A VOZ DE UMA MÃE - O Livro “La voz de una Madre” foi escrito por uma viúva católica em finais do século XIX. Trata-se de texto dirigido ao seu filho único, cheio de conselhos, e publicado por recomendação de seus diretores espirituais. Santo Antonio Maria Claret o recomenda em uma de suas obras. Publicamos a seguir o texto do capítulo que fala sobre a Caridade:
Capítulo
XIII
“Entregar-se
todo para todos em aras da Caridade, é entregar-se todo para Deus
Posto que Deus, em sua infinita bondade, não
deixa de te dar, não podes deixar de dar a teus irmãos, e não somente dinheiro,
porque isso seria muito pouco, mas o amor e o sacrifício de teu coração, na
medida em que sua necessidade o exija.
O primeiro que nos vem ao encontro nesta vida
é nosso próximo, com defeitos e caracteres distintos. Saber respeitar seu
caráter e suportar seus defeitos é o primeiro sacrifício que a caridade exige,
nestes termos: Sofre com paciência as fraquezas de teus próximos.
Quem não conta entre seus familiares ou
pessoas que o rodeiam, com as quais às vezes lhes é forçoso tratar
continuamente, um desses sujeitos insuportáveis que, por muito que se estude
uma forma de fazê-los satisfeitos, jamais se consegue; que sempre estão pondo
de relevo nossos defeitos, mas que nunca fazem menção de nenhuma boa qualidade
que tenhamos? O suportá-los com paciência um dia e outro dia e o não pô-las em
ridículo a cada momento é um sacrifício notável e uma grande obra de caridade.
Quando alguém nos injuria e sabemos que com
uma só palavra que pronunciemos podemos humilhá-lo e envergonhá-lo ante todos,
descobrindo sua má intenção e grande miséria, é um ato de caridade
recomendabilíssimo o dominar-nos, o dizer tão somente o necessário, para não
nos deixar em tão má situação.
Temos também obrigação de fazer caridade com
nosso talento, se Deus nos deu, usando-o para o ignorante e proporcionando-lhe
idéias dignas de um cavaleiro cristão. Esta obra de caridade, em sociedade,
apresenta-se com frequência ocasião de praticá-la. O evitar quando alguém diga
alguma bobagem e compreendemos que cai em ridículo, aquele que se apodera de
sua ignorância e a ponha em relevo com desapiedada burla, o sair ao encontro
com mil indústrias, que nunca faltam à pessoa de bom trato para dar outro
sentido à conversação, quando se trate de humilhar ou desacreditar alguém, isto
é uma obra de caridade muito necessária de praticar-se quando há pessoas
prontas que usam toda a travessura de sua imaginação em ver, como um
microscópio, os defeitos dos demais, para por-se em evidência e burlar-se
deles. O talento nestes indivíduos é como a beleza numa mulher leviana, um mal
muito grande para ela e pior para os que a rodeiam.
Muitos crêem que quando uma pessoa é toda boa
encontra só o bem nos demais, porque sua bondade não sabe ver nada mau, e tal
não existe, porque não é possível ser ágil e tonto ao mesmo tempo; por boa que
seja uma pessoa, se tem talento vê muito claro os defeitos dos demais, mas tem
caridade para compadecê-los e para desculpá-los no possível.
Caridade é, em sociedade, quando se encontra
uma pessoa antipática que ninguém faz caso, que parece que todos fogem dela sem
lhe dar um instante de conversação, sobretudo se compreendemos que o isolamento
tem por causa a pobreza, ou que não está elegante; pois o mundo é miserável até
esse ponto. Queixam-se todos, mas os homens em particular, do luxo das
mulheres, que é sua ruína, e, sem embargo, se uma delas apresenta-se numa
reunião decentemente vestida, mas muito modesta e simples, isto basta para que
aquela noite ninguém faça caso nem se ocupe em favorece-la, que digo,
favorece-la! Até evitam no possível em lhe dar as atenções devidas.
Desejo que, filho meu, não sejas néscio,
encomendo-te muitíssimo; quando uma pessoa vale, faça-a muito caso e tenha-a
muito respeito, o mesmo estando só ou acompanhada, estando elegante ou
pobremente vestida, se é rica ou indigente e, sobretudo, se os demais a louvam
ou a desprezam, porque em agir assim não é caridade mais que justiça, e o obrar
de outra maneira é uma grandíssima miséria que demonstra cabeça vazia e um
coração muito ignóbil.
Caridade é, nesses dias em que o mundo se
dedica por completo às diversões, como carnaval, etc., dedicar uma lembrança a
essas famílias que estão de luto e que o ruído do mundo aumenta sua tristeza.
Justo é deixar o passeio e o teatro para ir visita-las, procurando distraí-las
um instante de seu sofrimento e proporcionando-lhe assim o consolo de que vejam
que nem todos os amigos se esquecem de que elas choram enquanto os demais riem,
e se estas famílias são pobres muito mais, porque seguramente a gente do mundo
cuidará menos de consolá-las.
Caridade é quando temos multidão de assuntos particulares
que nos pede pressa despachar e naqueles momentos chega alguém a nos contar
largas histórias de seus sofrimentos, ao vê-lo aflito dominar nossa impaciência
e ouvi-lo com afabilidade e doçura, procurando esquecer nossos problemas para
ocupar-nos dos seus por violento que nos seja.
Caridade é, e das maiores, quando topamos com
um caráter violento e dominante, que está sempre pronto a estourar e cometer
grandes faltas, o estar disposto a sofrê-lo e calar sempre, para não ser causa
que se exaspere e ofenda a Deus, fazendo mal ao mesmo tempo à sua alma.
Caridade é, quando uma pessoa nos dá motivos
de sobra para odiá-la pelo mal que nos vem fazendo, o perdoá-la e pedir a Deus
que a perdoe e a ilumine; o não falar a todas horas dela e do prejuízo que nos
vem causando, e o tratá-la quando nos encontramos com ela, se não com doçura ao
menos com cortesia.
Caridade é estudar os gênios das pessoas que
nos rodeiam a fim de ter paz com todas e evitar assim cenas desagradáveis, das quais
sempre resulta o ofender a Deus, que é o que sempre devemos evitar.
Numa palavra, filho meu, caridade é chorar com
o que chora, gozar com o que goza e dedicar quantos dons de Deus recebemos para
seu santo serviço e o serviço de nossos irmãos, buscando sempre os meios de
proporcionar consolo em suas penas e remédio em suas necessidades com o mesmo
afã com que buscamos remédio para nós mesmos. Esta é a única maneira de poder
cumprir o grande mandamento de “Amar ao próximo como a nós mesmos”, a cujo cumprimento
vai vinculado, como vimos, a salvação de nossa alma, que consiste em fazer que
Deus nos ame nesta vida, para que depois possamos nós amá-lo eternamente na
outra.
Bendita seja a caridade! É uma forte cadeia de
dulcíssimo amor que,atando-nos com os pobres nesta vida e confundindo-nos com
eles, fará que, cobertos com seus rogos e sofrimentos, possamos entrar no reino
dos Céus, com o que teremos recebido deles o cento por um na terra, pelo gozo
que nos proporciona o consolá-los, e depois a eles lhes deveremos, como nos foi
oferecida, a vida eterna!
(traduzido de “La Voz de una Madre”, de Maria
de los Dolores delPozo y de Mata, Estabelecimento tipográfico de J. Famades,
Calle de Lauria, 82 – Barcelona – 1895)
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