São Francisco de Sales, bispo de Genebra, foi
o grande apóstolo do Amor a Deus, explicitado por ele em obra de profundo
estilo doutrinário, o livro “Tratado do Amor a Deus”. Foi de lá que extraímos o texto abaixo, onde
é vista a grande importância da castidade para o crescimento do amor a Deus:
"Os antigos filósofos reconheciam que
havia duas espécies de êxtase, - um que nos elevava, outro que nos depreciava;
como se quisessem dizer que o homem era duma natureza média entre os Anjos e os
animais, participando da natureza angélica na sua parte intelectual e da
natureza animal na sua parte sensitiva.
“O homem, todavia, por um contínuo exercício
e cuidado sobre si mesmo, pode subtrair-se e desalojar-se desta média condição;
aplicando-se aos atos intelectuais, torna-se mais semelhante aos Anjos do que
aos animais; e entregando-se às ações sensuais, desce da sua média condição e
aproxima-se da dos animais. Como o êxtase não é outra coisa senão a saída que
se faz de si mesmo, de qualquer lado que se saia, fica-se verdadeiramente em
êxtase. Aqueles que movidos pelo amor dos sentimentos nobres ou de Deus deixam
o seu coração elevar-se nestes afetos, estão fora de si mesmos, entrando num
estado mais santo e elevado; são igualmente anjos pela operação de sua alma, como
são homens por sua natureza, e devem ser qualificados ou de anjos humanos ou de
homens angélicos. Ao contrário, os que vivem engolfados no lodaçal dos prazeres
sensuais, descem da sua média condição à dos irracionais, e merecem igualmente
ser chamados animais por suas ações, embora sejam homens por natureza: são
desgraçados, porque só saem fora de si mesmos para entrarem num estado indigno
da sua condição.
“Ora, à medida que o êxtase é maior, quer
acima quer abaixo de nós, mais impede a nossa alma de voltar a si e de fazer as
operações opostas ao êxtase em que ela está. Por isso os santos arrebatados na
contemplação de Deus e das coisas celestes, enquanto o seu êxtase dura, perdem
inteiramente o uso e a atenção dos sentidos, o movimento de todos os atos exteriores,
porque a alma, embebida desse divino amor, despreza e prescinde de todo o
resto. São figurados por Elias, subindo ao céu arrebatado por um carro de fogo.
“Também os homens bestializados nas
voluptuosidades sensuais, perdem por vezes completamente o uso e a atenção da
razão e do entendimento, porque a sua alma desgraçada, para se apossar mais
inteiramente do objeto brutal e dos gozos materiais, afasta-se das operações
espirituais.
“...Quando a alma se deixa arrastar pelas
paixões más que a colocam abaixo dela, enfraquece no exercício do amor
superior; de forma que o amor verdadeiro e essencial longe de ser auxiliado e
conservado pela união a que tende o amor sensual, pelo contrário, dissipa-se e
perece. Os bois de Jó lavraram a terra, enquanto os jumentos inúteis pastaram à
roda deles (Jó 1, 14), comendo as
pastagens que eram para os bois que trabalhavam. Enquanto a parte intelectual
da nossa alma aspira ao amor honesto, virtuoso, e verdadeiro por qualquer objeto
que seja digno dela, sucede muitas vezes que, em contraposição, os sentidos e
faculdades da parte inferior tendem à união que lhes é própria e lhes serve de
pasto, embora a união só seja devida ao coração e ao espírito, únicos que podem
produzir o verdadeiro amor.
“...O manjericão, o alecrim, a manjerona, o
hissopo, o cravo da Índia, a canela, a noz moscada, os limões e o almíscar,
todos reunidos, produzem um perfume muito agradável, mas não é para comparar ao
suco destilado destas plantas e misturados depois, no qual as suavidades de
todos estes ingredientes, separados das suas substâncias se confundem muito
mais unindo-se num suavíssimo aroma, que impressiona muito mais o olfato. Assim
também pode haver amor nas uniões das potências sensuais confundidas com as
uniões das potências intelectuais, mas nunca é tão perfeito, como quando a alma
está separada de todos os afetos corpóreos, pois então o perfume dos seus
afetos é mais vivo e suave, mais ativo e mais sólido.
“É verdade que muitos homens de espírito
grosseiro, terrestre e vil, apreciam o valor do amor como o das peças de ouro,
das quais as mais grossas e pesadas são as melhores e mais valiosas; e assim lhes parecem que o amor brutal é mais forte, por mais violento e turbulento;
mais sólido, por mais grosseiro e terrestre; maior, por mais sensível e feroz.
É um erro. O amor é como o fogo; quanto mais delicado for o combustível, tanto
mais claras e belas são as chamas que não se podem melhor apagar do que
cobrindo-as de terra. Do mesmo modo, quanto mais a causa do amor é elevada e
espiritual, tanto mais as suas ações são vivas, subsistentes e permanentes, e
não se poderia melhor aniquilar o amor do que rebaixando-o às uniões vis e
terrestres. "Há esta diferença", como diz S. Gregório, "entre os
prazeres espirituais e corporais : os corporais despertam o desejo antes de se
alcançarem, e produzem o tédio depois de se possuírem; os espirituais, ao
contrário, dão o tédio antes de se alcançarem, e o prazer depois de se
possuírem".
“É assim que o amor animal, pretendendo
satisfazer e aperfeiçoar o seu amor pela união que faz com o objeto amado, e
vendo que, ao contrário, o destrói pondo-lhe termo, sente-se muitíssimo
enfastiado de semelhante união: o que fez dizer o grande Filósofo, que quase
todo o animal, após o gozo do seu mais ardente e instante prazer corporal,
ficava triste, taciturno e aturdido, como um negociante que, tendo julgado
ganhar muito, se encontra enganado e comprometido numa grande perda.
“O amor intelectual é o contrário:
encontrando na união com o seu objeto mais satisfação do que havia esperado,
aperfeiçoa nela o seu amor e fica dela cada vez mais satisfeito". ("Tratado do Amor a Deus" - São
Francisco de Sales - Liv. Apostolado da Imprensa - Porto - Portugal - págs.
47/50.).
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