Plinio Corrêa de Oliveira
Foi-me pedido um comentário a respeito de um artigo que foi publicado há algum tempo na Folha de S. Paulo, a respeito do assassino de Santa Maria Goretti. Os senhores sabem que ela foi morta bestialmente por um homem que era uma espécie de tarado que queria violentá-la. Mas ela preferiu a morte a entregar-se. O resultado é que faleceu, menina ainda, mártir da pureza.
A sua canonização realizou-se em 1950
e sua memória exala até hoje um perfume de um dos mais belos aspectos da
pureza, que é a pureza e o holocausto, a pureza e o sacrifício. Morrer para
conservar a castidade; amar a castidade a ponto de morrer por ela; ter uma
morte que é a mais alta expressão da pureza de sua própria alma, é bem uma
formosura moral digna desta escola única de todas as formosuras morais, perfeitas
e acabadas, que é a Santa Igreja Católica.
Neste artigo da Folha há alguns
trechos que foram sublinhados e que passarei a ler aqui:
“O assassino de Santa Maria Goretti,
Alessandro Serenelli, morreu aos 87 anos, 68 anos depois de ter assassinado em
Nettuno, na Itália, com 14 punhaladas, a menina de 12 anos, que em 1950 foi
canonizada pelo Papa Pio XII”.
Os senhores viram, portanto, a coisa
bárbara: ele matou esta santa com 14 punhaladas, carregando o remorso do crime
que praticou por 68 anos.
“Alessandro Serenelli, que era
vizinho da menina, tentou inutilmente conquistá-la. Um dia assediou-a e
assassinou-a com 14 punhaladas. Quando a menina estava num hospital, um padre
que a confessou perguntou-lhe se perdoava o assassino. Maria Goretti respondeu:
‘Sim, claro que perdôo Alessandro; quero-o comigo no Céu’”.
Isto parece até a morte de Nosso
Senhor, que disse ao bom ladrão antes de morrer: “tu estarás comigo hoje no
Paraíso”. Era um criminoso vulgar que foi posto perto de Nosso Senhor,
arrependeu-se e Nosso Senhor fez dele o primeiro santo canonizado. Assim também
Maria Goretti, do alto da cruz, do alto do seu sofrimento, do seu holocausto,
dizia também: “eu quero este homem no céu comigo”.
E como os senhores verão daqui a
pouco, ela levou, por sua intercessão, esse homem miserável e desequilibrado
para o Céu.
Ontem à noite eu falava aos senhores
algo de Viena e daquela doçura católica de maneiras, que caracterizou o
ambiente vienense até meados do século XIX, e que alguma coisa disto restou
hoje. E acrescentei que esta doçura de maneiras era uma expansão do perfume da
Igreja Católica. E nessa narração os senhores têm isto levado ao grau da
sublimidade. Santa Maria Goretti segue o exemplo de Nosso Senhor, ela uma
meninota que talvez nem tivesse ouvido falar desse último lance da Paixão, mas
que tinha a alma católica. E colocada numa atitude parecida com a de Nosso
Senhor, ela, com 14 punhaladas, estando para morrer, que devia guardar na
retina a fisionomia horrenda desse monstro de impureza, ela tem esta frase: ”claro
que perdôo, eu o quero comigo no céu”. Resultado: ela o levou para o Céu!
Esta é a amenidade católica, que em
nada se opõe à firme condenação do erro. Os senhores vêem nela: preferiu morrer
do que entregar-se, de tal maneira condenava essa bestialidade. Mas ela queria
o homem bestial regenerado e no Céu. Não o queria não regenerado, porque aí
seria liberalismo, mas o queria regenerado e com ela, no Céu.
“Em 1902 Serenelli foi condenado a 30
anos de prisão, com os três primeiros anos passados em prisão solitária. A mãe
da vítima, entretanto, interveio junto ao tribunal, dizendo que sua filha já
perdoara o assassino.”
A mãe, hein? É quase mais difícil do
que a própria filha.
“Seis anos depois, numa prisão da
Sicília, Serenelli teve uma visão e descreveu assim: - ‘Marieta, como a
chamava, apareceu-me num lindo jardim. As grades desapareceram para dar lugar a
um jardim. E ela ofereceu-me 14 lírios, cada um correspondendo a uma das
punhaladas que lhe dei’.”
Os senhores vêem, primeiro, para o
prisioneiro, o lugar que ela foi escolher para aparecer: onde não se viam as
grades. Quer dizer, é uma perspectiva sobrenatural, eliminava e completava
aquele lado da cela, como que dizendo: no plano sobrenatural você vai ser
liberto; a sua prisão, o seu tormento, no plano sobrenatural está abolido. Eu
venho te trazer uma consolação para transformar em alegria a sua vida nesse
cárcere, embora a justiça humana a justo título te castigue, e embora você deva
amar a severidade justa da justiça humana, aqui estou eu para representar a
misericórdia e para tornar suave esse estado de punição tão necessário. Então
ela aparece eliminando as grades. E - manifestação admirável do perdão - 14
lírios para simbolizar as 14 punhaladas da impureza imunda, da impureza
asquerosa, que chega até o crime.
“A partir de então Maria Goretti
passou a ser venerada em toda a Itália e pouco a pouco na Europa e na América.
Os fiéis intercediam junto a ela principalmente para que conseguisse de Deus o
perdão para os pecados carnais. Em 1950 Pio XII canonizou-a”.
Por que o perdão para os pecados
carnais? É muito bonita esta idéia. Como ela levou a pureza a um tão alto grau
de desprendimento de si mesma, que perdoava por esta forma a um miserável, que
num acesso de lubricidade asquerosa a matou, então ela também obtém para
aqueles que têm pecados para se fazerem perdoar, para nós pobres mortais, ela
consegue o perdão pelos pecados carnais. Quer dizer, quem tiver o que se fazer
perdoar a esse respeito, peça a ela. E ainda que esteja preso no cárcere da
volúpia e da imoralidade, ela quebrará as grades desse cárcere. Ou seja, é a
ela que se deve pedir esta graça preciosa do perdão.
“Em 1929, Serenelli se havia
convertido num prisioneiro exemplar depois da visão, tendo sido antes um
detento rebelde e problemático. E foi libertado depois de ter cumprido 27 anos
de pena”.
Os senhores vejam que coisa
interessante: ele foi um preso revoltado mas depois da visão apaziguou-se.
Santa Maria Goretti apareceu e apaziguou sua tempestade. É como Nosso Senhor
quando mandou à tempestade que parasse e os Apóstolos comentavam entre si:
“Venti et mari obediumt eum”. “Os ventos e os mares lhe prestam obediência”.
Os nossos ventos interiores e os
nossos mares interiores prestam obediência à voz de Nosso Senhor, prestam
obediência à oração de Nossa Senhora. Ela pode aplacar tudo isto, desde que nós
peçamos com amor, peçamos com devoção como Santa Maria Goretti pediu.
Alguém poderia me dizer: “Mas Dr.
Plinio, eu não peço como Santa Maria Goretti”. Eu digo: É verdade, mas peça a
ela que peça por você; lá está ela no céu para isso, para obter o aplacar-se
dos ventos e dos mares internos; esse homem revoltado recebeu a visão e
transformou-se num prisioneiro exemplar.
“Quando Maria Goretti foi canonizada,
falava-se por toda parte da Itália de milagres concedidos pela santa. Pio XII
ateve-se à evidência desses milagres, principalmente o da cura de um surdo que
recorrera à intercessão da santa. Agora, ao morrer, Serenelli, já calvo e
corcunda, reiterou a visão que tivera. Disse ele que Maria Goretti lhe apareceu
outra vez, prometendo-lhe o Céu em troca do crime praticado contra ela -
primeiro os lírios e depois o próprio céu. Serenelli morreu tranquilamente,
recebendo os sacramentos da Igreja e o conforto dos que o cercaram nos seus
últimos dias”.
A notícia não conta dois fatos muito
bonitos.
Ele ficou irmão leigo de uma ordem
religiosa, se não me engano dos franciscanos, para acabar de expiar até o fim
dos seus dias o crime que tinha cometido. Quando saiu da cadeia, ele pediu à
mãe de Maria Goretti para falar com ela, ao que esta lhe respondeu que era duro
demais para ela (ela não era santa...). Mas que dava uma sugestão: que
comungassem juntos lado a lado. No dia ele se apresentou e comungou ao lado
dela; receberam o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor Jesus
Cristo.
Por outro lado, quando se tratou da
canonização da Santa Maria Goretti, ele mandou oferecer-se ao Papa Pio XII para
estar presente na Basílica de São Pedro quando a cerimônia se realizasse, como
manifestação de seu pesar e de sua expiação. O Papa Pio XII, com muito tato,
mandou lhe dizer que era melhor que não aparecesse. E realmente ele não
compareceu.
Com muito tato por que? Porque dado o
temperamento italiano muito vivaz, não era garantido que não saísse vaia. Dado,
por outro lado, a fraqueza do homem, é tão grande a fraqueza do homem que não é
garantido que ele não ficasse orgulhoso, porque o homem se orgulhece a respeito
de qualquer coisa... inclusive de um defeito!
Os senhores sabem de Santo Antão do
deserto - se eu não me engano - que teve uma fortíssima tentação de vaidade por
ser o homem mais velho do mundo. A fraqueza humana é assim: se envaidece de
qualquer coisa!
Aí os senhores têm umas notas a
respeito de Santa Maria Goretti, que podem dar aos senhores uma maior devoção a
ela.
Eu lhes lembro, sobretudo, o
seguinte: quem quiser ter dela isto que eu julgo uma maravilha: a suma
intransigência junto a uma completa doçura. Peça a ela, que deu prova disto!
Outra maravilha: um desapego total de
si, a ponto de perdoar com requintes de carinho e de afeto aquele que maior mal
lhe fez. Peçam a Santa Maria Goretti. Se alguém tem do lado da pureza pecados a
se fazer perdoar, se alguém tem dificuldades nesse terreno do amor próprio e
queira obter a graça, peça a Santa Maria Goretti; ela obterá.
Porque se ela obteve isso em favor de
um inimigo, quanto mais obterá em favor de um amigo que dela se aproxime, como
um filho provado que vai exatamente invocá-la em nome das virtudes de que ela
foi chamada a ser modelo. Assim fica a minha sugestão para hoje.[1]
(Extraído de “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE”, págs. 243/246,
cujo texto integral pode ser obtido
enviando mensagem para meu email juracuda@gmail.com
)
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