segunda-feira, 5 de julho de 2021

O MARAVILHAMENTO E A ALEGRIA DO RELACIONAMENTO ENTRE ALMAS COM QUALIDADES DIVERSAS

 


 

Doutor Plínio Corrêa de Oliveira em várias oportunidades falou sobre uma qualidade humana muito importante para nossa santificação: o maravilhamento. A admiração é o primeiro passo, pois geralmente nos admiramos por 3 coisas primordiais na ascensão para Deus: pelo Belo (ou pulcro), pelo  Bem e pela Verdade. Após tal admiração, vem o maravilhamento. É por isso que o gozo do Céu é chamado de visão beatifica, sendo esta o supra-sumo dos maravilhamentos,  pois é a contemplação de Deus e sua Obra, com seus Santos e seus Anjos.  

Eis um exemplo imaginado por Dr. Plínio sobre como o homem cristão pode ter maravilhamento por outro:

“Pois bem, há um instinto na alma humana profundo, chamado instinto de sociabilidade, que faz com que os semelhantes se procurem. Este instinto também leva o homem a alegrar-se e a relacionar-se quando nota em alguém qualidades aparentemente opostas às dele, mas que o completam harmoniosamente.

Imaginem Carlos Magno preparando os planos para uma invasão em terra de infiéis.

Sozinho na sua sala, caminhando de um lado para o outro com passos firmes e cadenciados, sobre um chão de mármore ou de granito polido, está o monarca de barba florida. O recinto, ainda com influência românica, possui arcadas que dão para um pátio interno onde há um pequeno chafariz sobre o qual pousa um pássaro que começa a saltitar. O Imperador interrompe seu caminhar, olha o passarinho e sorri amavelmente.

O passarinho é tão diferente dele! Entretanto Carlos Magno não olhou apenas para a ave, mas sentiu suas próprias vastidões interiores e compreendeu melhor a si mesmo.

O Imperador senta-se, manda vir um pouquinho de vinho e diz:

- Chame Alcuíno, meu ministro e conselheiro. Quero expor-lhe os planos de uma universidade e de uma batalha, porque as duas coisas eu resolvi agora.

O homem se completou.

Entra Alcuíno, monge famoso que organizou a renovação da cultura católica ocidental como ela se desenvolveu na Idade Média; foi o Carlos Magno da cultura. Podemos imaginá-lo como um homem venerável, de rosto comprido, fino, olhar que fita do fundo de arcadas oculares onde olhos pequenos e pretos dardejam, ou olhos azuis e inocentes sonham.

Alcuíno se inclina ante Carlos Magno, que faz um gesto e diz:

- Sentai-vos!

O sábio Monge pede licença para ficar ajoelhado, ao que o Monarca responde:

- Sois clérigo. Não é bom que um clérigo se ajoelhe diante um leigo. Sentai-vos!

Alcuína afirma:

- Por vossa ordem e em obediência a Deus, que deseja que o clero seja reverenciado, senhor, eu me sento.

Começa a conversa durante a qual Carlos Magno apresenta as metas gerais para uma universidade. Alcuíno ouve embevecido e pensa: “Que largueza de pensamento, que homem! Vejo todo um continente formando-se atrás da fronte desse Imperador. Que felicidade ter conhecido Carlos Magno!”

Dali a pouco o Monarca vai falando menos e o Monge toma a palavra. Enquanto a voz de Carlos Magno lembra espadas e escudos que se entrechocam, a de Alcuíno remonta a sinos que tocam. Diz o douto conselheiro:

- Senhor, para realizar as vossas imperiais e cristianíssimas intenções, que julgo ter bem apreendido, tenho o intuito de vos propor tais matérias, e tal outra tem tal riqueza...

De repente é Carlos Magno quem está entrando pelo mundo da cultura e do saber, e pergunta algo a respeito de Aristóteles, Santo Agostinho, São Jerônimo. Depois quer saber alguma coisa sobre o Concílio de Nicéia, tal pormenor concernente à virgindade da Mãe de Deus, e tal outro detalhe a propósito da união hipostática. Nesse momento Carlos Magno está longe... Não pensa mais no passarinho, nem na batalha contra os germanos ou os árabes. Ele tem apenas diante de si o mundo da cultura e a alma de Alcuíno que desdobra imensa diante dele, sabendo tudo, explicando tudo. Carlos Magno virou passarinho e saltita na cultura de Alcuíno, encantado!

É natural que isso tenha acontecido desse modo, porque assim é a alma humana. Carlos está diante de quem tem mais cultura do que ele. O passarinho o encantava por ser pequenino, e despertava na alma dele todas as afinidades harmonicamente opostas que o grande tem com o pequeno. Agora é o grande que tem alegria de sentir-se pequeno ao considerar alguém maior do que ele, não absolutamente falando, mas num ponto.

O grande Monarca tem a alegria de admirar e de crescer à medida que admira, saindo dessa conversa mais elevado de espírito e pensamento: “Agora sei tal coisa e tal outra. Hoje não conquistei nenhuma província, mas fiquei conhecendo Santo Agostinho. Quando morrer não conduzirei comigo uma província, mas levarei para o Céu o que eu soube e admirei da “Águia de Hipona”. Que grande dia este em que conversei com o Monge Alcuíno!”

 

(revista Dr. Plínio, junho de 2020, páginas 18/19)

 


Nenhum comentário: