História de Pedro I e Eleonora
Após a primeira Cruzada, quando Jerusalém foi
tomada pelos cristãos em 1099, estabeleceu-se no Oriente uma dinastia católica
de reis provinda da França, muitos dos quais foram reis de Jerusalém. O último reduto desta dinastia ficou
estabelecido na ilha de Chipre, para onde se mudaram os reis depostos de
Jerusalém pelos árabes.
Referida dinastia, da família Lusignan, reinou
cerca de 300 anos
Muito católico ainda, o rei decidiu reavivar o
espírito das Cruzadas e resolveu viajar para a Europa com o objetivo de
convencer os príncipes cristãos da necessidade de novas investidas contra os
mouros. A 24 de outubro de 1362 embarca, então, levando consigo seus principais
cavaleiros e, em vez da rainha, levava apenas uma camisola sua como tesouro e
lembrança de sua figura.
Os cronistas dizem que o rei "amava a rainha
Eleonora de acordo com os mandamentos divinos". Por isto, ao partir para a Europa, demonstrando
já está possuído do romantismo fátuo da Renascença, ordenou a seu camareiro que
pegasse uma camisola da rainha e a colocasse junto dele quando preparasse sua
cama para dormir à noite. Desse modo ficaria o rei abraçado à camisola da rainha
enquanto dormia. Estranha forma de
manifestar seu amor "de acordo com os mandamentos divinos"...
Na Europa, encontrou-se com diversos príncipes e
reis, mas havia uma espécie de obstinação cega contra qualquer projeto de uma
Cruzada. A única cruzada que os atraía era para lutarem entre si em suas
guerras de fronteiras e de questões dinásticas. Em todos os lugares em que
passava, Dom Pedro I era recebido com danças, torneios e banquetes, cada
príncipe ou soberano desdobrando-se
Apesar de tanta indiferença ao espírito guerreiro e
de cruz, o rei ainda conseguiu arregimentar 115 naus e cerca de 10 mil homens
para a sua Cruzada. Sua primeira investida foi contra a cidade de Alexandria,
conquistada com facilidade. Como já não predominava nestes cruzados o espírito
de cruz e de amor a Deus, a cidade foi objeto de pilhagens e de saques
desenfreados. Os cronistas dizem que "no entanto, a inutilidade da tomada
da cidade - abandonada imediatamente - já revela a alteração do espírito cavalheiresco,
o feito gratuito ao qual de fato se entregaram Pedro e seus companheiros".
O demônio da luxúria
Pedro I voltaria novamente à Europa, novamente sem
a esposa. Ao que parece o amor platônico do casal continuava vivo, pois o rei
estava levando a mesma camisola consigo. Foi recebido em Roma, Treviso e
Florença com as maiores homenagens.
Porém más notícias chegaram aos ouvidos da rainha.
Um cronista assim descreve o que houve:
"Como sabeis, o demônio da luxúria que
atormenta o mundo inteiro, seduziu o bom rei, fazendo-o cair em pecado com uma
dama nobre, chamada Joana Laleman, viúva do senhor João de Montolif, senhor de
Khulu (na região de Pafo), e ele deixou-a grávida de oito meses". Como o
rei fora pela segunda vez ao Ocidente, lá se demorando muito, a rainha mandou
chamar Joana para sua corte, e esta aceitou o convite. Aqui começa o pior drama
da família real.
Assim que a cortesã chega à corte de Eleonora, esta
dirige-lhe estas palavras: "Péssima
cortesã, roubaste meu marido!" A
nobre dama calou-se, sentindo-se culpada, e também em respeito pela
rainha. Eleonora deu, então, ordem a
suas servas para que a jogassem no chão; em seguida, trouxeram um grande almofariz
de mármore, que elas colocaram sobre seu ventre e com o qual moeram várias
coisas e uma medida de sal para fazê-la abortar.
Apesar de tanta violência e lhe haver torturado o
dia inteiro, a criança continuava viva no ventre da mãe. A rainha, vendo inúteis seus esforços, ordena
que a escondessem numa casa até o dia seguinte. Ao amanhecer, ordenou que a
trouxessem à sua presença novamente. Nova cessão de tortura para provocar o
aborto da criança, novamente sem êxito. Utilizaram de todos os recursos, desde
ervas e drogas, coisas ensinadas por feiticeiras e parteiras. Por um desígnio de Deus, a criança continuava
viva dentro do ventre da mãe. Estando sob o completo domínio de Eleonora, a miserável
cortesã foi obrigada a ficar reclusa numa casa até conceber o filho.
Quando a criança nasceu, levaram-na e entregaram-na
à rainha, e nunca se soube o que foi feito dela. Em seguida, movida por um ódio
passional, mandou que trouxessem Joana à sua presença, e ordenou em seguida que
a jogassem numa prisão subterrânea, ainda ensanguentada, onde sofreu tudo tipo
de maus-tratos. No entanto, o capitão do lugar onde estava presa Joana mudou,
sendo substituído por Hugo d'Anathiaume, que era aparentado dela. Em segredo,
Hugo tratou de arrumar o fosso subterrâneo onde a infeliz fora jogada. Deu-lhe
lençóis para dormir, tratou-a bem, servindo-lhe comida e bebida.
Enquanto estes fatos ocorriam em Chipre, Pedro I
ainda permanecia em seu périplo pela Europa. Apesar de Eleonora dominar a
situação, não conseguiu evitar que seu esposo tomasse conhecimento do que
ocorria. Inconformado, o rei escreveu uma carta à rainha, onde dizia:
"Fiquei sabendo das maldades que fizestes à minha muito querida dama Joana
Laleman. Por isso anuncio-te que, se, com a ajuda de Deus, eu voltar a Chipre,
irei te fazer tanto mal que todos estremecerão. Assim, antes que eu volte, faz
todo o mal que puderes".
Temerosa, Eleonora mandou soltar a prisioneira,
obrigando-a, entretanto, a ficar reclusa num convento de Santa Clara.
Mas o rei Pedro I continuava sendo dominado pelo
demônio da luxúria. Ainda na Europa arranjou outra amante, chamada Echive de
Shavel Zion, mulher do senhor Grenier, "o Pequeno", e como dama era
casada. Neste caso, Eleonora nada poderia fazer contra ela, pois tinha a
proteção do marido. O demônio da luxúria
consegue fazer com que Pedro cometesse agora um pecado maior, o do adultério
duplo.
Um cronista da época comenta que o rei, quando levava
em suas viagens apenas a camisola de sua esposa, já demonstrava estar dominado
pela luxúria. E que após o primeiro pecado, cometido com uma viúva, não era de
se estranhar que cometesse tantos outros com outras cortesãs dissolutas, como
este último com uma mulher casada.
A desgraça se abate sobre a família real
Enquanto o rei se consumia em pecados de luxúria na
Europa, a rainha procurava sobrepujá-lo e cometer pecados piores. Assim, ela
também resolveu amasiar-se a outro
homem. Seus parentes comunicaram o fato ao rei através de uma carta. A partir
daí foi que Pedro mandou que seu camareiro retirasse a camisola de seu quatro,
com qual já se acostumara a dormir. Como aquele nobre senhor não mais nutria em
seu coração sentimentos cristãos de caridade, de bondade e de amor a Deus,
passou-se em sua alma terrível transformação, a qual impressionou vivamente a
seu círculo de amizades. Ficou macambúzio, triste e melancólico, fechado em si
mesmo. Tal estado de alma influenciou vivamente
seu comportamento e suas decisões.
Determinado apenas a se vingar daquilo que supunha
ser uma traição, sua cólera caiu sobre
todos os que imaginava ter culpa de suas misérias morais. Para aquele que lhe
traiu com sua esposa, conseguiu mandar que fosse aprisionado num castelo até morrer
de fome. A rainha, sentindo-se incapaz de enfrentá-lo, foge de seu furor. Sabia
agora que seu antigo amoroso esposo a traía desonrando todas as pequenas e
grandes damas.
Mandou construir uma torre e rodeá-la de redutos
fortes com fossos. Sentia a necessidade de se proteger contra a fúria do rei.
Os cavaleiros que eram de seu círculo de amizade, alguns familiares seus,
desconfiavam de que o rei quisesse mandar prendê-la. A partir deste momento
começaram a ocorrer atos de demência de ambas as partes.
Segundo conta o cronista Maharias, "começou a
brotar a árvore do ódio. Os cavaleiros da corte iriam reunir-se e dirigir-se a
dois irmãos do rei. Desde o seu retorno o rei tornou-se tão soberbo que traiu
seus juramentos devido ao ódio que alimentava..." Em vão, um de seus próximos, o almirante João
de Monsori, tentou fazer o rei ponderar e depois acalmar os barões que haviam
ido à igreja de São Jorge dos Potros, que tramavam nada menos que a morte de
Pedro I".
Intrigas, calúnias, injúrias, mortes, traições e guerras
seguiram-se até à completa extinção da dinastia dos Lusignan em Chipre, cedendo
lugar à invasão turca que alguns anos mais tarde retomaram a ilha. Como se vê
pelos fatos acima, se o casal fosse fiel cumpridor dos deveres cristãos e
tivessem praticado as virtudes da caridade, sobretudo da castidade matrimonial,
teriam evitado não só o desmoronamento de sua família e da dinastia, mas até
mesmo de todo o seu povo. Se os turcos
vieram a se apossar de Chipre foi por castigo de Deus por causa desta apostasia.
Pedro I foi assassinado numa cena selvagem, assim lamentada pela escritora francesa Regine Pernoud: "Cena selvagem, por maiores que fossem os erros de Pedro, e sem precedentes, pois em vão se procura o exemplo de um regicídio nos anais do Ocidente na época feudal". [1]
(Texto extraído de “A Felicidade Através da Castidade”,
págs. 261/264 – o conteúdo integral da obra pode ser obtido enviando mensagem
para meu e.mail juracuca@gmail.com )
[1] Dados extraídos do livro
"A Mulher nos Tempos das Cruzadas" - de Régine Pernoud - Papirus
Editora - págs. 278/288.
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