O vendaval de
ódio anti-religioso que soprou na França durante a Revolução de 1789, atingiu
duramente e de forma indiscriminada todas as ordens, todos os religiosos, de
todas as cidades, inclusive, de forma brutal, a humilde Comunidade das
carmelitas de Compiègne.
Já a partir de
novembro de 1789 os bens eclesiásticos são compulsoriamente colocados à
disposição do Poder Público. Depois, eram considerados "fora da lei"
todos os religiosos que não jurassem a Constituição Civil do Clero.
No dia 4 de
agosto de 1790, as carmelitas de Compiègne recebem a visita dos
"comissários do povo" a fim de fazer o inventário de seus bens. No
dia seguinte, insinuam que as religiosas abandonem o Convento e voltem para
casa para aproveitar o "privilégio concedido pela lei".
Mais tarde, em
14 de setembro do mesmo ano, como relutavam em abandonar a clausura, recebem
ordens expressas de abandonar o edifício, sob pena de serem punidas pela lei.
Sem ter para onde ir, procuram as freiras abrigo em casas de pessoas amigas na
cidade, em grupos de quatro ou cinco. Mesmo assim, os "comissários do
povo" vão a procura delas e exigem que façam um juramento republicano
denominado "Liberdade-Igualdade".
Predileção divina
Depois da
Páscoa de 1792, esteve visitando o Carmelo de Compiègne o bispo de
Saint-Papoul, Mgr. de Maillé-la-Tour-Landry, quando soube de um fato miraculoso
ocorrido muitos anos antes. Estava um clérigo dando a comunhão a uma jovem de
15 a 16 anos, "virgem como um anjo", segundo o bispo, quando a mesma
entrou em êxtase vendo grande quantidade de religiosas, uma comunidade inteira,
subir aos céus com palmas nas mãos. A superiora, dirigindo-se às irmãs,
interpretou o sonho: "Poderíamos esperar que fosse a nossa comunidade que
o Céu predestinasse a um tão grande favor?" Os fatos provariam que era
aquela Comunidade, sim, que ganharia inteirinha a palma do martírio.
Esta idéia do
martírio ia tomando vulto no espírito da superiora, Madre Teresa, e de suas
religiosas à medida que o vendaval revolucionário ia crescendo. Determinado
dia, a superiora reúne suas religiosas e lhes diz: "tendo feito meditação
sobre esta matéria, veio-me ao pensamento fazer um ato de consagração pelo qual
a Comunidade se ofereceria em holocausto para aplacar a cólera de Deus, para que
a divina paz que Seu Filho veio trazer ao mundo fosse concedida à Igreja e ao
Estado". Todas as religiosas aprovaram a idéia e a consagração foi logo
feita.
A situação das
religiosas era difícil, dispersas pelas casas de amigos. Mas as proximidades
das casas permitia-lhes reunirem-se para realizar alguns atos comuns sem chamar
atenção. Certo dia, porém, as casas são "visitadas" abruptamente pelo
"Comitê de Vigilância" da cidade. Nos dias seguintes as visitas se
sucedem.
Durante
aquelas "visitas", os representantes do "povo" reúnem
finalmente as "provas" com que podem mandar prender todas as
religiosas, o que ocorre no dia 22 de junho. O material recolhido é enviado a
Paris com os dizeres: "Já de há muito desconfiávamos que as ex-religiosas
carmelitas deste município, se bem que alojadas em casas diferentes, viviam em
comunidade, submissas às regras de seu ex-convento. Nossas desconfianças não
eram vãs.
“Após várias visitas feitas, encontramos
correspondência criminosa: não somente paralisavam elas os progressos no
espírito do povo, admitindo pessoas numa confraria dita do escapulário, mas
faziam também votos pela Contra-Revolução e destruição da República e
restabelecimento da tirania".
Dentre os documentos que foram apresentados como
"provas" dos delitos das freiras, estavam cartas de alguns padres em
que se falava de novenas, escapulários e direção espiritual; um retrato de Luís
XVI, e imagens do Sagrado Coração de Jesus.
A morte "in odium fidei"
A 12 do mês
seguinte, enquanto almoçam na prisão, as religiosas recebem ordens de partida
imediata para Paris. Já estavam prontas a sua espera as carruagens que as
levariam de viagem.
Tão logo
chegam a Paris são levadas para a Conciergerie, a prisão de onde só se saía
para a guilhotina. Por terem as mãos atadas, as religiosas descem com
dificuldade das carruagens. O carcereiro, impaciente, empurra a mais idosa,
quase octogenária e doente, fazendo-a cair de bruços sobre as pedras do
calçamento. O povo presente protestou contra tal brutalidade. Ferida e com a
face ensangüentada, a anciã ainda agradece a seu algoz por não a ter matado,
porque isto a privaria da graça coletiva do martírio.
No dia
seguinte as carmelitas são obrigadas a comparecer perante o Tribunal
Revolucionário juntas com outro grupo de 15 pessoas. A maioria destas pessoas
haviam cometido o "crime" de havê-las acolhido em suas casas. As
características deste "julgamento" são iguais aos outros: não há
advogado de defesa nem testemunhas a serem arroladas, há apenas o libelo
acusatório.
A sentença
saiu também da mesma forma das demais: morte pela guilhotina. Para se avaliar o
facciosismo de tal "júri" basta julgarmos um caso. Um dos réus, Mulot
de la Ménardière, foi condenado à morte como "padre refratário",
quando se sabe que o mesmo não era padre mas agricultor, bastante conhecido na
cidade para ter sua profissão trocada em plena sentença do Tribunal, por sinal
dirigido por um sujeito que o conhecia muito bem, pois era natural de Compiègne.
Em sua prisão
na Conciergerie, as 16 carmelitas não deixam de cumprir a Regra da Ordem.
Testemunhas afirmam que elas nunca deixaram de rezar o Ofício. E no dia de 16
de julho, véspera do martírio, celebraram a Festa de Nossa Senhora do Carmo,
Patrona da Ordem, com tal entusiasmo que um dos presos que o testemunhou disse
que "a véspera da morte parecia para elas um dia de grande festa".
Enquanto as
religiosas aguardam os carroções que as levariam ao cadafalso, como estavam em
jejum, a superiora Madre Teresa de Santo Agostinho, temendo que alguma possível
fraqueza física possa ser tomada como temor da morte, vende a um circunstante
um xale de uma das freiras e proporciona a cada uma das freiras uma xícara de
chocolate.
Vítimas expiatórias
Caminhando
para o cadafalso, as carmelitas cantam. Primeiro o Miserere, para que Deus
perdoe os seus pecados; depois a Salve Regina, pedindo proteção à Santíssima
Virgem, e, finalmente, o Te Deum, como canto de vitória pelo martírio. A
multidão as segue em silêncio respeitoso, ninguém ousa bradar os usuais
xingamentos que costumavam fazer contra os condenados. Nem sequer as furiosas
"lambedeiras de guilhotinas", ou, como alguns chamavam,
"furiosas da guilhotina", grupo de megeras debochadas e sedentas de
sangue que sempre acompanhavam as vítimas para lhes aumentar o tormento e
saborear suas angústias e terror.
Madre Teresa de Santo Agostinho pede para ser a
última a morrer, a fim de poder encorajar suas filhas espirituais até o final.
Segurando uma pequena imagem da Virgem Santíssima nas mãos ela entoa o hino
"Veni Creator Spiritus", invocando o Divino Espírito Santo. Irmã
Constância, a primeira a ser chamada para o suplício, aproxima-se dela, oscula
a pequena imagem, e pede à Superiora sua bênção e licença para morrer. Sobe
depois serenamente os degraus do cadafalso, cantando o Salmo "Laudate
Dominum omnes gentes", indo colocar-se sob o cutelo e não permitindo que
os carrascos nela toquem. Todas as outras seguirão seu exemplo. Os carrascos,
cheios de respeito, não têm pressa e nem demonstram impaciência, permitindo que
as carmelitas façam publicamente esse último ritual de sua Comunidade.
Era o dia 17 de julho de 1794. O sacrifício destas
16 mártires não foi em vão. Deus logo fez cair seu braço sobre a cabeça dos
principais chefes da Revolução. Alguns dias depois, no final do mesmo mês de
julho, eram guilhotinadas 108 cabeças revolucionárias de Paris, dentre elas a
do próprio Robespierre. Ao contrário das carmelitas, todos morrem desesperados,
blasfemando, maldizendo-se a si mesmo e aos outros. Eram os demônios
“mantenedores”, que alimentavam a Revolução em sua fase do terror, que estavam
sendo exorcizados. Não sem grande comoção, desespero e blasfêmias.
Assim, embora
elas não tenham feito o propósito de forma explícita, pode-se dizer que se
tornaram Vítimas Expiatórias Exorcísticas.
O Papa São Pio X, a 10 de dezembro de 1905,
beatificou as 16 mártires.
O grupo de religiosas carmelitas lideradas por
Madre Teresa de Santo Agostinho era composto por 10 monjas, 1 noviça, 3 irmãs
leigas, 2 irmãs rodeiras.
Relação
das 16 beatas
Madeleine-Claudine
Ledoine ou Madre Teresa de Santo Agostinho priora, 41 anos;
Anne-Marie-Madeleine Thouret ou Irmã Carolina da
Ressurreição monja, sacristã, 78: Anne
Petras ou Irmã Maria Henriqueta da Providência monja, 34;
Marie-Geneviève Meunier ou Irmã Constança. noviça,
29;
Rose Chretien de la Neuville ou Irmã Júlia Luísa
de Jesus, monja, 53;
Marie-Claude Cyprienne (Catherine Charlotte) Brard
ou Irmã Eufrásia da Imaculada Conceição, monja, 58; Marie-Anne (ou Antoinette) Brideau ou Madre São Luís,
sub-priora, 41; Marie-Anne
Piedcourt ou Irmã de Jesus Crucificado, monja, 79; Marie-Antoniette (ou Anne) Hanisset ou Irmã Teresa do
Imaculado Coração de Maria, monja, 54; Marie-Francoise Gabrielle de Croissy ou Madre Henriqueta de Jesus,
antiga priora, 49; Marie-Gabrielle
Trezel ou Irmã Teresa de Santo Inácio, monja, 51; Angelique Roussel ou Irmã Maria do Espírito Santo,
irmã leiga, 51; Julie (or
Juliette) Verolot ou Irmã São Francisco Xavier, irmã leiga, 30. Marie Dufour Irmã Santa Marta irmã leiga, 51;
Catherine Soiron rodeira, 52; Thérèse Soiron rodeira, 46.
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