LANÇOU as sementes da Idade Média
“(...) São Gregório nasceu em Roma, em
torno do ano 540, filho do rico Senador Gordien. Uma juventude estudiosa o
tornou, pela variedade de seus conhecimentos, digno de ser elevado, primeiro à
dignidade de Pretor pelo imperador Justino, o Jovem. Gregório se fez notar
pelas luzes de seu espírito, a maturidade de seu julgamento e um amor extremo
da justiça. A única coisa que se imputava a ele era um grande luxo e um
esplendor inteiramente mundano em suas roupas e em seus hábitos, e tudo fazia temer
que ele dissipasse a imensa fortuna que lhe tinha deixado seu pai.
Mas, por ocasião da morte de seu pai,
Gregório, cuja piedade tinha lutado incessantemente contra seu fausto,
apareceu, de repente, como um homem novo. Funda sete mosteiros, dos quais seis
na Sicília e um em Roma, distribui aos pobres seus ricos trajes, seus preciosos
móveis, e toma o hábito monástico no claustro de Santo André, do qual ele era
tornou fundador, e do qual, em breve, se tornou abade, contra sua vontade, pela
escolha de seus irmãos.
O jejum, a oração e o estudo
tornaram-se suas ocupações únicas. Impressionando pela beleza de alguns jovens
ingleses expostos como escravos à venda, no mercado de Roma, e sabendo com dor
que esses insulares não eram cristãos, obteve do papa Bento I a autorização de
ir pregar a fé na Grã-Bretanha. Mas mal se pôs a caminho, o clero e o povo
forçaram o Papa chamá-lo de volta. Feito diácono da igreja Romana no ano de
578, foi enviado a Constantinopla pelo papa Pelágio II, em torno do ano de 580.
Várias negociações importantes o detiveram por muito tempo nesta capital, onde
adquiriu a estima de toda a corte. (...)
Por ocasião de sua volta a Roma, (...)
o papa Pelágio procurou retê-lo, junto a si, na qualidade de secretário. O
mundo pesava, entretanto, demais a Gregório, para que este cargo lhe conviesse
por muito tempo. A força de orações ficou, afinal, livre para se retirar junto
a seus monges. Mas, por ocasião da morte de Pelágio, as aclamações de Roma
inteira o chamaram ao pontificado. Gregório estremeceu de temor. Ele fugiu da
Cidade Eterna e escreveu ao imperador para lhe suplicar de não o confirmar na
sua eleição e escondeu-se numa caverna. Mas o povo o descobriu, levou-o a Roma
e o entronizou, apesar dele, no dia 13 de Setembro de 590.
Esse santo homem tinha, entretanto,
inimigos que o acusaram de dissimulação e de hipocrisia. Sua vida inteira
repudia essas acusações. Sua modéstia, sua humildade se manifestaram pela
simplicidade de sua casa. Seu palácio tomou todas as aparências de um mosteiro;
sua igreja mesmo, era sem fausto e sem pompas. Suas rendas foram consagradas ao
alívio dos pobres. Sua constante ocupação era a instrução do povo. De acordo
com o imperador Maurício, ele acabou com o cisma dos bispos da Ístria. (...) A
conversão dos lombardos e a destruição do arianismo foram também sua obra, e
ele testemunhou uma alegria extraordinária pelo fato, nas cartas à Rainha
Theodelide. (...)
Gregório não tinha, no entanto,
esquecido dos pagãos da Grã-Bretanha. Seus missionários, partidos em 595, sob a
direção do monge Agostinho, chegaram dois anos depois ao reino de Kent, onde a
Rainha Berta já tinha preparado seu triunfo. O rei Ethelbert e uma grande parte
de seu povo se converteram. (...)
Ele teve menos trabalho em reformar a
liturgia do que a disciplina. Depois de ter composto um Antifonário, regulou a
ordem dos salmos, as orações, os cânticos. Institui uma academia de cantores
(scholam ... cantorum ) e, de chicote em punho, dava ele mesmo lições de
cantochão aos jovens clérigos. (...)
Quanto aos templos dos pagãos, queria
que fossem respeitados, mas que fossem transformados em Igrejas. (...)
Tantos trabalhos e fadigas não eram
próprias a curá-lo das enfermidades que não cessavam de o assediar. A gota o
retinha freqüentemente no leito mas suas horríveis dores não detinham a
atividade prodigiosa de seu espírito. Nenhum papa escreveu mais cartas do que
ele (...)
Tinha um tato maravilhoso para
distinguir a verdade da calúnia nas acusações que lhe chegavam contra os
padres. Os falsários, os bruxos os simoníacos, os cismáticos, tiveram nesse
papa um adversário terrível
Esse grande pontífice morreu no dia 12
de Março de 604, depois de treze anos, seis meses e dez dias de pontificado.
Os comentários que ele fez à Sagrada
Escritura exerceram no pensamento cristão da Idade Média influência
considerável, que lhe valeu o título de Doutor. É com Santo Ambrósio, Santo
Agostinho e São Jerônimo, um dos quatro grandes doutores da Igreja Latina”.
É muito merecida a consideração de que
São Gregório Magno foi o verdadeiro fundador da Idade Média. Porque notamos nos
traços de sua vida extraordinariamente rica, quer enquanto simples sacerdote ou
diácono, quer depois quando foi elevado ao pontificado, que, de algum modo,
acabava de se fechar a última réstia da porta que nos separava da antigüidade
pagã, e que ele, por outro lado, abre a porta para a idade nova que ia nascer.
Do ponto de vista da antigüidade pagã,
vemos como combateu os restos do paganismo. Ele determinou que as últimas
Igrejas pagãs existentes ainda não fossem destruídas, mas também que não
continuassem o culto dos pagãos e fossem transferidas para o culto católico.
Ele exterminou o arianismo, que era uma praga que provinha ainda do tempo do
Império Romano do Ocidente, quando os arianos penetraram na Europa, perverteram
os bárbaros e com as invasões bárbaras invadiram o Império Romano do Ocidente.
Ele liquidou com a imoralidade e com
os outros inconvenientes decorrentes da era antiga e, ao mesmo tempo, ele nos
aparece como o construtor da era nova. Ele é fundador de conventos - e essa é
uma das obras mais características: a expansão da vida cenobítica é um dos
fatos mais característicos do começo da Idade Média - e foi, ele mesmo,
superior de convento; de outro lado, trabalhou pelo cantochão.
E é pitoresca essa imagem do grande
papa, Doutor da Igreja, político eminente, de chicote em punho ensinando
cantochão para os seus alunos não de vareta em punho, mas de chicote em punho.
A imagem é pitoresca e pediria uma iluminura, ou talvez um vitral. Com a fundação
do cantochão ele propriamente deu voz à Idade Média. Porque o cantochão foi a
grande voz cantante da Idade Média, de ponta a ponta. E ele deu seu caráter à
vida beneditina, que São Bento tinha lançado, mas que ainda não tinha tomado o
seu cunho de firmeza e definição que tomou com ele.
Por outro lado é admirável na vida
dele o sentido missionário. Nós o vemos ser dos que lançam a idéia das missões
na Inglaterra e na Irlanda. E de lá, então, o defluxo da grande corrente dos
missionários que da Inglaterra e da Irlanda voltam para o continente e vão
desbravar a Germânia. Quer dizer, nós o vemos deitar as sementes da Idade
Média. Nós vemos, ao mesmo tempo, esse homem tratar, inutilmente, da grande
chaga da Cristandade naquele tempo: era o Império Romano do Oriente cada vez
mais tendente ao cisma. Esse império cambaleava sempre entre a heresia e a
verdade católica.
E por fim, como os senhores sabem,
acabou ruindo. Mas os senhores vêem que foi lá que ele tentou segurar esse muro
da cidade de Jesus Cristo, que ameaçava cair e os senhores têm mais um exemplo
da suma ingratidão de Bizâncio diante do zelo dos papas. Homem como esses
chegam até a ser bem quistos lá e a conquistar influência, mas não chegam a
arrancar a cidade maldita, a cidade pervertida, da sua imoralidade, da sua
moleza, de sua imprevidência e de seu pendor para a heresia.
Assim, pode-se dizer que todos os
problemas do tempo passaram pela mente desse grande homem. Ele os analisou, ele
os enfrentou, e ao mesmo tempo, escreveu obras que foram obras pilares do
pensamento medieval. Vida riquíssima, vida admirável, toda voltada ao serviço
da Igreja Católica e da Civilização Cristã.
Se São Gregório ressuscitasse hoje, o
que é ele diria? O que do alto do céu ele dirá deste mundo de hoje, tão diferente
do mundo que ele conheceu? Ele viveu numa época dura, época de desordem, época
até de crimes aberrantes. Mas vejam os senhores que povo! Um povo que
participava dos males da época mas, ao mesmo tempo, aclamava um santo como
papa; e o santo fugia do povo e o povo ia no encalço do santo e o colocava no
papado. Era um povo capaz de discernir um santo do que não era santo e capaz de
preferir o santo em relação ao que não era santo. Hoje seria a mesma coisa? São
muitos o que fogem do papado? E o povo iria ao encalço do santo para o levar ao
papado? Como tudo mudou...
Vamos pedir a São Gregório I, a São
Gregório Magno, que ele trabalhe para conseguir que a nossa época, depois das
punições purificadoras pelas quais ela deve passar, se transforme numa nova
Idade Média, ainda mais requintada. Pedido que ele compreenderá, ele
que foi um dos fundadores da gloriosíssima Idade Média.
(Plinio Corrêa de Oliveira – Conferência
"Santo do Dia", 11 de março de 1967)
NOTA: Antigamente, São Gregório Magno era
festejado no dia 12 de março, data de seu falecimento no ano 604; No calendário atual a festa de São Gregório
Magno se celebra no dia 3 de setembro.
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