No livro de Pie
Régamey, “Les plus beux textes sur la Vierge” (Éditions La Colombe, Paris,
1946, pp.387 ss.) vem um depoimento feito por Mélanie Calvat, que é a menina
que teve a visão de Nossa Senhora de La Salette, em 19 de setembro de 1846:
“A Santíssima
Virgem era alta e bem proporcionada. Parecia tão leve que um sopro poderia
atingi-la. Entretanto, Ela permanecia imóvel e inalterável.
“Sua fisionomia era
majestosa, imponente, mas não imponente como são as grandes da terra. Ela
impunha um temor respeitoso, ao mesmo tempo que sua majestade impunha respeito
entremeado de amor.
“Ela atraía. Ao seu
redor, como em sua pessoa, tudo inspirava majestade, esplendor, magnificência
de uma rainha incomparável. Ela parecia bela, clara, imaculada, cristalina,
celeste. Parecia-me também como uma boa mãe cheia de bondade, amabilidade, amor
para conosco, compaixão e misericórdia”.
Era o caso de dizer
que essa pastorinha analfabeta mereceria entrar na Academia Francesa de Letras
por esta descrição. Porque é admirável! Daqui a pouco vamos... Eu leio a ficha
toda e depois fazemos o comentário.
“Lágrimas - A Santa
Virgem chorava durante quase todo o tempo que me falou. Suas lágrimas corriam
lentamente, uma a uma, até seus joelhos; depois, como fagulhas de luz, elas
desapareciam. Eram brilhantes e cheias de amor.
“Eu quisera
consolá-la para que Ela não chorasse. Mas parecia-me que precisava mostrar suas
lágrimas para melhor mostrar seu amor esquecido pelos homens. As lágrimas de
nossa terna Mãe, longe de enfraquecer seu ar de majestade de rainha e senhora,
pareciam, ao contrário, embelezá-la, torná-la mais amável, mais radiante.
“Os olhos da
Santíssima Virgem, nossa terna Mãe, não podem ser descritos por uma língua
humana. Para deles falar, seria preciso um Serafim, seria preciso a própria
linguagem de Deus, que formou a Virgem Imaculada, obra prima de seu poder.
“Os olhos da
augusta Maria pareciam mil e mil vezes mais belos que os brilhantes, os
diamantes e as pedras preciosas. Eram como a porta de Deus de onde se podia ver
tudo aquilo que pode encantar a alma.
“Somente essa visão
dos olhos da mais pura das Virgens seria suficiente para ser o Céu de um
bem-aventurado. Seria suficiente para fazer uma alma entrar na plenitude da
vontade do Altíssimo entre todos os acontecimentos que sucedem no curso da
vida. Quem visse os olhos de Nossa Senhora, faria a vontade de Deus para
sempre. Seria suficiente para impelir uma alma a contínuos atos de louvor,
agradecimento, reparação e expiação.
“Somente esta visão
concentra a alma em Deus e a torna como morta-viva, que olha as coisas da
terra, mesmo as coisas aparentemente mais sérias, como brinquedos de criança.
Ela só queria ouvir falar de Deus, daquilo que se refere à sua glória.
“O pecado é único
mal que ela vê sobre a terra e por causa dele ela morreria de dor se Deus não a
sustentasse”.
É uma verdadeira
beleza o que diz cada um desses pontos a respeito da aparência de Nossa Senhora.
Há várias ideias neles simbolizadas.
A ideia primeira é
a de um ente completamente celestial, que está inundado de valores
sobrenaturais e de graças, como compete Àquela que um anjo chamou de “graça
plena”. A primeira idéia é, então, da sobrenaturalidade.
A segunda é de uma
majestade régia, que se exprime n’Ela toda e que se irradia em torno d’Ela.
A terceira é uma
bondade incomensurável, uma pena, uma misericórdia, uma condescendência, um
expandir afavelmente todos os seus dons sobre os outros, para fazer os outros
participarem desses dons. É uma coisa que parece contraditório com a majestade,
mas que, pelo contrário, é o corolário indispensável da majestade: é essa
efusão incomparável da bondade, que está em Nossa Senhora.
Todos os traços
dados na descrição são feitos para simbolizar isto.
A Santíssima Virgem
era alta e bem proporcionada
A altura é um
apanágio da majestade. Tanto é que aos príncipes, que não são reis, se diz
Vossa Alteza. É evidente que não é altura física. Mas a altura física é uma
imagem física da altura nos outros sentidos. E, portanto, não era necessário,
mas convinha, entretanto, uma altura bem proporcionada. Porque a altura bem
proporcionada é o contrário da altura monolítica, acachapante, esmagadora. E o
que torna a altura exatamente condescendente, e por assim dizer acessível, é a
perfeição de suas proporções. É o encaixe de várias coisas pequenas nela, com
graça e harmonia, que tornam essa altura variegada. É uma unidade na variedade.
Então essa
perfeição das proporções de Nossa Senhora, quase que é um “contraforte” daquilo
que a altura poderia ter de um pouco assustador.
“Ela parecia tão
leve que um sopro poderia atingi-la”
Realmente, um ente
inteiramente espiritual, no qual o corpo era completamente dominado pelo
espírito e não sujeito, portanto, à lei da gravidade e à atração de terra. O
sobrenatural n’Ela estava na sua plenitude.
“Ela impunha um
temor respeitoso, ao mesmo tempo que sua majestade impunha respeito entremeado
de amor”
Então, era um
respeito que, de um lado incutia temor e, do outro lado, incutia amor. É a
imagem da majestade verdadeira. É uma majestade que mete um temor reverencial,
quer dizer, é um temor feito não do medo da chibata – que acessoriamente pode
entrar –, mas é feito daquele medo de desgostar um tão alto ser. E, por outro
lado, um amor que Nossa Senhora incutia pelo fato de ser quem era.
“Ela atraía”
A verdadeira
majestade atrai. A verdadeira majestade não repele. Quando a gente vê uma
majestade que repele é porque é uma falsa majestade.
Por exemplo,
Napoleão tinha uma majestade que repelia; não tinha nada de majestade
autêntica.
“Ao seu redor, como
em sua pessoa, tudo respirava majestade, esplendor, magnificência de uma rainha
incomparável”
O que havia em torno
d’Ela? Um campo ordinário, com umas ervinhas, uma coisa qualquer. Mas Ela
entrava ali e tudo se transformava num palácio. Por que? Porque Ela comunica
Sua glória a tudo quanto está em torno d'Ela.
“Ela parecia bela,
clara...”
É a claridade
luminosa, sobrenatural...
“...imaculada,
cristalina, celeste”.
É muito
interessante ver a necessidade de juntar a idéia de cristalino para afirmar a
pureza e o que havia de diáfano em Nossa Senhora. Algo da nobreza dos cristais
aparece dentro disso.
E agora vem a corolário:
“Parecia-me também
como boa Mãe, cheia de bondade, amabilidade, amor conosco, compaixão e
misericórdia”.
Esta justaposição
nos dá bem a idéia da majestade perfeita. Por isso São Bernardo, constituindo a
Salve Rainha, pôs este paradoxo, logo no começo: Salve Rainha e logo depois:
Mãe de Misericórdia. Sumamente Rainha, sumamente Mãe, e Mãe de suma
misericórdia.
Depois passa a
falar das lágrimas. Nossa Senhora chorava.
Mas há dois modos
de chorar: há um modo de chorar cheio de fraqueza e há um modo de chorar cheio
de sobranceria. A gente chora quando está abaixo da dor, mas pode chorar também
quando está acima da dor.
Vamos ver como é o
pranto de Nossa Senhora:
“A Santa Virgem
chorava durante quase todo o tempo em que me falou. Suas lágrimas corriam uma a
uma, lentamente, até seus joelhos”
Tudo isso é
simbólico. Eram lágrimas que corriam lentamente indicando o domínio. Nada de
descabelado, nada de convulsivo. Eram lágrimas como de uma rainha cheia de uma
tristeza nobre, de uma tristeza serena. As lágrimas se sucedem umas às outras,
chegam até o joelho para indicar o impulso com que elas são choradas, o fundo
de alma que está nisso. Como para indicar que assim como as lágrimas lhe correm
quase ao longo de todo o corpo, esta dor inunda toda a alma.
“Depois, como
fagulhas de luz, elas desapareciam”.
As lágrimas de
Nossa Senhora deveriam: cair na terra? ficar formando um bolinho misturado com
terra? ou prosaicamente empapar o vestido dEla?
A gente pode
compreender uma rainha com os hábitos úmidos e pesados de lágrimas? Não.
Então, esse
desaparecer como faíscas é uma beleza. A lágrima que no último momento brilha,
dá uma luz e é recolhida pelo Padre Eterno nos seus esplendores, é uma solução
lindíssima para um problema que facilmente poderia se tornar prosaico.
“Eram brilhantes e
cheias de amor”.
Também as lágrimas
de uma tal rainha deviam ser luminosas. Não podiam ser lágrimas opacas. Não
podiam ser lágrimas “terrosas”. Lágrima d’Aquela que é toda pura, só pode ser
lágrima cristalina. E tinham um brilho de amor. A gente compreende que um certo
brilho possa significar especialmente o amor. Vejam o mundo de tato que há em
todas essas formulações. Como tudo isso é bem pensado.
“Eu quisera
consolá-la e que Ela não chorasse, mas parecia-me que precisava mostrar suas
lágrimas para melhor mostrar seu amor esquecido pelos homens.
As lágrimas de
nossa terna Mãe, longe de enfraquecer seu ar de majestade de rainha e senhora,
pareciam, ao contrário, embelezá-la…”
A verdadeira rainha
é tal que ela tem uma beleza quando ela está alegre; outra beleza quando ela
está triste; outra beleza quando ela está despreocupada. Em tudo são belezas
especiais. Em Nossa Senhora as lágrimas davam uma beleza inconfundível, que é a
beleza da dor da rainha. É um aspecto fisionômico próprio.
“…torná-la mais
amável, mais radiante”.
Amável: quer dizer
digna de amor. Mais irradiante: quer dizer mais a sua personalidade se
expandia.
“Os olhos da
Santíssima Virgem, nossa terna Mãe, não podem ser descritos por uma língua
humana. Para deles falar, seria preciso um Serafim. Seria preciso a própria
linguagem de Deus, que formou a Virgem Imaculada, obra prima de seu poder”.
A face é resumo do
corpo. Os olhos são o resumo da face. Quer dizer, os olhos são a quintessência
de toda a expressão do corpo. Então, como é que se exprimiria a alma de Nossa
Senhora na parte de seu corpo santíssimo que é a mais expressiva? Realmente, é
sublime, o próprio do sublime é não poder ser descrito por língua humana.
“Os olhos da
augusta Maria pareciam mil e mil vezes mais belos do que os brilhantes, os
diamantes e as pedras preciosas”.
Mais uma vez vem
uma comparação que nos deve ser cara: comparar não só as lágrimas de Nossa
Senhora, mas também os olhos dEla, com cristais, com pedrarias; de tal maneira
o cristal é, na ordem da matéria, uma criatura excelente.
“Eram como a porta
de Deus de onde se podia ver tudo aquilo que pode encantar a alma”.
A expressão é magnífica!
Porque na Ladainha se diz: Janua Caeli, Porta do Céu. E, realmente, Nossa
Senhora é a mais clara manifestação de Deus; mais do que qualquer Anjo. E quem
olhar, portanto, os olhos de Nossa Senhora, olha a mais alta manifestação de
alma de uma alma que é o espelho da justiça de Deus. Então, a gente compreende
que é qualquer coisa totalmente inefável, indizível. Não se pode dizer o que
seja a expressão de olhar de Nossa Senhora.
Mais transcendente
somente o olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo! Se pensarmos nos mil olhares de
Nosso Senhor, se acompanharmos as cenas do Evangelho pensando no olhar que Ele
tinha na Ceia, só isso dá uma meditação dos Evangelhos superabundante,
magnífica!
“Somente essa visão
dos olhos da mais pura das Virgens seria suficiente para ser o Céu de um
bem-aventurado”.
Fala da mais pura
das virgens naturalmente porque chamou a atenção dela a pureza desse olhar. E
como é que não poderia ser puríssimo? É um olhar “castificante” (que comunica
castidade a quem Ela olha). Quem olhasse esse olhar, poderia ficar casto a vida
inteira na hora, só porque seu olhar conseguiu fitar o olhar imaculadamente
puro de Nossa Senhora! Seria suficiente para fazer uma alma entrar na plenitude
da vontade do Altíssimo, entre todos os acontecimentos que sucedem no curso da
vida. Quem visse os olhos de Nossa Senhora, faria a vontade de Deus para
sempre. Seria suficiente para impelir uma alma a contínuos atos de louvor,
agradecimento, reparação e expiação. Ou seja, bastaria isso para ter tanto o
que louvar, tanto que expiar, tanto para reparar, tanto para dar ação de
graças, que a vida inteira se passaria nisso.
“Somente esta visão
concentra a alma em Deus e a torna como morta-viva, que olha as coisas da
terra, mesmo as coisas aparentemente mais sérias, como brinquedos de criança”.
Quer dizer, depois
que uma pessoa viu isso ela não dá importância a mais nada, e só dá importância
a não pecar.
Isto posto, vamos
pedir a Nossa Senhora de la Salette que nos dê uma impregnação de algo dessas
graças em nossa alma. E que, sobretudo, tenhamos a apetência de ver os sagrados
olhos d’Ela, o espelho de Sua Face, espelho de Seu Coração.
Que nós possamos,
por esta forma, ter a apetência de ver os olhos de Nossa Senhora no Céu.
Imaginem que o Céu
fosse só isto: durante a eternidade, sentirmos sobre nós, fixos, os olhos de
Nossa Senhora, e os olhos divinos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mesmo se não
houvesse mais nada e já teríamos matéria para sermos inundados de felicidade
eternamente!
Então, para nos dar
um desejo do Céu, devemos pensar numa eternidade nesses olhos, contendo todas
as variedades de expressão, todas as expressões de amor para conosco, de
sublimidade, de grandeza de Deus, tudo isso pousado sobre nós a nos ver e a nos
analisar, a se embeber em nós, e nós embebidos eternamente neles. Não
precisaria mais nada para termos um imenso, um tão grande desejo do Céu, que
seríamos propensos a fazer uma oração que um contra-revolucionário normalmente
não deve pedir: o de morrer logo.
(Santo do Dia, 19
de setembro de 1966)
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