terça-feira, 6 de julho de 2021

SANTA MARIA GORETTI, MÁRTIR DA PUREZA

 


Plinio Corrêa de Oliveira

Foi-me pedido um comentário a respeito de um artigo que foi publicado há algum tempo na Folha de S. Paulo, a respeito do assassino de Santa Maria Goretti. Os senhores sabem que ela foi morta bestialmente por um homem que era uma espécie de tarado que queria violentá-la. Mas ela preferiu a morte a entregar-se. O resultado é que faleceu, menina ainda, mártir da pureza.

A sua canonização realizou-se em 1950 e sua memória exala até hoje um perfume de um dos mais belos aspectos da pureza, que é a pureza e o holocausto, a pureza e o sacrifício. Morrer para conservar a castidade; amar a castidade a ponto de morrer por ela; ter uma morte que é a mais alta expressão da pureza de sua própria alma, é bem uma formosura moral digna desta escola única de todas as formosuras morais, perfeitas e acabadas, que é a Santa Igreja Católica.

Neste artigo da Folha há alguns trechos que foram sublinhados e que passarei a ler aqui:

“O assassino de Santa Maria Goretti, Alessandro Serenelli, morreu aos 87 anos, 68 anos depois de ter assassinado em Nettuno, na Itália, com 14 punhaladas, a menina de 12 anos, que em 1950 foi canonizada pelo Papa Pio XII”.

Os senhores viram, portanto, a coisa bárbara: ele matou esta santa com 14 punhaladas, carregando o remorso do crime que praticou por 68 anos.

“Alessandro Serenelli, que era vizinho da menina, tentou inutilmente conquistá-la. Um dia assediou-a e assassinou-a com 14 punhaladas. Quando a menina estava num hospital, um padre que a confessou perguntou-lhe se perdoava o assassino. Maria Goretti respondeu: ‘Sim, claro que perdôo Alessandro; quero-o comigo no Céu’”.

Isto parece até a morte de Nosso Senhor, que disse ao bom ladrão antes de morrer: “tu estarás comigo hoje no Paraíso”. Era um criminoso vulgar que foi posto perto de Nosso Senhor, arrependeu-se e Nosso Senhor fez dele o primeiro santo canonizado. Assim também Maria Goretti, do alto da cruz, do alto do seu sofrimento, do seu holocausto, dizia também: “eu quero este homem no céu comigo”.

E como os senhores verão daqui a pouco, ela levou, por sua intercessão, esse homem miserável e desequilibrado para o Céu.

Ontem à noite eu falava aos senhores algo de Viena e daquela doçura católica de maneiras, que caracterizou o ambiente vienense até meados do século XIX, e que alguma coisa disto restou hoje. E acrescentei que esta doçura de maneiras era uma expansão do perfume da Igreja Católica. E nessa narração os senhores têm isto levado ao grau da sublimidade. Santa Maria Goretti segue o exemplo de Nosso Senhor, ela uma meninota que talvez nem tivesse ouvido falar desse último lance da Paixão, mas que tinha a alma católica. E colocada numa atitude parecida com a de Nosso Senhor, ela, com 14 punhaladas, estando para morrer, que devia guardar na retina a fisionomia horrenda desse monstro de impureza, ela tem esta frase: ”claro que perdôo, eu o quero comigo no céu”. Resultado: ela o levou para o Céu!

Esta é a amenidade católica, que em nada se opõe à firme condenação do erro. Os senhores vêem nela: preferiu morrer do que entregar-se, de tal maneira condenava essa bestialidade. Mas ela queria o homem bestial regenerado e no Céu. Não o queria não regenerado, porque aí seria liberalismo, mas o queria regenerado e com ela, no Céu.

“Em 1902 Serenelli foi condenado a 30 anos de prisão, com os três primeiros anos passados em prisão solitária. A mãe da vítima, entretanto, interveio junto ao tribunal, dizendo que sua filha já perdoara o assassino.”

A mãe, hein? É quase mais difícil do que a própria filha.

“Seis anos depois, numa prisão da Sicília, Serenelli teve uma visão e descreveu assim: - ‘Marieta, como a chamava, apareceu-me num lindo jardim. As grades desapareceram para dar lugar a um jardim. E ela ofereceu-me 14 lírios, cada um correspondendo a uma das punhaladas que lhe dei’.”

Os senhores vêem, primeiro, para o prisioneiro, o lugar que ela foi escolher para aparecer: onde não se viam as grades. Quer dizer, é uma perspectiva sobrenatural, eliminava e completava aquele lado da cela, como que dizendo: no plano sobrenatural você vai ser liberto; a sua prisão, o seu tormento, no plano sobrenatural está abolido. Eu venho te trazer uma consolação para transformar em alegria a sua vida nesse cárcere, embora a justiça humana a justo título te castigue, e embora você deva amar a severidade justa da justiça humana, aqui estou eu para representar a misericórdia e para tornar suave esse estado de punição tão necessário. Então ela aparece eliminando as grades. E - manifestação admirável do perdão - 14 lírios para simbolizar as 14 punhaladas da impureza imunda, da impureza asquerosa, que chega até o crime.

“A partir de então Maria Goretti passou a ser venerada em toda a Itália e pouco a pouco na Europa e na América. Os fiéis intercediam junto a ela principalmente para que conseguisse de Deus o perdão para os pecados carnais. Em 1950 Pio XII canonizou-a”.

Por que o perdão para os pecados carnais? É muito bonita esta idéia. Como ela levou a pureza a um tão alto grau de desprendimento de si mesma, que perdoava por esta forma a um miserável, que num acesso de lubricidade asquerosa a matou, então ela também obtém para aqueles que têm pecados para se fazerem perdoar, para nós pobres mortais, ela consegue o perdão pelos pecados carnais. Quer dizer, quem tiver o que se fazer perdoar a esse respeito, peça a ela. E ainda que esteja preso no cárcere da volúpia e da imoralidade, ela quebrará as grades desse cárcere. Ou seja, é a ela que se deve pedir esta graça preciosa do perdão.

“Em 1929, Serenelli se havia convertido num prisioneiro exemplar depois da visão, tendo sido antes um detento rebelde e problemático. E foi libertado depois de ter cumprido 27 anos de pena”.

Os senhores vejam que coisa interessante: ele foi um preso revoltado mas depois da visão apaziguou-se. Santa Maria Goretti apareceu e apaziguou sua tempestade. É como Nosso Senhor quando mandou à tempestade que parasse e os Apóstolos comentavam entre si: “Venti et mari obediumt eum”. “Os ventos e os mares lhe prestam obediência”.

Os nossos ventos interiores e os nossos mares interiores prestam obediência à voz de Nosso Senhor, prestam obediência à oração de Nossa Senhora. Ela pode aplacar tudo isto, desde que nós peçamos com amor, peçamos com devoção como Santa Maria Goretti pediu.

Alguém poderia me dizer: “Mas Dr. Plinio, eu não peço como Santa Maria Goretti”. Eu digo: É verdade, mas peça a ela que peça por você; lá está ela no céu para isso, para obter o aplacar-se dos ventos e dos mares internos; esse homem revoltado recebeu a visão e transformou-se num prisioneiro exemplar.

“Quando Maria Goretti foi canonizada, falava-se por toda parte da Itália de milagres concedidos pela santa. Pio XII ateve-se à evidência desses milagres, principalmente o da cura de um surdo que recorrera à intercessão da santa. Agora, ao morrer, Serenelli, já calvo e corcunda, reiterou a visão que tivera. Disse ele que Maria Goretti lhe apareceu outra vez, prometendo-lhe o Céu em troca do crime praticado contra ela - primeiro os lírios e depois o próprio céu. Serenelli morreu tranquilamente, recebendo os sacramentos da Igreja e o conforto dos que o cercaram nos seus últimos dias”.

A notícia não conta dois fatos muito bonitos.

Ele ficou irmão leigo de uma ordem religiosa, se não me engano dos franciscanos, para acabar de expiar até o fim dos seus dias o crime que tinha cometido. Quando saiu da cadeia, ele pediu à mãe de Maria Goretti para falar com ela, ao que esta lhe respondeu que era duro demais para ela (ela não era santa...). Mas que dava uma sugestão: que comungassem juntos lado a lado. No dia ele se apresentou e comungou ao lado dela; receberam o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Por outro lado, quando se tratou da canonização da Santa Maria Goretti, ele mandou oferecer-se ao Papa Pio XII para estar presente na Basílica de São Pedro quando a cerimônia se realizasse, como manifestação de seu pesar e de sua expiação. O Papa Pio XII, com muito tato, mandou lhe dizer que era melhor que não aparecesse. E realmente ele não compareceu.

Com muito tato por que? Porque dado o temperamento italiano muito vivaz, não era garantido que não saísse vaia. Dado, por outro lado, a fraqueza do homem, é tão grande a fraqueza do homem que não é garantido que ele não ficasse orgulhoso, porque o homem se orgulhece a respeito de qualquer coisa... inclusive de um defeito!

Os senhores sabem de Santo Antão do deserto - se eu não me engano - que teve uma fortíssima tentação de vaidade por ser o homem mais velho do mundo. A fraqueza humana é assim: se envaidece de qualquer coisa!

Aí os senhores têm umas notas a respeito de Santa Maria Goretti, que podem dar aos senhores uma maior devoção a ela.

Eu lhes lembro, sobretudo, o seguinte: quem quiser ter dela isto que eu julgo uma maravilha: a suma intransigência junto a uma completa doçura. Peça a ela, que deu prova disto!

Outra maravilha: um desapego total de si, a ponto de perdoar com requintes de carinho e de afeto aquele que maior mal lhe fez. Peçam a Santa Maria Goretti. Se alguém tem do lado da pureza pecados a se fazer perdoar, se alguém tem dificuldades nesse terreno do amor próprio e queira obter a graça, peça a Santa Maria Goretti; ela obterá.

Porque se ela obteve isso em favor de um inimigo, quanto mais obterá em favor de um amigo que dela se aproxime, como um filho provado que vai exatamente invocá-la em nome das virtudes de que ela foi chamada a ser modelo. Assim fica a minha sugestão para hoje.

 

(Conferência “Santo do Dia”, 4 de julho de 1970)

 


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