedicaram seus corpos à continência não se atrevam a
morar com mulheres, porque enquanto o calor
vive no corpo, ninguém presuma que de todo tem apagado o fogo do
coração".
Afaste também os presentinhos, visitações e
cartas de mulheres, porque tudo isto é liga para prender os corações e sopros
para acender o fogo do mau desejo quando a chama vai se apagando. E se amas a
alguma mulher honesta e santa, ama-a em tua alma, sem procurar visitá-la
amiúde, nem tratar com ela familiarmente”. (
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