Segundo estudo do famoso Jean Piaget, o homem
consegue atingir completamente seu juízo moral com idade em torno dos 12 anos. O
“juízo moral” é o conhecimento e prática das regras sociais. É claro que o
Autor não inclui como primordial nestas “regras sociais”, o Decálogo. Ele
analisa o problema moral sob enfoque natural. [1]
No entanto, após os 12 anos o ser humano vai
procurar outras regras morais com que possa viver mais comodamente de acordo
consigo mesmo. Enquanto o juízo moral lhe indica que as regras são aquelas que
aprendeu na infância, que lhes foram ensinadas em sua casa, na escola e na
comunidade em que viveu, a partir de certa idade ele vai ser tentado a criar
suas próprias regras, suas normas, baseando-se num conceito de liberdade que
lhe dá o direito de escolher a vida que quiser levar doravante. Tem sido esta a
tentação mais comum no homem moderno. Fugindo do cumprimento da Lei Primordial,
que é o Decálogo, e as regras de conduta ditadas pelo Cristianismo, o homem
começa a elaborar seu próprio conceito de juízo moral.
É lícito julgar o próximo?
Fazer
juízo é um ato comum dos homens, e todos nós o fazemos cotidianamente sem mesmo
o perceber. Muitas vezes expomos aos demais os nossos juízos sob a forma de
opinião, de parecer ou de sentença. Nem sempre tal procedimento é mal, devendo
apenas termos cuidado para não cometermos juízos temerários e não fazermos
falsos julgamentos. Antes de tudo, vejamos o que diz São Tomás de Aquino sobre
a licitude do ato de julgar o próximo:
“O
juízo é justo na medida em que é um ato de justiça. Ora, como do sobredito resulta,
três condições se exigem para que um juízo seja um ato de justiça: primeiro,
que proceda de uma inclinação justa; segundo, que proceda da autoridade do
chefe; terceiro, que seja proferida pela razão reta da prudência. A falta de
qualquer delas torna o juízo vicioso e ilícito. – De um modo quando vai contra
a retidão da justiça. E, então, o juízo se chama “pervertido” ou “ injusto”. –
De outro modo, quando julgamos daquilo para o que não temos autoridade. E,
então, o juízo se chama “usurpado”. – De terceiro modo, quando falta a certeza
da razão; assim, quando julgamos do que é duvidoso ou oculto, levados por leves
conjecturas. E, então, chama-se o juízo “suspeitoso” ou “temerário”.
No
final de seu pensamento, conclui São Tomás:
“Nem
contudo, por isso, ao julgar os outros, nós nos condenamos, por atrairmos sobre
nós um novo motivo de condenação; mas, ao condenar a outrem, mostremo-nos
merecedores da mesma condenação, por um pecado igual ou semelhante”..[2]
Não
é difícil entender o raciocínio. Os abortistas, por exemplo, fazendo um juízo
parcial e errado sobre os que condenam o aborto dizem que estes últimos são
hipócritas, pois, segundo eles, querem encobrir a situação em que se encontra
uma mulher que aguarda um “filho indesejado”. No entanto, feito um juízo
conforme as regras morais cristãs, os abortistas é que se tornam hipócritas
querendo encobrir sua vontade de eliminar a vida humana, de uma forma covarde e
insana, com o pretexto de proteger a saúde ou a suposta “moral” da gestante.
Eles julgam e acusam sem querer se submeter ao mesmo juízo. Um critério para se
saber se a gente está fazendo um bom ou mau juízo é verificar se tal juízo é
fruto do “juízo moral” da sociedade, as regras sociais cristãs, ou, pelo
contrário, de nosso próprio juízo.
E
assim são as pessoas hoje em dia. Possuem a capacidade de exercer seu juízo
sobre si, sobre as demais pessoas e sobre toda a sociedade, mas o exercício
desse juízo será feito de conformidade com suas normas e não com as regras que
a sociedade lhes ensinou desde a infância.
Julgar é um ato perfeitamente normal na pessoa humana, mas o ato de
julgar deve ser feito conforme as regras que Nosso Senhor Jesus Cristo deixou
prescrito no Evangelho: “Não julgueis para não ser serdes julgados...”. Isto é,
ninguém deve julgar os demais esperando não ser julgado da mesma forma e pelos
mesmos motivos. É uma regra geral. E quem o faz? Para fazê-lo seria necessário
praticar a santidade.
Vejamos o exemplo dos santos. Santa Teresinha
do Menino Jesus (como todos os outros santos), quando era repreendida por uma
falta que não havia cometido nunca procurava “se desculpar”, imaginando sempre
que era mesmo capaz de haver cometido tal falta, mesmo estando inocente. São
Domingos Sávio também era exímio nesse pormenor: nunca se desculpava das
acusações que lhe eram feitas pelos colegas de escola, mesmo as injustas. E
quem faz isso hoje? Pelo contrário, todos hoje procuram antes de tudo se
desculpar e se dizer inocente perante um juízo ou acusação do próximo, muitas
vezes até mesmo por faltas cometidas. Este tipo de comportamento é próprio
daquele que elegeu para si mesmo um juízo moral baseado em regras próprias, que
é o egoísmo e o amor-próprio. Trata-se de um comportamento corriqueiro no mundo
de hoje.
Há uma falta cometida. Uma pessoa que tem
autoridade sobre o grupo pergunta: quem fez isso? Vários, ao mesmo tempo,
levantam logo a mão, dizendo: não fui eu! Não, eu não cometo tal falta porque
sou perfeito! Não me acuse, não faça julgamento sobre mim! E muitas vezes o
erro foi cometido exatamente por aquele que mais se desculpou. Mas, aí nesse
caso já é uma ação de quem é renitente no erro e tem medo da censura pública: “medo
da censura pública” é um comportamento que leva a maioria das pessoas a mentir
e negar que cometeu suas faltas. Por que existe tal medo? É porque, ao atingir
certa liberdade na prática do juízo moral, a pessoa não quer expor-se ao juízo
moral que há na sociedade em que vive, o único juízo que ele admite é o de si
mesmo. Submeter-se ao juízo dos outros é humilhar-se, é reconhecer que tem
defeitos que os outros provavelmente não têm. Este tipo de humilhação é o pior
de todos. Os moralistas católicos chamam isso de “respeito humano”, um tipo de
receio da censura pública que leva o homem a esconder até seus pecados perante
o Confessor.
Por causa deste medo da censura pública, de
se submeter ao juízo moral dos outros, um homem é capaz de ir para a guerra,
pois teme ser tido como covarde. No entanto, esse mesmo medo o faz esconder
atos que mancham sua alma e o tornam desonesto, mesmo secretamente, imaginando
que aquilo bem pode se tornar de domínio público.
O juízo e a Fé
Qual o critério para se saber, de antemão,
que estamos fazendo um juízo correto? Há vários critérios, mas o principal é
que tal juízo seja proveniente da Fé. A opinião pessoal é volúvel, instável,
trata-se de um juízo parcial e sem o condão da certeza. Já a Fé, não; quem tem
Fé é porque está de posse da Verdade e da certeza, não temendo errar em emitir
seu juízo. Julgar com Fé, pois, é julgar corretamente. Tal julgamento não é
feito como decorrência de uma moral particular, de uma preferência pessoal, mas
de uma graça divina, pois quem tem Fé está de posse do próprio Deus e emite se
juízo em co-regência com Ele.
A Fé é uma certeza inabalável, trata-se,
portanto, da posse plena da Verdade. É um dom divino. Mas, há outros tipos de
fé, como aquela que nos faz crer nas pessoas. Assim, uma autoridade, como um
pai ou um professor, ao ministrar a educação a seus pupilos lhes transmite uma
confiança semelhante a uma certa fé, o que faz com que acreditem nele sem medo
de errar. Para vivermos em sociedade é necessário exercitarmos costumeiramente este
tipo de confiança nas pessoas, crendo em seus juízos. De algum modo, tais
autoridades ao emitir seus ensinamentos o fazem como se fosse o pronunciamento
de vários juízos sobre a matéria do ensino. Aí, nesse caso, tais juízos são
perfeitos porque provêm de uma autoridade que ensina as regras morais vigentes
na sociedade, especialmente se forem cristãs. E quando os filhos ou alunos
transmitem tais ensinamentos, não na forma de opinião, mas de juízo, aos
demais, emitem um juízo correto.
Assim, há dois graus na emissão do juízo
humano: o primeiro passo pode ser sua opinião, depois vem o juízo acompanhado
da Fé. Ou a Fé propriamente dita, baseada
na crença em Deus e na sua Religião, ou a fé simples comparada com a confiança nas
pessoas ou no meio social em que vivemos.
Na opinião há mais
dúvida do que certeza
As pessoas cotidianamente emitem opiniões,
espécies de sentenças, aceitando ou repudiando aquilo que está sob seu julgamento.
Mas, emitir opinião simplesmente não basta para fazer juízo e ter certeza, pois
nossa opinião é falha e cheia de amor-próprio. São Tomás de Aquino diz que o
homem não deve ter somente opiniões, mas fé, pois esta é firme e inabalável
enquanto nossas opiniões são vulneráveis e cheias de erros. Daí o erro de
Descartes e seus seguidores em eleger a dúvida como ponto de partida da
certeza. O ponto final de um perfeito juízo deve, pois, ser conseqüência de
nossa Fé, e esta é uma certeza inabalável.[3]
[1] Ver
“O Juízo Moral na Criança”, de Jean Piaget, Summus Editorial, 4ª Edição.
[2] Summa,
Questão LX, Art. II (tradução de Alexandre Correia), edição da Escola Superior
de Teologia de São Lourenço de Brindes – Universidade Caxias do Sul – Livraria
Sulina Editora),
[3] São
Tomás escreveu alguma vez que na opinião não havia assentimento: “dubitans non
habet assensum... similiter nec opinans”. De Verit, q. XIV, a I. Cfr. III Sent. dist. 23, q. 2, a 2, sol. 1.
Ambas estas obras são trabalho de juventude. Nas posteriores, o santo afirma
explicitamente a existência de uma adesão, posto que destituída de firmeza, no
espírito de quem opina. Cfr. S. Theol. 2, 2ae q. 1 a 4; q. 2, a.
“A opinião é uma adesão mesclada de dúvida e, por
isso, mais ou menos vacilante e inconstante”. E. Boirac, ‘Cours élémentaire de philosophie”, Logique. c. V, Paris, 1900,
p. 287. « De ratione opinionis est quod id quod est opinatum, existimetur
possibile aliter se habere ». S. Tomás, Summa II, Iiae, q. 1, a. 5, ad 4m.
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