Destacamos abaixo alguns trechos da carta Encíclica de Pio XII, "Sacra Virginitas" sobre a castidade:
A castidade não é nociva ao organismo humano
Primeiramente, afastam-se do senso comum, a
que a Igreja sempre atendeu, aqueles que vêm no instinto sexual a mais
importante e mais profunda das tendências humanas, e concluem daí que o homem
não o pode coibir durante toda a sua vida sem perigo para o organismo e sem
prejuízo do equilíbrio de sua personalidade.
Ora, segundo a acertada observação de S.
Tomás, a mais profunda das inclinações naturais é o instinto de conservação[1]: o instinto sexual não vem senão em segundo
lugar[2]. Além disto, compete à razão, privilégio
singular da nossa natureza, regular essas tendências e instintos profundos e,
por meio da direção que lhes dá, enobrecê-los. (Cf. S. Tomas Summa Theologica
I-II, q. 94, a.2).
Infelizmente, depois do pecado de Adão, as
faculdades e as paixões do corpo, estando alteradas, não só procuram dominar os
sentidos, mas até o espírito, obscurecendo a razão e enfraquecendo a
vontade. Mas é-nos dada a graça de
Cristo, especialmente nos sacramentos, para nos ajudar a manter o nosso corpo
em servidão e a viver do espírito (cf. Gál. 5-25; I Cor 9-27). A virtude da
castidade não exige de nós que nos tornemos insensíveis ao estímulo da concupiscência, mas que o
subordinemos à razão e à lei da graça, esforçando-nos, segundo as próprias
forças, por seguir o que é mais perfeito na vida humana e cristã.
Para conseguir, porém, o domínio perfeito do
espírito sobre a vida dos sentidos, não basta abstermo-nos apenas dos atos
diretamente contrários à castidade, mas é absolutamente necessário renunciar
com generosidade a tudo o que ofende de perto ou de longe esta virtude: poderá
então o espírito reinar plenamente no corpo e viver a sua vida espiritual em
paz e liberdade. Quem não verá, à luz dos princípios católicos, que a castidade
perfeita e a virgindade, bem longe de prejudicarem o desenvolvimento normal do
homem e da mulher, os elevam pelo contrário à mais alta nobreza moral?
O pudor cristão
Bem melhor fariam os educadores da juventude,
inculcando-lhe as normas do pudor
cristão, que tanto contribui para manter incólume a virgindade, e bem pode
chamar-se a prudência da castidade. O pudor advinha o perigo, obsta a que as
afronte, e leva a evitar aquelas mesmas ocasiões de que não se acautelam os
menos prudentes. Ao pudor não agradam as palavras torpes ou menos honestas, e
aborrece-lhe a mais leve imodéstia. Ele afasta-se da familiaridade suspeita com
pessoas do outro sexo, porque enche a alma de profundo respeito pelo corpo,
membro de Cristo (cf. I Cor 6, 15), e templo do Espírito Santo (I Cor 19). A
alma cristãmente pudica tem horror de qualquer pecado de impureza e retira-se
ao primeiro assomo de sedução.
O pudor sugere ainda aos pais e educadores os
termos apropriados para formar, na castidade, a consciência dos jovens.
Evidentemente, como lembrávamos há pouco numa Alocução, "este pudor não se
deve confundir com o silêncio perpétuo que vá até excluir, na formação moral,
que se fale com sobriedade e prudência destas matérias" (Aloc. "Magis quam mentis", d. 23
sept., à 1951; AAS XLIII, p. 736). Contudo, com freqüência demasiada nos nossos
dias, certos professores e educadores julgam-se obrigados a iniciar as crianças
inocentes nos segredos da geração duma maneira que lhes ofende o pudor. Ora,
neste assunto tem de se observar a justa moderação que exige o pudor.
Alimenta-se do temor de Deus, temor filial
baseado numa profunda humildade, o qual inspira horror ao menor pecado. Já o
afirmava o Nosso Predecessor São Clemente I: "Aquele que é casto no seu
corpo, não se glorie, pois deve saber que recebeu doutro o dom da continência"
. Mas ninguém mostrou melhor que Santo Agostinho a importância da humildade
cristã para a defesa da virgindade: "Sendo a continência perpétua, e
sobretudo a virgindade, um grande bem nos santos de Deus, deve-se evitar com
maior cuidado que se corrompa com a soberba... Este bem, quanto maior o vejo,
mais temo que a soberba o roube. Este bem virginal ninguém o conserva senão o
próprio Deus que o deu: e "Deus é caridade" (I Jo 4, 8). Portanto, a
guardiã da virgindade é a caridade; e a
morada desta guardiã é a humildade".
A fuga das tentações
e das ocasiões de pecado
Além disso, segundo a lição dos Santos Padres
e Doutores da Igreja, libertamo-nos mais facilmente dos atrativos do pecado e
das seduções das paixões, fugindo com todas as forças, do que atacando de
frente. Segundo São Jerônimo, para conservar a pureza, a fuga vale mais do que
a luta aberta: "Fujo para não ser vencido", dizia de si mesmo. Esta
fuga consiste em nos afastarmos com diligência das ocasiões do pecado, e
sobretudo em elevarmos o nosso espírito para as realidades divinas durante as
tentações, fixando-o naquele a quem consagramos a nossa virgindade: "Olhai
para a beleza do vosso amante Esposo", recomenda Santo Agostinho.
Mas esta fuga e vigilância, para nas expormos
às ocasiões de pecado, parece que não são hoje compreendidas por toda a gente,
apesar de os santos as terem considerado sempre o melhor meio de luta nesta
matéria. Pensam de fato alguns que os cristãos, e especialmente os sacerdotes,
já não devem ser uns "separados do mundo", como outrora, mas devem
pelo contrário "estar presentes no mundo" e, por conseguinte,
"arrostar o perigo" e "pôr à prova" a sua castidade, para
assim se patentear se têm ou não suficiente força para resistir. Vejam portanto
tudo os jovens clérigos, para se habituarem a encarar tudo sem perturbação e
para se imunizarem assim contra toda a espécie de tentações. Deste modo,
facilmente lhes permitem fixar sem resguardo tudo o que lhes cai debaixo dos
olhos, freqüentar cinemas, mesmo para ver películas proibidas pelos sensores
eclesiásticos, percorrer toda a espécie de ilustrações, mesmo que sejam
obscenas, e ler até os romances que estão no Índice ou que proíbe o diretor
natural. Concedem-lhe tudo isto sob pretexto de que hoje grande parte da gente
alimenta o espírito com esses espetáculos e publicações, e é preciso que, os
que hão de ajudar, lhes compreendam a maneira de pensar e sentir. É fácil de
ver a falsidade e perigo de tal maneira de formar o clero e de o preparar para
a santidade da sua missão: pois "quem ama o perigo, nele
perecerá" (Ecli 3, 27). A recomendação de Santo Agostinho não perdeu
nada da sua oportunidade: "Não digais que tendes almas puras se tendes
olhos impuros, porque os olhos impuros são mensageiros dum coração
impuro".
Este funesto método baseia-se numa confusão
grave. É verdade que Nosso Senhor disse aos Apóstolos: "enviei-vos ao
mundo" (Jo 17, 18), mas acabara de
dizer: "eles não são do mundo, como
eu também não sou do mundo" (Jo 16) e tinha rogado ao Pai: "Não te
peço que os tire do mundo, mas que os livre do mal" (Jo 15). Segundo estes
princípios, a Igreja tomou prudentes medidas para preservar os padres, que
vivem no meio do mundo, das tentações que os rodeiam: estas normas têm por fim
defender-lhes a santidade de vida das preocupações e prazeres próprios aos
leigos.
Com maior razão ainda, é necessário separar
os jovens clérigos da agitação do século, para os formar na vida espiritual e
na perfeição sacerdotal ou religiosa, antes de os lançar no combate. Por isso,
devem estes ficar por longo tempo no seminário ou nas casas de noviciado e
formação, e receber educação apurada, aprendendo pouco a pouco e com prudência
a tomar contato com os problemas do nosso tempo, como Nós o prescrevemos na
Nossa Exortação Apostólica "Menti Nostrae". Qual é o jardineiro que expõe às intempéries
plantas escolhidas, mas ainda tenras, sob o pretexto de as experimentar? Ora,
os seminaristas e os religiosos em formação são plantas novas e delicadas, que
precisam de proteção e só progressivamente vão se habituando a resistir e a
lutar".
O que é a virgindade
cristã no ensino dos Padres e Doutores
Daqui se segue - como os Santos Padres e
Doutores da Igreja claramente ensinaram - que a virgindade não é virtude cristã
se não é praticada "por amor do reino dos céus" (Mt 19, 12); isto é, para mais facilmente nos
entregarmos às coisas divinas, para mais seguramente alcançarmos a
bem-aventurança, e para mais livres e eficazmente podermos levar os outros para
o reino dos céus.
Não podem portanto reivindicar o título de
virgens as pessoas que se abstêm do matrimônio por puro egoísmo, ou para
evitarem os seus encargos, como o nota Santo Agostinho, ou ainda por amor
farisaico e orgulhoso da própria integridade corporal: já o Concílio de Gangres
condena a virgem e o continente que se afastam do matrimônio por o considerarem
coisa abominável, e não por se moverem pela beleza e santidade da virgindade.
Além disso, o Apóstolo das Gentes, inspirado
pelo Espírito Santo, observa: "Quem está sem mulher, está cuidando das
coisas que são do Senhor, como há de agradar a Deus... E a mulher solteira e
virgem cuida das coisas que são do Senhor, para ser santa de corpo e de
espírito" (I Cor 7, 32-34). É esta
portanto a finalidade primordial e a razão principal da virgindade cristã:
encaminhar-se apenas para as coisas de Deus e orientar, para ele só, o espírito
e o coração; querer agradar a Deus em tudo; concentrar nele o pensamento e
consagrar-lhe inteiramente o corpo e a alma.
Nunca deixaram os Santos Padres de interpretar deste modo a lição de Jesus Cristo e a doutrina do Apóstolo das Gentes: pois, desde os primitivos tempos da Igreja consideravam a virgindade como consagração do corpo e da alma a Deus. São Cipriano pede às virgens que, "tendo-se consagrado a Cristo pela renúncia à concupiscência da carne e tendo-se dedicado a Deus de alma e corpo, não procurem agora adornar-se nem pretendam agradar a ninguém senão a Deus". E mais longe ainda vai Santo Agostinho: "Não honramos a virgindade por si mesma, mas por estar consagrada a Deus... Nem nós louvamos nas virgens o serem virgens, mas o estarem consagradas a Deus com piedosa continência". Os Príncipes da Sagrada Teologia, Santo Tomás de Aquino e São Boaventura, apóiam-se na autoridade de Santo Agostinho para ensinarem que a virgindade não possui a firmeza de virtude se não deriva do voto de a preservar ilibada perpetuamente. E sem dúvida os que mais plena e perfeitamente põem em prática a lição de Cristo neste particular, são os que se obrigam com voto perpétuo a observar a continência; nem se pode afirmar com fundamento que é melhor e mais perfeita a condição dos que desejam conservar uma porta aberta, para voltarem atrás. .
A excelência da
virgindade sobre o matrimônio
É sobretudo por este motivo que se deve
afirmar - como ensina a Igreja - que a santa virgindade é mais excelente que o
matrimônio. Já o Divino Redentor a aconselhara aos discípulos como vida mais
perfeita (Mt 19, 10-11); e São Paulo, depois de dizer que o pai que dá em
casamento a filha "faz bem", acrescenta logo a seguir: "E quem
não a casa, faz melhor ainda" (I
Cor 7, 38). Ao comparar as núpcias com a virgindade, manifesta o Apóstolo mais
de uma vez o seu pensamento, sobretudo ao dizer: "Eu queria que todos vós
fôsseis como eu... Digo aos não casados e às viúvas que lhes é bom permanecer
assim, como também eu" (I Cor 7,
7-8; cf. 1 e 26). Se portanto a virgindade, como dissemos, é mais excelente que
o matrimônio, isso vem em primeiro lugar de ela ter um fim mais alto (cf. S.
Tomás Summa Theol. II-II, q. 152, aa. 3-4): contribui com a maior eficácia para
nos dedicarmos completamente ao serviço divino, enquanto o coração das pessoas
casadas estará mais ou menos "dividido" (I Cor 7, 33).
Considerando porém a abundância dos frutos
que dela nascem, mais clara aparecerá ainda a excelência da virgindade,
"pois pelo fruto se conhece a árvore" (Mt 12, 33). (Encíclica “Sacra Virginitas" –
Pio XII - Ed. Vozes, 1960 – págs., 6/7,
25/26 e 12 e 16).
(Extraído de “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE”, págs. 54/58 – Desejando receber o texto integral desta obra, favor enviar mensagem para o email juracuca@gmail.com – Juraci Josino Cavalcante)
[1] Ou
da sociabilidade, vindo o da sexualidade em terceiro lugar.
[2] O
homem tem outros instintos mais fortes como o da sociabilidade e da beatitude
(busca da felicidade)
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