Quando se fala em
“Reino” vêm-nos logo à memória os termos “império”, “conquista”, “soberania”,
etc. Mas, há diferenças. Imperar é exercer a regência com imposição da vontade
do regente sobre os demais; conquistar é o ato de tirar a regência atual e impor
uma nova; soberania é o exercício do poder sobre os outros, nem sempre
pacífica. No caso da regência perfeita, o “Reino” deve ser o sistema em que o
regente exerce sua função de uma forma autêntica e
legítima, contando, inclusive, com a plena concordância dos regidos. Foi tal
tipo de regência e de Reino que Jesus Cristo veio trazer ao mundo. Um reino, ou regência, estava em ruínas e um outro
estava surgindo. Ambos os reinos não se mediam somente pela natureza humana,
mas conjuntamente – a humana e a divina. São João Batista foi o primeiro a
proclamar a chegada do novo reino, dizendo “...está próximo o reino dos céus”.
Nosso Senhor Jesus Cristo se referiu a seu reino várias vezes, dizendo sempre
que o mesmo “não é desse mundo”. Quer dizer, não era um reino daquele mundo
pervertido, daquele mundo decadente e imoral, mas de um outro mundo que fosse
conforme à vontade divina. É bem verdade que vale também o outro sentido: o Seu
Reino é antes de tudo espiritual e eterno, cujo império completo é reservado
para a outra vida. Mas, exatamente por isso, é que ele deve prevalecer já desde
a vida atual.
No Antigo Testamento há várias referências a um
suposto poder temporal do Reino de Deus
“Pede-me,
e eu te darei as nações em tua herança, e estenderei o teu domínio até as
extremidades da terra. Governá-la-ás com uma vara de ferro, e quebrá-la-ás como
vaso do oleiro.E agora, ó reis, entendei; instruí-vos vós que julgais a terra”.
(Sl 2, 8-10).“Com tua glória e tua majestade, caminha, avança vitoriosamente,
reina, por meio da verdade, da mansidão e da justiça” (Sl 44, 5)
“O teu trono, ó Deus, subsistirá por todos os séculos; o cetro do teu reino é cetro de retidão” (Sl 44, 7) “Porque aqui está Deus, o nosso Deus para sempre, e pelos séculos dos séculos; ele reinará sobre nós eternamente”.(Sl 47, 15)
“O Senhor fará sair de Sião o cetro do seu poder; domina no meio dos teus inimigos” (Sl 109, 2)
“O teu trono, ó Deus, subsistirá por todos os séculos; o cetro do teu reino é cetro de retidão” (Sl 44, 7) “Porque aqui está Deus, o nosso Deus para sempre, e pelos séculos dos séculos; ele reinará sobre nós eternamente”.(Sl 47, 15)
“O Senhor fará sair de Sião o cetro do seu poder; domina no meio dos teus inimigos” (Sl 109, 2)
“Porquanto um menino
nasceu para nós, um filho nos foi dado e foi posto o principado sobre o seu
ombro; e será chamado Admirável, Conselheiro, Deus forte, Pai do século futuro,
Príncipe da paz. O seu império se estenderá cada vez mais e a paz não terá fim;
sentar-se-á sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o firmar e
fortalecer pelo direito e pela justiça, desde agora e para sempre; fará isto o
zelo do Senhor dos exércitos” (Is 9, 6-7).
São
Boaventura,
em sua obra “Brevilóquio”, diz que os Anjos possuem quatro atributos:
simplicidade de essência, distinção pessoal, faculdade racional (com memória, entendimento
e vontade) e livre arbítrio para escolher o Bem e desejar o Mal. A estes quatro
atributos principais se somam outros quatro: eficácia no obrar, diligência no
servir, perspicácia no conhecer e imutabilidade depois da escolha, seja no bem
ou seja no mal. Conclui o Doutor Seráfico: “Esta substância [angélica], pelo
fato de ser simples está dotada de eficácia no obrar; pelo fato de ser eficaz e
pessoalmente distinta, lhe corresponde a diligência no servir; pelo fato de ser
simples e eficaz, lhe corresponde a perspicácia no discernir; pelo fato de ser
simples e perspicaz, tem entendimento deiforme, e por isso, depois da eleição,
permanece estável naquilo que elege, seja bom ou seja mau. Estas qualidades
acompanham sempre a mesma natureza geral dos espíritos superiores” [1]
Em outra obra do mesmo Santo, “Itinerário da
Mente para Deus”, ele comenta: “...diz São Bernardo ao Papa Eugênio que “Deus
ama, como caridade, nos Serafins; conhece, como verdade, nos Querubins;
senta-se, como justiça, nos Tronos; domina, como majestade, nas Dominações;
rege, como princípio, nos Principados; protege, como salvação, nas Potestades;
opera, como força, nas Virtudes; revela, como luz, nos Arcanjos; assiste, como
bondade, nos Anjos” [2].
Assim, a regência universal, que Deus deu aos
Anjos e aos homens, é apenas a participação de parte de Seus atributos divinos.
E para que ficasse bem claro como seria o
Seu Reino, Nosso Senhor o explicitou em diversas parábolas.
Em certa ocasião Ele comparou o Seu Reino
com a semente de uma árvore comum (Mc 4, 26-29) e com o grão de mostarda (Mc 4,
30-33). A planta, oriunda da semente, naturalmente cresce sem necessidade da
ação humana. A mostarda, inclusive, gerou uma imensa árvore embora fosse muito
pequena. Nisso está implícito que a atuação regencial do homem com a planta é
limitada, pois a árvore (como vários outros seres inferiores) tem algo de
auto-regência com base nas leis naturais com que foi criada. Da mesma forma é o
Reino de Deus, onde não há necessidade imperiosa da ação humana porque ele
crescerá por si mesmo. Isso quer dizer que o Reino de Deus também foi criado
com leis próprias que o dota de auto-regência, sem necessidade de impulso ou
controle externo a não ser do próprio Nosso Senhor Jesus Cristo.
Estas parábolas nos fazem lembrar um dos
sonhos que o profeta Daniel explicitou. Nabucodonosor sonhou que havia “no meio
da terra, uma árvore e a sua altura era desmarcada” (Dan 4, 7). O primeiro
significado dessa simbólica árvore é de sentido universal, pois ficava “no meio
da terra”; o segundo sentido é de grandeza, pois sua altura era “desmarcada”,
quer dizer, descomunal, e “chegava até o céu”, indicando ser de origem divina
ou dirigir-se a Deus. E sua capacidade era tanta que “as suas folhas... e seus
frutos... dela todos se podiam sustentar” (Dan 4,9). Tratava-se de representar,
pois, um reino, um império, cujo poder era tamanho que bastava para “se
sustentar toda a carne” o reino animal,
os seres inferiores.
Em seguida surge uma voz, que procede
claramente de um anjo. Parece indicar que era um demônio, pois “desceu do céu”
e ordenava uma coisa má (Dan 4, 12-14), destruir a árvore. Tratava-se de uma
“petição dos santos”, quer dizer, um pedido angélico dirigido ao Altíssimo, que
tem o poder sobre os reinos dos homens e dá-los a quem quer (Dan 4,15). Daniel interpreta o sonho dizendo que a
árvore seria o reino de Nabucodonosor (com regência imperativa e ditatorial),
mas que só continuaria a produzir tais frutos se o rei reconhecesse que seu
poder vinha de Deus (quer dizer, aceitasse a co-regência divina). Aquele
império, seria o primeiro a anteceder uma sucessão de reinos na terra e que
redundaria, finalmente, no Reino de Cristo. Dizia Daniel: “...és tu, ó rei, que
tem sido engrandecido e que te fizeste poderoso, etc. “(Dan 4, 19). E vindo tal
poder de Deus, seria uma pré-figura do Reino dos Céus, pois a árvore em questão
“cuja altura chega até o céu, e que se via de toda a terra... e em cujos ramos
... todos achavam com que se sustentar”...etc (Dan 4, 16-18), representava um
império universal. No final, há uma sentença (Dan 4, 21) a ser cumprida porque
o rei não seguiu as determinações de fazer penitência e teve sua “árvore”
cortada: perdeu o império e caiu na miséria.
No entanto, a comparação do Antigo
Testamento que mais exemplifica o Reino de Deus é um outro sonho decifrado
também por Daniel. Neste último, o rei tivera visto os quatro mais importantes
impérios do mundo representados numa grande estátua: sua cabeça era de ouro, o
peito e os braços, de prata, o ventre e as coxas, de cobre, e, finalmente, as
pernas eram de ferro, porém com os pés feitos de barro (Dan 2, 31-33). Era uma
grande estátua, portanto, um grande ídolo, com os metais mais preciosos em sua
formação, mas tinha os pés de barro. Era a representação do corpo místico de
satanás, o reino do demônio. De repente, uma pedra se desprendeu dum monte “sem
intervenção humana” (quer dizer, foi uma ação divina, ocorrida naturalmente), e
feriu a estátua nos seus pés e a fez em pedaços. Além de despedaçar a estátua a
pedrinha cresceu e “tornou-se um grande monte que encheu toda a terra”. Daniel
interpreta os metais da estátua como os principais impérios que dominariam o
mundo: na cabeça de ouro estava representado o império dos Assírios (de que
Nabucodonosor era o rei), na parte de prata estava representado o império que o
sucederia de imediato (os medas, antecessores dos gregos), na parte de cobre o
império dos gregos (que é muito posterior a Daniel) , e, finalmente, na parte de ferro e barro, os sucessores destes
que seriam os romanos. Segundo a História, estes foram os grandes impérios
formados antes da vinda de Cristo, pois os demais, como os caldeus, os
sumérios, ninivitas, egípcios, etc, não são considerados “impérios”, mas
simples reinos locais. E essa estátua, formada por elementos que representam a
força como poder, e a pedrinha que, naturalmente, torna-se um grande monte,
demonstra a existência das duas regências: a imperativa e a natural.
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