(COMENTÁRIOS DE DR. PLÍNIO CORRÊA DE oLIVEIRA SOBRE A SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA)
Hoje é 8 de dezembro de 1965. Eu leio um
documento do tempo do Papa Pio IX, de 8 de dezembro de 1854. É a Bula Ineffabilis
Deus.
"A nossa boca está cheia de alegria e
nossos lábios de exultação; e damos e daremos sempre as mais humildes e mais
vivas ações de graça a Nosso Senhor Jesus Cristo por nos haver conseguido a
graça singular de podermos – embora imerecedor – oferecer e decretar esta
honra, esta glória e este louvor à Sua Santíssima Mãe. E depois reafirmamos a
nossa mais confiante esperança na Beatíssima Virgem que, toda bela e Imaculada,
esmagou a cabeça venenosa da crudelíssima serpente e trouxe a salvação ao
mundo. Naquela que é a Glória dos profetas e dos apóstolos, Honra dos mártires,
Alegria e Coroa de todos os santos, seguríssimo Refúgio, fidelíssimo Auxílio de
todos os que estão em perigo; poderosíssima Mediadora e Reconciliadora de todo
o mundo junto a Seu Filho Unigênito, fulgidíssima beleza e ornamento da Igreja
e sua solidíssima defesa. Reafirmamos a nossa esperança naquela que sempre
destruiu todas as heresias, salvou os povos fiéis de gravíssimos males de todos
os gêneros e a nós mesmo tem livrado de tantos perigos que nos ameaçam.
Confiamos que Ela queira, com a Sua
eficacíssima proteção, fazer com que nossa Santa Madre Igreja Católica,
superando todas as dificuldades e desbaratando todos os erros, prospere e
floresça cada dia mais, no meio de todos os povos e em todos os
lugares(...)"
A
importância do emprego de frases longas e do uso de superlativos
Este trecho, que creio causar um pouco de
estranheza às gerações de hoje, é condenado pelo estilo literário comum por
duas razões especiais: em primeiro lugar, frase muito longa e, em segundo
lugar, superlativa.
Tenho a impressão que esse trecho se reduz a
umas três frases. E o estilo de hoje gosta de frases curtas e com poucos
superlativos. Entretanto, o mérito da frase longa consiste em relacionar uma
série de pensamentos numa só sentença. E o mérito dos superlativos -
quando são bem aplicados - é de quebrar os padrões comuns dentro dos
quais nós nos movemos e de fazer entender que as realidades profundas são as
realidades superlativas, aquelas para as quais a linguagem humana só encontra
uma referência superlativa. Tudo aquilo que é invisível, tudo aquilo que é
sobrenatural, tudo aquilo que, portanto, é imensamente maior do que a ordem
visível na qual nós nos movemos, tudo isso é tão maior do que nós que a linguagem
só se refere a isto em termos superlativos.
E se isto é verdade em relação a tudo quanto
é invisível, é particularmente verdade em relação a Nossa Senhora que é a
Rainha de todas as coisas visíveis e invisíveis, e que está acima de todo o
visível e invisível. E que por causa disto, tendo acima de si apenas Deus,
todos os superlativos estalam e não temos em nossa linguagem nenhuma
referência, nenhum modo de exprimir adequadamente os predicados d’Ela. De
maneira que, acumulando superlativos uns em cima dos outros, afirmamos a
insuficiência de todos eles para dizer aquilo que deve ser dito. E aí, à
maneira de ensaio, à maneira de artifício, de estratagema, nós conseguimos de
algum modo dar a entender o que a nossa mente concebe a respeito da grandeza de
Nossa Senhora.
Glória
e privilégios de Nossa Senhora
Pio IX reúne uma série de idéias dentro
dessas frases grandes. Porque são círculos cada uma dessas frases, uma espécie
de diadema em que há toda uma série de jóias para ornar a coroa de Nossa
Senhora. Ele dá algumas idéias sucessivas a propósito da Imaculada Conceição,
fazendo-nos ver que enquanto concebida sem pecado original - e concebida sem o
pecado original na previsão de ser Mãe de Deus -, Ela tem um cúmulo de glória
de todas as ordens. E é isto que ele faz ver neste trecho. Os senhores
acompanham o método do pensamento d’Ele, lendo mais vagarosamente o texto.
Primeiro há uma ação de graças pelo fato de
ele ter sido o escolhido, como Papa, para definir o dogma da Imaculada
Conceição. Então diz: "nossa boca está alegre". Ele diz "está
cheia, está repleta de alegria". Porque todo o texto é superlativo. E,
realmente, não há boca humana que possa conter suficiente alegria pelo fato de
ter sido a Imaculada Conceição definida, tanto mais na boca daquele homem que
foi chamado a ser o Príncipe dos Pastores e sucessor de São Pedro!
Bem, e os lábios de Pio IX estão cheios
do quê? De alegria! De uma super alegria: exultação. A boca está cheia de
alegria e os lábios estão cheios de exultação. Quer dizer, uma alegria que sai
da boca para fora, que inunda os lábios e que na flor dos lábios se transforma
em exultação. Alegria por quê? Porque a Imaculada Conceição de Nossa Senhora
foi definida, e porque ele foi o instrumento da definição.
Ele continua: "e damos e daremos
sempre as mais humildes e as mais vivas ações de graças - a linguagem é
sempre fácil: "damos e daremos as mais vivas ações de graças, as mais
humildes", é tudo superlativo – a Nosso Senhor Jesus Cristo, por nos
haver concedido a graça singular - não é uma graça qualquer, é uma graça
singular, que não tem seu igual – de podermos, embora imerecedor, oferecer e
decretar esta honra, esta glória e este louvor à Sua Santíssima Mãe".
O
poder do Papado que pode definir um dogma
Os senhores vejam o que é a grandeza de um
Papa, o que é a grandeza do pontificado romano, o que é o poder das
Chaves. Nossa Senhora está acima de todos os Anjos, de todos os Santos. Ela
está como que sentada em um trono ao lado de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pois
bem, um Papa, um simples homem vivo nesta terra pôde dizer isto: que ele
ofereceu e decretou esta honra, esta glória e este louvor à Santíssima Mãe de
Deus. Quer dizer, o poder das chaves lhe deu o meio de colocar um diadema na
fronte daquela que está tão acima d’Ele! Isto é o imenso poder do papado, as
imensas atribuições do papado e a imensa grandeza do papado!
Esse é o primeiro pensamento. Agora vem outro
pensamento.
Nossa
Senhora por ser Imaculada e, enquanto Imaculada bela, esmagou a cabeça do
demônio
"E depois reafirmamos a nossa mais
confiante esperança na nossa Beatíssima Virgem, que toda bela e imaculada
esmagou a cabeça venenosa da crudelíssima serpente, e trouxe a salvação do
mundo".
É a primeira parte da frase. A frase continua depois, mas o pensamento está
muito claro!
Nossa Senhora - por ser Imaculada e enquanto
Imaculada -, bela, esmagou a cabeça do demônio. Os senhores vêem que as idéias
são inseparáveis. O Papa pensa na beleza de Nossa Senhora, no poder d’Ela. Ele
pensa imediatamente, por contraste, na hediondez do demônio, pensa no demônio
enquanto esmagado por Ela. Quer dizer, Sua beleza não seria inteira, uma vez
que há o demônio, a não ser que essa beleza fosse uma beleza triunfal,
esmagadora sobre o demônio. O demônio é o escabelo necessário dos pés d’Ela;
uma vez que Ela é tão pura, uma vez que Ela é tão linda, não bastaria que todas
as criaturas deste mundo e do Céu e do Purgatório A homenageassem. Mas era
preciso que o inimigo estivesse quebrado aos pés d’Ela. Então, a idéia completa
da glória d’Ela envolve logo a idéia do demônio babando, estraçalhado,
humilhado, com o rosto no chão, porque Ela quis e porque foi Ela o instrumento
de Deus para liquidá-lo. Isto faz parte da beleza d’Ela.
Isto é muito, porque é mais uma manifestação
da idéia de que o homem só apreende todo o fulgor da verdade, todo o fulgor da
beleza e todo o fulgor do bem, quando é colocado em contraste com o erro, com o
mal e com a feiúra. Isso numa imagem da Imaculada Conceição fica muito claro!
Sua
intercessão pelo pecador arrependido
Bem, depois diz: "nisto nós confiamos
n’Ela". Então porque Ela é bela, imaculada, mas porque também esmaga o
demônio. Se nós nos lembrássemos disso nas horas de tentação! Estamos tentados,
o demônio está procurando nos levar para o mal, temos medo de fracassar, de
pecar e, infelizmente - que Deus nos livre - digamos que algum tenha pecado.
Nossa Senhora esmagou a cabeça do demônio e pode, portanto, arrancar qualquer
pecador das garras do demônio, pode afastar qualquer alma tentada da
influência, do império do demônio. Como isto é uma razão de confiança e como
isto deve dar alento à nossa vida espiritual!
Primeiro: Nossa Senhora enquanto Imaculada,
enquanto bela e imaculada, esmagou a cabeça do demônio.
Segundo: Ela enquanto Imaculada é a glória
dos profetas e dos apóstolos, honra dos mártires, alegria e glória de todos
santos. Quer dizer, Ela não só esmagou o demônio, mas é a alegria e a beleza do
Céu.
Terceiro: Ela é o seguríssimo refúgio e
fidelíssimo auxílio de todos os que estão em perigo. Os senhores estão vendo o
que Ela é: não é o refúgio seguro, não é o auxílio fiel. É um refúgio
seguríssimo, um auxílio fidelíssimo dos que estão em perigo. Que relação tem
isso com a Imaculada Conceição? Nossa Senhora, que não teve esse perigo e que
foi confirmada em graça desde o primeiro instante de seu ser, quanta pena terá
dos filhos que Ela vê por esse mundo, sujeitos a todos esses riscos! Não há uma
mãe católica verdadeira pelo mundo, que não tenha hoje em dia o coração nas
mãos continuamente pelo medo do que pode suceder a seu filho. Ora, Nossa
Senhora quanto melhor mede isso! Quanto melhor vê isso! Quanto mais - entre
aspas - podemos dizer que Ela se "aflige" com a nossa situação, tanto
mais certeza podemos ter de ser socorridos. Isto é o que está entendido aqui.
Ela é "poderosíssima mediadora e
reconciliadora de todo o mundo junto a seu Filho Unigênito". Aqui vem
um pensamento que não é mais dos indivíduos, mas da sociedade humana como tal,
da humanidade inteira, dos Estados, das nações, da ordem pública que Ela
reconcilia.
Sua
proteção à Igreja e intercessão poderosa contra as heresias
"Fulgidíssima beleza e ornamento da
Igreja e sua solidíssima defesa". Então, Ela é o terror dos demônios, a honra
e a glória do Céu, a proteção dos homens e o ornamento da Igreja. Por que?
Porque a Igreja é um paraíso, é uma prefigura do paraíso celeste e se Ela é a
honra do paraíso celeste, tem que ser a honra da Igreja Católica também.
E continua: "reafirmamos a nossa
esperança naquela que sempre destruiu todas as heresias. Todas, inclusive as
que mais possam nos angustiar. Salvou os povos fiéis de gravíssimos males de
todo gênero – inclusive dos males que mais possam nos alarmar, e a nós mesmos
tem livrado de tantos perigos que nos ameaçam. Confiamos que Ela queira, com
sua eficacíssima proteção, fazer com que nossa Santa Madre Igreja Católica,
superando todas as dificuldades, inclusive as menos esperadas e mais
tremendas". Depois: "esmagando todos os erros" -
mesmo aqueles que incidentemente a gente pode conter num amplexo, como o que os
jornais apresentavam hoje - , "prospere e floresça cada vez mais no
meio de todos os povos e em todos os lugares".
Nossa
Senhora, a conversão do mundo e o Reino de Maria
Esta afirmação do prosperar da Igreja no meio
de todos os povos e em todos os lugares parece quase o antegozo do Reino de Maria.
O que nós devemos pedir a Nossa Senhora hoje?
Tenho a impressão de que devemos dizer a Ela: venha a nós o Vosso Reino, seja
feita a Vossa Vontade, assim na terra como no Céu. Nós devemos pedir a Ela que
Seu Reino venha logo e que cesse este estado de coisas em que a vontade d’Ela
não é feita na terra, em que os homens não cumprem mais Sua vontade, em que
mesmo onde mais se poderia esperar que a vontade d’Ela fosse cumprida, esse
cumprimento não existe. O reino d’Ela na terra é isso.
(Conferência – 08 de dezembro de 1965)
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