Doutor Plínio Corrêa de Oliveira em várias oportunidades falou sobre uma qualidade humana muito importante para nossa santificação: o maravilhamento. A admiração é o primeiro passo, pois geralmente nos admiramos por 3 coisas primordiais na ascensão para Deus: pelo Belo (ou pulcro), pelo Bem e pela Verdade. Após tal admiração, vem o maravilhamento. É por isso que o gozo do Céu é chamado de visão beatifica, sendo esta o supra-sumo dos maravilhamentos, pois é a contemplação de Deus e sua Obra, com seus Santos e seus Anjos.
Eis um exemplo imaginado por Dr. Plínio sobre
como o homem cristão pode ter maravilhamento por outro:
“Pois
bem, há um instinto na alma humana profundo, chamado instinto de sociabilidade,
que faz com que os semelhantes se procurem. Este instinto também leva o homem a
alegrar-se e a relacionar-se quando nota em alguém qualidades aparentemente
opostas às dele, mas que o completam harmoniosamente.
Imaginem
Carlos Magno preparando os planos para uma invasão em terra de infiéis.
Sozinho
na sua sala, caminhando de um lado para o outro com passos firmes e
cadenciados, sobre um chão de mármore ou de granito polido, está o monarca de
barba florida. O recinto, ainda com influência românica, possui arcadas que dão
para um pátio interno onde há um pequeno chafariz sobre o qual pousa um pássaro
que começa a saltitar. O Imperador interrompe seu caminhar, olha o passarinho e
sorri amavelmente.
O
passarinho é tão diferente dele! Entretanto Carlos Magno não olhou apenas para
a ave, mas sentiu suas próprias vastidões interiores e compreendeu melhor a si
mesmo.
O
Imperador senta-se, manda vir um pouquinho de vinho e diz:
- Chame
Alcuíno, meu ministro e conselheiro. Quero expor-lhe os planos de uma
universidade e de uma batalha, porque as duas coisas eu resolvi agora.
O homem
se completou.
Entra
Alcuíno, monge famoso que organizou a renovação da cultura católica ocidental
como ela se desenvolveu na Idade Média; foi o Carlos Magno da cultura. Podemos
imaginá-lo como um homem venerável, de rosto comprido, fino, olhar que fita do
fundo de arcadas oculares onde olhos pequenos e pretos dardejam, ou olhos azuis
e inocentes sonham.
Alcuíno
se inclina ante Carlos Magno, que faz um gesto e diz:
-
Sentai-vos!
O sábio
Monge pede licença para ficar ajoelhado, ao que o Monarca responde:
- Sois
clérigo. Não é bom que um clérigo se ajoelhe diante um leigo. Sentai-vos!
Alcuína
afirma:
- Por
vossa ordem e em obediência a Deus, que deseja que o clero seja reverenciado,
senhor, eu me sento.
Começa
a conversa durante a qual Carlos Magno apresenta as metas gerais para uma
universidade. Alcuíno ouve embevecido e pensa: “Que largueza de pensamento, que
homem! Vejo todo um continente formando-se atrás da fronte desse Imperador. Que
felicidade ter conhecido Carlos Magno!”
Dali a
pouco o Monarca vai falando menos e o Monge toma a palavra. Enquanto a voz de
Carlos Magno lembra espadas e escudos que se entrechocam, a de Alcuíno remonta
a sinos que tocam. Diz o douto conselheiro:
-
Senhor, para realizar as vossas imperiais e cristianíssimas intenções, que
julgo ter bem apreendido, tenho o intuito de vos propor tais matérias, e tal
outra tem tal riqueza...
De
repente é Carlos Magno quem está entrando pelo mundo da cultura e do saber, e
pergunta algo a respeito de Aristóteles, Santo Agostinho, São Jerônimo. Depois
quer saber alguma coisa sobre o Concílio de Nicéia, tal pormenor concernente à
virgindade da Mãe de Deus, e tal outro detalhe a propósito da união
hipostática. Nesse momento Carlos Magno está longe... Não pensa mais no
passarinho, nem na batalha contra os germanos ou os árabes. Ele tem apenas
diante de si o mundo da cultura e a alma de Alcuíno que desdobra imensa diante
dele, sabendo tudo, explicando tudo. Carlos Magno virou passarinho e saltita na
cultura de Alcuíno, encantado!
É
natural que isso tenha acontecido desse modo, porque assim é a alma humana.
Carlos está diante de quem tem mais cultura do que ele. O passarinho o
encantava por ser pequenino, e despertava na alma dele todas as afinidades
harmonicamente opostas que o grande tem com o pequeno. Agora é o grande que tem
alegria de sentir-se pequeno ao considerar alguém maior do que ele, não
absolutamente falando, mas num ponto.
O grande
Monarca tem a alegria de admirar e de crescer à medida que admira, saindo dessa
conversa mais elevado de espírito e pensamento: “Agora sei tal coisa e tal
outra. Hoje não conquistei nenhuma província, mas fiquei conhecendo Santo
Agostinho. Quando morrer não conduzirei comigo uma província, mas levarei para
o Céu o que eu soube e admirei da “Águia de Hipona”. Que grande dia este em que
conversei com o Monge Alcuíno!”
(revista
Dr. Plínio, junho de 2020, páginas 18/19)
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