Uma vidente italiana do século XVIII, a Bem-Aventurada Maria Cecília Baij, assim descreve como Nosso Senhor lhe contou a conversão de Santa Madalena, operada de uma forma fulminante pelo olhar divino de Jesus Cristo:
“Chegando,
portanto, o dia festivo, concorreu a Jerusalém uma multidão de pessoas, muitas
das quais vieram para ouvir-me pregar e para ver-me, outras ainda para serem
liberadas de várias enfermidades. Veio também Marta, irmã de Lázaro, e tanto se
empenhou que conseguiu trazer também a irmã, Madalena. Tinham eles uma boa casa
em Jerusalém para suas vindas nos dias festivos.
“Madalena
debatia-se intensamente no íntimo. O demônio com suas sugestões violentas
dissuadia-a de vir, temendo o que depois ocorreu. Isto é, que, ouvindo minha
prédica, se convertesse, como se converteram também outros pecadores. O demônio
segurava-a muito fortemente. Era, no entanto, atraída pelos convites da graça,
que poderosamente a impeliam a vir ao Templo. Eu esperava com grande desejo a
pecadora para convertê-la e fazê-la inteiramente minha. Em vista disto, pedia
ao Pai dar-lhe a graça de superar as sugestões do inimigo infernal, que
fortemente a dissuadia, bem como de vencer as persuasões dos amantes que a
aconselhavam a não vir, porque ali, diziam eles, havia um certo homem que
pregava e atraía todos para seu partido e encantava a quem o ouvia. Por isso,
também ela se deixaria enganar e abandonaria seus amores.
“Por fim,
venceu a graça divina, que a convidava com veemência. Madalena dominou todas as
persuasões e sugestões, e veio; porém não para ouvir minha palavra, nem para
ver-me, mas só com a intenção de ser galanteada e conquistar mais amantes.
“Veio a
Jerusalém com a irmã. Perdeu a manhã da festa em adornar-se, levantando-se cedo
para enfeitar-se mais comodamente. Foi exortada pela irmã a desistir de tanta
vaidade.Mas ela, surda à suas palavras, enfeitou-se mais ainda. A irmã
contava-lhe muitas coisas acerca de minha pessoa. Ela, porém, nem sequer quis
escutá-la, mostrando-se desgostosa até mesmo de ouvir mencionar-me.
“Eu via
tudo. Naquela noite orei sempre ao Pai pela conversão de Madalena, a qual ia
desmerecendo cada vez maisa graça da conversão. Mas o Pai prometeu-me para ela
a plenitude da graça, conforme me tinha prometido em outras ocasiões. Eu o louvei e agradeci-lhe por tanta bondade
e misericórdia.
“Ao raiar do
dia, fui ao Templo com os Apóstolos e discípulos. Demorei-me a orar ao Pai, a
fim de que as funções dos Fariseus acabassem.Nesta oração pedi ao Pai tivesse
misericórdia de todo o povo, iluminando-o e fazendo-lhe conhecida a verdade que
eu lhe pregasse. Via então que Madalena se mostrava arredia a vir ao Templo.
Por isso pedi de novo por ela, a fim de que viesse, vencida pelas exortações da
irmã e atraída muito mais ainda pelos convites da graça. Sua vinda causou a
todos os presentes grande admiração, atraindo a si os olhares de todos, seja
por sua beleza, seja também por sua vaidade.
“Terminadas
as funções e tendo pedido ajuda a meu divino Pai, ergui-me para começar a
prédica. De pé, fixei os olhos em Madalena. Ao olhá-la, chamei-a com voz
interior a minha seqüela. Simultaneamente, Madalena também fixou seus
olhares em minha pessoa. De fato, seu coração ficou ferido pela potente a
amorosa seta. De repente, sentindo o convite, deu-se por vencida, tanto que,
antes que eu começasse a falar, ficou presa de meu amor. Fez, porém, grande
esforço para resistir e ficar a ouvir minha prédica.
“Comecei a
pregar as grandezas do divino Pai. Madalena desfazia-se em lágrimas ao ouvir a
doçura e a sublimidade de minhas palavras, ao ver a amabilidade de meu
semblante, meus admiráveis atrativos. Foi necessária uma graça especial para
ela não morrer de puro amor e juntamente de dor por suas culpas. Seu coração estava preso de um vivo incêndio
de amor e traspassado de dor aguda. Olhei-a amiúde, para que mais e mais
vezes ficasse ferida e inflamada. Seu coração destilava lágrimas de dor e
se consumia nas chamas de um amor ardente.
“Dizia-lhe
ao coração:“Madalena, Madalena!Bastante tempo viveste longe de mim.
Doravante serás inteiramente minha. Sacrificareis todos os teus afetos a
mim. Prova e vê quão suave e quão doce e
potente é o meu amor!” Continuava a
falar-lhe ao coração. Ela respondia-me com todo afeto e não cessava de pedir perdão
pelos erros cometidos. Ouvia minhas palavras – que lhe pareciam outros tantos
dardos – e cada uma delas feria-lhe o coração.
“Prossegui
um pouco minha prédica. Todos os presentes estavam admirados ao ouvirem minhas
palavras e minha divina sabedoria.Muitos olhavam Madalena. Ao vê-la tão
compungida, ficavam eles também compungidos. Alegrei-me muito ao ver aqueles
corações e muito mais me alegrei à vista
do coração contrito e amoroso de Madalena. Alegrava-me qual caçador com sua
presa.
“Encontravam-se
ali numerosos Escribas e Fariseus, os quais começavam também a sentir comover-se-lhes
o coração de compunção. Para não se renderem, fechavam os ouvidos a fim de não
me ouvirem; tal era sua obstinação maligna, que os pérfidos amarguravam a
consolação por mim sentida pela conversão de Madalena.
“Depois de
ter falado algum tempo das perfeições divinas, da obrigação de amar o divino
Pai e de observar a Lei divina, narrei a parábola do filho pródigo, seja para
inspirar ânimo e confiança a Madalena contrita, como também para animar a todos
os outros pecadores presentes.
“Madalena,
presa de forte resolução,decidiu vir aos meus pés. Não fez este ato no Templo, porque não ousou
aproximar-se de mim, coberta de enfeites e objetos de vaidade. Mas quis vir despojada de todas as pompas,
inteiramente pobre, com veste humilde, como via minha pessoa, totalmente pobre
e humilde.
“Terminada
minha prédica, Madalena partiu depressa, como louca, vencida pela paixão do
amor e traspassada de dor. Chegando a sua casa, despojou-se de todas as pompas,
as quais calcou generosamente. E muito mais, despojou-se do amor próprio de
qualquer respeito humano, odiando tudo o
que tinha mantido longe de Deus. Soltou também o cabelo, e inteiramente
contrita, chorou amargamente. Não podendo no entanto mais reter a chama que lhe
ardia no peito, resolveu repentinamente vir aos meus pés para desafogar o amor
e a dor”[1].
Ao que muito
se perdoa é porque muito amou
O episódio seguinte é muito conhecido, narrado por todos os 4
Evangelistas (Lc 7, 36-50; Mt 26, 6-13;
Mc 14, 3-9 e Jo 12, 1-8): Santa Madalena, após despir-se de todo mundanismo,
foi ajoelhar-se aos pés do Salvador para Lhe despejar um vaso de alabastro
cheio de bálsamo e Lhe enxugar os mesmos pés com seus cabelos. Pelo relato de São João, São Lázaro
participava do banquete de Betânia e já havia sido ressuscitado.
Foi desta forma que o próprio Nosso Senhor narrou à Abadessa Maria
Cecília Baij o banquete de Betânia, na casa do ex-leproso Simão:
“Terminada,
então, minha oração e tendo dado graças ao Pai, saí do Templo com os Apóstolos
e fui à casa de Simão, o leproso, para ali restaurar-me com os apóstolos,
porque estávamos muito necessitados.
“Depois de
entrar na dita casa e das costumeiras bênçãos, quando estavam todos à mesa,
veio a contrita e amante Madalena. Saíra de casa para vir até mim e prostrar-se
aos meus pés. Tendo ouvido dizer que eu, com os apóstolos, tinha ido ao
banquete na casa de Simão, foi velozmente para lá, superando todo respeito
humano.
“Causou
admiração aos que a viram. Em verdade, ocasionou admiração e estupor ver
uma pecadora pública, pessoa nobre, rica e bela, despojada de toda vaidade,
coberta de veste vil, os cabelos soltos, correr velozmente àquela casa. Mas não
conheciam o amor que ardia no coração de Madalena, nem a dor que a traspassava.
Por isso todos ficaram estupefatos e admirados.
“Veio a
penitente e entrou generosamente no lugar do banquete.Não olhou a ninguém. Mas
tendo chegado aos meus pés, prostrada em terra, beijou-os amorosamente. Lavava-os com suas lágrimas e enxugava-os com
os cabelos, por meio dos quais havia captado vaidosamente tantas almas.
Trouxera também um vaso de precioso e fragrante ungüento para ungir-me os pés.
Mediante tal perfume pensava ela mitigar o mau cheiro que me causaria sua iniquidade”.
O contato de Santa
Madalena arrependida com Jesus foi de Coração a coração
Após o arrependimento, Santa Madalena foi aos
pés de Jesus manifestar o que havia dentro de seu coração:
“A dolente Madalena estava, portanto, detrás de meus pés desfazendo-se
em lágrimas de dor e satisfazendo seu grande amor. Depois de beijar e ungir por
algum tempo meus pés, ergueu-se e derramou todo o precioso e fragrante perfume
em minha cabeça, voltando depois aos meus pés. A penitente Madalena não
proferia palavra alguma, porque a dor não lhe permitia. Falava-me, no entanto,
com o coração. Oh! Quantos afetos de amor exprimia esse coração amante e
quantos atos de dor fazia no coração contrito e dolente! Eu falava-lhe ao
coração com amor, convidando-a a seguir-me e assegurava-lhe meu amor.
“Desde o primeiro instante em que me viu, e eu a mirei, Madalena
teve um claro conhecimento acerca de minha pessoa e acreditou ser eu o
verdadeiro Messias.O divino Pai concedera-lhe esta graça por causa das
numerosas súplicas que eu lhe dirigira por ela. Minhas orações foram bem
empregadas, pois ela correspondeu inteiramente à graça e aproveitou as luzes
divinas”..
Ao afirmar
que “o divino Pai concedera-lhe esta graça” Nosso Senhor confirma que a ação
divina no nosso interior se inicia pelas chamadas “locuções interiores”, que
são inspiradas por ação do Pai, como ocorreu com São Pedro: “Não foi a carne e
o sangue que to revelastes, mas meu Pai que está no Céu” (Mt 16.17).
Após
comentar sobre a raiva que o gesto de Santa Madalena causou em Judas e a ironia
crítica dos fariseus, Nosso Senhor conclui:
“Tendo então Madalena se expandido, e dado algum reconforto a seu
ardente amor e a sua grande dor, disse-lhe: “Tua fé te salvou; vai em paz” (Lc
7, 48). Despedi Madalena e mandei-a embora, absolvida de todas as suas culpas,
porque grande foi sua dor e seu amor” [2]
O gesto de Santa Madalena foi assim reconhecido por Nosso Senhor: “Em verdade vos digo que em toda a parte onde for pregado este Evangelho por todo o mundo, publicar-se-á também para sua memória o que ela fez”(Mt 26.13)
[1] “A Vida Íntima de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Maria Cecília Baij, OSB, Acrópole Editora e Distribuidora Ltda, 1984, págs. 443/444
[2]op. cit. pp. 445/446
Um comentário:
fenomenal! Esta história tem que ser compartilhada para todo o mundo!
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