"Observa a doutrina que sabes que te foi dada por minha Verdade ao começar tua vida, quando pediste com grande desejo chegar à perfeita pureza de espírito. Se pensas no modo em que podeis consegui-la, lembras o que te disse sobre esse desejo quando estavas em êxtase. Não só no espírito, senão na voz que soou aos teus ouvidos quando voltaste aos sentidos, se bem te recordas, quando minha Verdade te disse: "Queres chegar à perfeita pureza de espírito e ver-te livre dos escândalos e que teu espírito não se escandalize por nada? Então façais que sempre te unas a Mim por afeto de amor, porque eu sou suma e eterna pureza e fogo que purifica a alma. Por isto, quanto mais a alma se aproxima de Mim, mais pura se faz, e quanto mais se afasta, se faz mais imunda. Os homens caem em tantas maldades por encontrar-se separados de Mim, porém a alma que se une a Mim, sem restrições, participa de minha pureza” .
Imitação de Cristo
1.
Enquanto vivemos neste mundo, não podemos estar sem trabalhos e tentações. Por isso lemos no livro de Jó (7, 1): "É
um combate a vida do homem sobre a terra".
Cada qual, pois, deve estar acautelado contra as tentações, mediante a
vigilância e a oração, para não dar azo às ilusões do demônio, que nunca dorme,
mas anda por toda parte "em busca de quem possa devorar" (I Pedr 5, 8). Ninguém há tão perfeito e
santo, que não tenha, às vezes, tentações, e não podendo ser delas totalmente
isentos.
2.
São, todavia, utilíssimas ao homem as tentações, posto que sejam molestas e
graves, porque nos humilham, purificam e ilustram. Todos os santos passaram por
muitas tribulações e tentações, e com elas aproveitaram; aqueles, porém, que
não as puderam suportar foram reprovados e pereceram. Não há Ordem tão santa
nem lugar tão retirado, em que não haja tentações e adversidades.
3.
Nenhum homem está totalmente livre de tentações, enquanto vive, porque em nós
mesmos está a causa donde procedem: a concupiscência em que nascemos. Mal acaba uma tentação ou tribulação, outra
sobrevém, e sempre teremos que sofrer, porque perdemos o dom da primitiva
felicidade. Muitos procuram fugir às
tentações, e outras piores encontram. Não basta a fuga para vencê-las; é pela
paciência e verdadeira humildade que nos tornamos mais fortes que todos os
nossos inimigos.
4.
Pouco adianta quem somente evita as ocasiões exteriores, sem arrancar as
raízes; antes lhe voltarão mais depressa as tentações, e se achará pior.
Vencê-las-á melhor com o auxílio de Deus, a pouco e pouco com paciência e
resignação, que com importuna violência e esforço próprio. Toma a miúdo
conselho na tentação e não sejas desabrido e áspero para o que é tentado, trata
antes de o consolar, como desejas ser consolado.
5.
O princípio de todas as más tentações é a inconstância do espírito e a pouca
confiança em Deus; pois, assim como as ondas lançam de uma parte a outra o
navio sem leme, assim as tentações combatem o homem descuidado e inconstante em
seus propósitos. O ferro é provado pelo fogo, e o justo pela tentação.
Ignoramos muitas vezes o que podemos, mas a tentação manifesta o que somos.
Todavia, devemos vigiar, principalmente no princípio da tentação; porque mais
fácil nos será vencer o inimigo, quando não o deixarmos entrar na alma, enfrentando-o
logo que bater no limiar. Por isso disse
alguém: "Resiste desde o princípio, que vem tarde o remédio, quando
cresceu o mal com a muita demora" (Ovídio)... Porque primeiro ocorre à mente um simples
pensamento, donde nasce a importuna imaginação, depois o deleite, o movimento;
e assim, pouco a pouco, entra de todo na alma o malvado inimigo, porque se não
lhe resistiu a princípio...
6.
Uns padecem maiores tentações no começo de sua conversão, outros, no fim; outros por quase toda a vida são molestados
por elas. Alguns são tentados levemente, segundo a sabedoria da divina
Providência, que pondera as circunstâncias e o merecimento dos homens, e tudo
predispõe para a salvação de seus eleitos.
7.
Por isso não devemos desesperar quando somos tentados; mas até, com maior
fervor, pedir a Deus que se digne ajudar-nos em toda provação, pois que, no
dizer de São Paulo, "nos dará graça suficiente na tentação para que a
possamos vencer" (I Cor 10, 13).
Humilhemos, portanto, nossas almas, debaixo da mão de Deus, em qualquer
tentação ou tribulação porque ele há de salvar e engrandecer os que são
humildes de coração.
8. Nas tentações e adversidades se vê quanto cada um tem aproveitado; nelas consiste o maior merecimento e se patenteia melhor a virtude. Não é lá grande coisa ser o homem devoto e fervoroso quando tudo lhe corre bem; mas, se no tempo da adversidade conserva a paciência, pode-se esperar grande progresso. Alguns há que vencem as grandes tentações e, nas pequenas, caem freqüentemente, para que, humilhados, não presumam de si grandes coisas, visto que com tão pequenas sucumbem.
O exercício da própria vontade
Não
temos de ser, portanto, curiosos nem imodestos no olhar, andando pelas ruas;
nem olhar imprudentemente pelas janelas; temos de evitar a conversa inútil, não
gritar, não rir às gargalhadas, não queixar-nos imoderadamente do mau tempo ou
da má saúde, não comer fora de hora, enquanto possamos, não ser cobiçosos, não
andar atrás dos bocados deliciosos, não desaprovar a comida que nos dão, não
pegar na bandeja a porção que está mais perto, não ser apressado em abrir
cartas, não dormir demais, renunciar a alguma diversão, retirar-nos de quando
em quando à solidão, não falar, sem motivo, de nós mesmos, e, enquanto se
possa, não contradizer aos outros. Estas mortificações não são pesadas, os
santos exercitaram outras mais rigorosas, mas que não podem recomendar-se a
todos. São João Batista exercitou a vontade própria em sumo grau. São Paulo
disse de si: Castigo meu corpo e o reduzo á servidão para que, depois de pregar
a outros, não seja eu condenado (I Cor 9, 27).
O
controle da vontade é uma maneira de martírio (S. Bernardo). O que se domina a
si mesmo é um verdadeiro rei, porque em vez de arrastar-se cativo de seus
apetites, lhes domina. É um vencedor, pois obtém sobre seus maus desejos uma
vitória, na verdade, sem sangue nem suor. O domínio de si é o próprio sinal do
verdadeiro cristão, pois disse Cristo: O que quer vir depois de mim, negue-se a
si mesmo (Mc 8, 24), a saber: o que quer ser eu discípulo (cristão),
exercite-se no domínio da vontade . Por isso disse São Paulo: Os que são de
Cristo têm crucificado sua carne com seus vícios e concupiscências (Gál 5,
24). O que é mortificado é santo. O peixe vivo nada água acima, o morto é
levado água abaixo. Assim mesmo podes conhecer se estás vivificado pelo
Espírito de Deus, ou morto: basta que olhes se andas contra a corrente dos maus
desejos, ou te deixas arrebatar por eles.
Pelejar consigo é a mais dura guerra; porém vencer-se a si próprio é a
mais gloriosa vitória.
(Extraído de “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE”, págs.76/78 – Desejando receber o texto integral desta obra, favor enviar mensagem para o email juracuca@gmail.com – Juraci Josino Cavalcante)
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