quarta-feira, 19 de setembro de 2018

NOSSA SENHORA DE LA SALETTE






No livro de Pie Régamey, “Les plus beux textes sur la Vierge” (Éditions La Colombe, Paris, 1946, pp.387 ss.) vem um depoimento feito por Mélanie Calvat, que é a menina que teve a visão de Nossa Senhora de La Salette, em 19 de setembro de 1846:

“A Santíssima Virgem era alta e bem proporcionada. Parecia tão leve que um sopro poderia atingi-la. Entretanto, Ela permanecia imóvel e inalterável.

“Sua fisionomia era majestosa, imponente, mas não imponente como são as grandes da terra. Ela impunha um temor respeitoso, ao mesmo tempo que sua majestade impunha respeito entremeado de amor.

“Ela atraía. Ao seu redor, como em sua pessoa, tudo inspirava majestade, esplendor, magnificência de uma rainha incomparável. Ela parecia bela, clara, imaculada, cristalina, celeste. Parecia-me também como uma boa mãe cheia de bondade, amabilidade, amor para conosco, compaixão e misericórdia”.

Era o caso de dizer que essa pastorinha analfabeta mereceria entrar na Academia Francesa de Letras por esta descrição. Porque é admirável! Daqui a pouco vamos... Eu leio a ficha toda e depois fazemos o comentário.

“Lágrimas - A Santa Virgem chorava durante quase todo o tempo que me falou. Suas lágrimas corriam lentamente, uma a uma, até seus joelhos; depois, como fagulhas de luz, elas desapareciam. Eram brilhantes e cheias de amor.

“Eu quisera consolá-la para que Ela não chorasse. Mas parecia-me que precisava mostrar suas lágrimas para melhor mostrar seu amor esquecido pelos homens. As lágrimas de nossa terna Mãe, longe de enfraquecer seu ar de majestade de rainha e senhora, pareciam, ao contrário, embelezá-la, torná-la mais amável, mais radiante.

“Os olhos da Santíssima Virgem, nossa terna Mãe, não podem ser descritos por uma língua humana. Para deles falar, seria preciso um Serafim, seria preciso a própria linguagem de Deus, que formou a Virgem Imaculada, obra prima de seu poder.

“Os olhos da augusta Maria pareciam mil e mil vezes mais belos que os brilhantes, os diamantes e as pedras preciosas. Eram como a porta de Deus de onde se podia ver tudo aquilo que pode encantar a alma.

“Somente essa visão dos olhos da mais pura das Virgens seria suficiente para ser o Céu de um bem-aventurado. Seria suficiente para fazer uma alma entrar na plenitude da vontade do Altíssimo entre todos os acontecimentos que sucedem no curso da vida. Quem visse os olhos de Nossa Senhora, faria a vontade de Deus para sempre. Seria suficiente para impelir uma alma a contínuos atos de louvor, agradecimento, reparação e expiação.

“Somente esta visão concentra a alma em Deus e a torna como morta-viva, que olha as coisas da terra, mesmo as coisas aparentemente mais sérias, como brinquedos de criança. Ela só queria ouvir falar de Deus, daquilo que se refere à sua glória.

“O pecado é único mal que ela vê sobre a terra e por causa dele ela morreria de dor se Deus não a sustentasse”.

É uma verdadeira beleza o que diz cada um desses pontos a respeito da aparência de Nossa Senhora. Há várias ideias neles simbolizadas.

A ideia primeira é a de um ente completamente celestial, que está inundado de valores sobrenaturais e de graças, como compete Àquela que um anjo chamou de “graça plena”. A primeira idéia é, então, da sobrenaturalidade.

A segunda é de uma majestade régia, que se exprime n’Ela toda e que se irradia em torno d’Ela.

A terceira é uma bondade incomensurável, uma pena, uma misericórdia, uma condescendência, um expandir afavelmente todos os seus dons sobre os outros, para fazer os outros participarem desses dons. É uma coisa que parece contraditório com a majestade, mas que, pelo contrário, é o corolário indispensável da majestade: é essa efusão incomparável da bondade, que está em Nossa Senhora.

Todos os traços dados na descrição são feitos para simbolizar isto.

A Santíssima Virgem era alta e bem proporcionada

A altura é um apanágio da majestade. Tanto é que aos príncipes, que não são reis, se diz Vossa Alteza. É evidente que não é altura física. Mas a altura física é uma imagem física da altura nos outros sentidos. E, portanto, não era necessário, mas convinha, entretanto, uma altura bem proporcionada. Porque a altura bem proporcionada é o contrário da altura monolítica, acachapante, esmagadora. E o que torna a altura exatamente condescendente, e por assim dizer acessível, é a perfeição de suas proporções. É o encaixe de várias coisas pequenas nela, com graça e harmonia, que tornam essa altura variegada. É uma unidade na variedade.

Então essa perfeição das proporções de Nossa Senhora, quase que é um “contraforte” daquilo que a altura poderia ter de um pouco assustador.

“Ela parecia tão leve que um sopro poderia atingi-la”

Realmente, um ente inteiramente espiritual, no qual o corpo era completamente dominado pelo espírito e não sujeito, portanto, à lei da gravidade e à atração de terra. O sobrenatural n’Ela estava na sua plenitude.

“Ela impunha um temor respeitoso, ao mesmo tempo que sua majestade impunha respeito entremeado de amor”

Então, era um respeito que, de um lado incutia temor e, do outro lado, incutia amor. É a imagem da majestade verdadeira. É uma majestade que mete um temor reverencial, quer dizer, é um temor feito não do medo da chibata – que acessoriamente pode entrar –, mas é feito daquele medo de desgostar um tão alto ser. E, por outro lado, um amor que Nossa Senhora incutia pelo fato de ser quem era.

“Ela atraía”

A verdadeira majestade atrai. A verdadeira majestade não repele. Quando a gente vê uma majestade que repele é porque é uma falsa majestade.

Por exemplo, Napoleão tinha uma majestade que repelia; não tinha nada de majestade autêntica.

“Ao seu redor, como em sua pessoa, tudo respirava majestade, esplendor, magnificência de uma rainha incomparável”

O que havia em torno d’Ela? Um campo ordinário, com umas ervinhas, uma coisa qualquer. Mas Ela entrava ali e tudo se transformava num palácio. Por que? Porque Ela comunica Sua glória a tudo quanto está em torno d'Ela.

“Ela parecia bela, clara...”

É a claridade luminosa, sobrenatural...

“...imaculada, cristalina, celeste”.

É muito interessante ver a necessidade de juntar a idéia de cristalino para afirmar a pureza e o que havia de diáfano em Nossa Senhora. Algo da nobreza dos cristais aparece dentro disso.

E agora vem a corolário:

“Parecia-me também como boa Mãe, cheia de bondade, amabilidade, amor conosco, compaixão e misericórdia”.

Esta justaposição nos dá bem a idéia da majestade perfeita. Por isso São Bernardo, constituindo a Salve Rainha, pôs este paradoxo, logo no começo: Salve Rainha e logo depois: Mãe de Misericórdia. Sumamente Rainha, sumamente Mãe, e Mãe de suma misericórdia.

Depois passa a falar das lágrimas. Nossa Senhora chorava.

Mas há dois modos de chorar: há um modo de chorar cheio de fraqueza e há um modo de chorar cheio de sobranceria. A gente chora quando está abaixo da dor, mas pode chorar também quando está acima da dor.

Vamos ver como é o pranto de Nossa Senhora:

“A Santa Virgem chorava durante quase todo o tempo em que me falou. Suas lágrimas corriam uma a uma, lentamente, até seus joelhos”

Tudo isso é simbólico. Eram lágrimas que corriam lentamente indicando o domínio. Nada de descabelado, nada de convulsivo. Eram lágrimas como de uma rainha cheia de uma tristeza nobre, de uma tristeza serena. As lágrimas se sucedem umas às outras, chegam até o joelho para indicar o impulso com que elas são choradas, o fundo de alma que está nisso. Como para indicar que assim como as lágrimas lhe correm quase ao longo de todo o corpo, esta dor inunda toda a alma.

“Depois, como fagulhas de luz, elas desapareciam”.

As lágrimas de Nossa Senhora deveriam: cair na terra? ficar formando um bolinho misturado com terra? ou prosaicamente empapar o vestido dEla?

A gente pode compreender uma rainha com os hábitos úmidos e pesados de lágrimas? Não.

Então, esse desaparecer como faíscas é uma beleza. A lágrima que no último momento brilha, dá uma luz e é recolhida pelo Padre Eterno nos seus esplendores, é uma solução lindíssima para um problema que facilmente poderia se tornar prosaico.

“Eram brilhantes e cheias de amor”.

Também as lágrimas de uma tal rainha deviam ser luminosas. Não podiam ser lágrimas opacas. Não podiam ser lágrimas “terrosas”. Lágrima d’Aquela que é toda pura, só pode ser lágrima cristalina. E tinham um brilho de amor. A gente compreende que um certo brilho possa significar especialmente o amor. Vejam o mundo de tato que há em todas essas formulações. Como tudo isso é bem pensado.

“Eu quisera consolá-la e que Ela não chorasse, mas parecia-me que precisava mostrar suas lágrimas para melhor mostrar seu amor esquecido pelos homens.

As lágrimas de nossa terna Mãe, longe de enfraquecer seu ar de majestade de rainha e senhora, pareciam, ao contrário, embelezá-la…”

A verdadeira rainha é tal que ela tem uma beleza quando ela está alegre; outra beleza quando ela está triste; outra beleza quando ela está despreocupada. Em tudo são belezas especiais. Em Nossa Senhora as lágrimas davam uma beleza inconfundível, que é a beleza da dor da rainha. É um aspecto fisionômico próprio.

“…torná-la mais amável, mais radiante”.

Amável: quer dizer digna de amor. Mais irradiante: quer dizer mais a sua personalidade se expandia.

“Os olhos da Santíssima Virgem, nossa terna Mãe, não podem ser descritos por uma língua humana. Para deles falar, seria preciso um Serafim. Seria preciso a própria linguagem de Deus, que formou a Virgem Imaculada, obra prima de seu poder”.

A face é resumo do corpo. Os olhos são o resumo da face. Quer dizer, os olhos são a quintessência de toda a expressão do corpo. Então, como é que se exprimiria a alma de Nossa Senhora na parte de seu corpo santíssimo que é a mais expressiva? Realmente, é sublime, o próprio do sublime é não poder ser descrito por língua humana.

“Os olhos da augusta Maria pareciam mil e mil vezes mais belos do que os brilhantes, os diamantes e as pedras preciosas”.

Mais uma vez vem uma comparação que nos deve ser cara: comparar não só as lágrimas de Nossa Senhora, mas também os olhos dEla, com cristais, com pedrarias; de tal maneira o cristal é, na ordem da matéria, uma criatura excelente.

“Eram como a porta de Deus de onde se podia ver tudo aquilo que pode encantar a alma”.

A expressão é magnífica! Porque na Ladainha se diz: Janua Caeli, Porta do Céu. E, realmente, Nossa Senhora é a mais clara manifestação de Deus; mais do que qualquer Anjo. E quem olhar, portanto, os olhos de Nossa Senhora, olha a mais alta manifestação de alma de uma alma que é o espelho da justiça de Deus. Então, a gente compreende que é qualquer coisa totalmente inefável, indizível. Não se pode dizer o que seja a expressão de olhar de Nossa Senhora.

Mais transcendente somente o olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo! Se pensarmos nos mil olhares de Nosso Senhor, se acompanharmos as cenas do Evangelho pensando no olhar que Ele tinha na Ceia, só isso dá uma meditação dos Evangelhos superabundante, magnífica!

“Somente essa visão dos olhos da mais pura das Virgens seria suficiente para ser o Céu de um bem-aventurado”.

Fala da mais pura das virgens naturalmente porque chamou a atenção dela a pureza desse olhar. E como é que não poderia ser puríssimo? É um olhar “castificante” (que comunica castidade a quem Ela olha). Quem olhasse esse olhar, poderia ficar casto a vida inteira na hora, só porque seu olhar conseguiu fitar o olhar imaculadamente puro de Nossa Senhora! Seria suficiente para fazer uma alma entrar na plenitude da vontade do Altíssimo, entre todos os acontecimentos que sucedem no curso da vida. Quem visse os olhos de Nossa Senhora, faria a vontade de Deus para sempre. Seria suficiente para impelir uma alma a contínuos atos de louvor, agradecimento, reparação e expiação. Ou seja, bastaria isso para ter tanto o que louvar, tanto que expiar, tanto para reparar, tanto para dar ação de graças, que a vida inteira se passaria nisso.

“Somente esta visão concentra a alma em Deus e a torna como morta-viva, que olha as coisas da terra, mesmo as coisas aparentemente mais sérias, como brinquedos de criança”.

Quer dizer, depois que uma pessoa viu isso ela não dá importância a mais nada, e só dá importância a não pecar.

Isto posto, vamos pedir a Nossa Senhora de la Salette que nos dê uma impregnação de algo dessas graças em nossa alma. E que, sobretudo, tenhamos a apetência de ver os sagrados olhos d’Ela, o espelho de Sua Face, espelho de Seu Coração.

Que nós possamos, por esta forma, ter a apetência de ver os olhos de Nossa Senhora no Céu.

Imaginem que o Céu fosse só isto: durante a eternidade, sentirmos sobre nós, fixos, os olhos de Nossa Senhora, e os olhos divinos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mesmo se não houvesse mais nada e já teríamos matéria para sermos inundados de felicidade eternamente!

Então, para nos dar um desejo do Céu, devemos pensar numa eternidade nesses olhos, contendo todas as variedades de expressão, todas as expressões de amor para conosco, de sublimidade, de grandeza de Deus, tudo isso pousado sobre nós a nos ver e a nos analisar, a se embeber em nós, e nós embebidos eternamente neles. Não precisaria mais nada para termos um imenso, um tão grande desejo do Céu, que seríamos propensos a fazer uma oração que um contra-revolucionário normalmente não deve pedir: o de morrer logo.


(Santo do Dia, 19 de setembro de 1966)

 




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