segunda-feira, 19 de setembro de 2022

OS ÊXTASES QUE ELEVAM E QUE REBAIXAM O HOMEM

 





(A grande importância da castidade para o crescimento do amor a Deus)

 

São Francisco de Sales, bispo de Genebra, foi o grande apóstolo do Amor a Deus, explicitado por ele em obra de profundo estilo doutrinário, o livro “Tratado do Amor a Deus”.  Foi de lá que extraímos o texto abaixo, onde é vista a grande importância da castidade para o crescimento do amor a Deus:

"Os antigos filósofos reconheciam que havia duas espécies de êxtase, - um que nos elevava, outro que nos depreciava; como se quisessem dizer que o homem era duma natureza média entre os Anjos e os animais, participando da natureza angélica na sua parte intelectual e da natureza animal na sua parte sensitiva.

“O homem, todavia, por um contínuo exercício e cuidado sobre si mesmo, pode subtrair-se e desalojar-se desta média condição; aplicando-se aos atos intelectuais, torna-se mais semelhante aos Anjos do que aos animais; e entregando-se às ações sensuais, desce da sua média condição e aproxima-se da dos animais. Como o êxtase não é outra coisa senão a saída que se faz de si mesmo, de qualquer lado que se saia, fica-se verdadeiramente em êxtase. Aqueles que movidos pelo amor dos sentimentos nobres ou de Deus deixam o seu coração elevar-se nestes afetos, estão fora de si mesmos, entrando num estado mais santo e elevado; são igualmente anjos pela operação de sua alma, como são homens por sua natureza, e devem ser qualificados ou de anjos humanos ou de homens angélicos. Ao contrário, os que vivem engolfados no lodaçal dos prazeres sensuais, descem da sua média condição à dos irracionais, e merecem igualmente ser chamados animais por suas ações, embora sejam homens por natureza: são desgraçados, porque só saem fora de si mesmos para entrarem num estado indigno da sua condição.

“Ora, à medida que o êxtase é maior, quer acima quer abaixo de nós, mais impede a nossa alma de voltar a si e de fazer as operações opostas ao êxtase em que ela está. Por isso os santos arrebatados na contemplação de Deus e das coisas celestes, enquanto o seu êxtase dura, perdem inteiramente o uso e a atenção dos sentidos, o movimento de todos os atos exteriores, porque a alma, embebida desse divino amor, despreza e prescinde de todo o resto. São figurados por Elias, subindo ao céu arrebatado por um carro de fogo.

“Também os homens bestializados nas voluptuosidades sensuais, perdem por vezes completamente o uso e a atenção da razão e do entendimento, porque a sua alma desgraçada, para se apossar mais inteiramente do objeto brutal e dos gozos materiais, afasta-se das operações espirituais.

“...Quando a alma se deixa arrastar pelas paixões más que a colocam abaixo dela, enfraquece no exercício do amor superior; de forma que o amor verdadeiro e essencial longe de ser auxiliado e conservado pela união a que tende o amor sensual, pelo contrário, dissipa-se e perece. Os bois de Jó lavraram a terra, enquanto os jumentos inúteis pastaram à roda deles (Jó 1, 14),  comendo as pastagens que eram para os bois que trabalhavam. Enquanto a parte intelectual da nossa alma aspira ao amor honesto, virtuoso, e verdadeiro por qualquer objeto que seja digno dela, sucede muitas vezes que, em contraposição, os sentidos e faculdades da parte inferior tendem à união que lhes é própria e lhes serve de pasto, embora a união só seja devida ao coração e ao espírito, únicos que podem produzir o verdadeiro amor.

“...O manjericão, o alecrim, a manjerona, o hissopo, o cravo da Índia, a canela, a noz moscada, os limões e o almíscar, todos reunidos, produzem um perfume muito agradável, mas não é para comparar ao suco destilado destas plantas e misturados depois, no qual as suavidades de todos estes ingredientes, separados das suas substâncias se confundem muito mais unindo-se num suavíssimo aroma, que impressiona muito mais o olfato. Assim também pode haver amor nas uniões das potências sensuais confundidas com as uniões das potências intelectuais, mas nunca é tão perfeito, como quando a alma está separada de todos os afetos corpóreos, pois então o perfume dos seus afetos é mais vivo e suave, mais ativo e mais sólido.

“É verdade que muitos homens de espírito grosseiro, terrestre e vil, apreciam o valor do amor como o das peças de ouro, das quais as mais grossas e pesadas são as melhores e mais valiosas;  e assim lhes parecem que o amor brutal  é mais forte, por mais violento e turbulento; mais sólido, por mais grosseiro e terrestre; maior, por mais sensível e feroz. É um erro. O amor é como o fogo; quanto mais delicado for o combustível, tanto mais claras e belas são as chamas que não se podem melhor apagar do que cobrindo-as de terra. Do mesmo modo, quanto mais a causa do amor é elevada e espiritual, tanto mais as suas ações são vivas, subsistentes e permanentes, e não se poderia melhor aniquilar o amor do que rebaixando-o às uniões vis e terrestres. "Há esta diferença", como diz S. Gregório, "entre os prazeres espirituais e corporais : os corporais despertam o desejo antes de se alcançarem, e produzem o tédio depois de se possuírem; os espirituais, ao contrário, dão o tédio antes de se alcançarem, e o prazer depois de se possuírem".

“É assim que o amor animal, pretendendo satisfazer e aperfeiçoar o seu amor pela união que faz com o objeto amado, e vendo que, ao contrário, o destrói pondo-lhe termo, sente-se muitíssimo enfastiado de semelhante união: o que fez dizer o grande Filósofo, que quase todo o animal, após o gozo do seu mais ardente e instante prazer corporal, ficava triste, taciturno e aturdido, como um negociante que, tendo julgado ganhar muito, se encontra enganado e comprometido numa grande perda.

“O amor intelectual é o contrário: encontrando na união com o seu objeto mais satisfação do que havia esperado, aperfeiçoa nela o seu amor e fica dela cada vez mais satisfeito".   ("Tratado do Amor a Deus" - São Francisco de Sales - Liv. Apostolado da Imprensa - Porto - Portugal - págs. 47/50.).

 

(Extraído de “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE”, pág. 37/39 – Desejando receber o texto integral desta obra, favor enviar mensagem para o email juracuca@gmail.com – Juraci Josino Cavalcante).



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