Para que posamos entender melhor o que é a Bondade, que foi praticada pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo como exemplo para todos nós, vejamos como um grande e santo teólogo, São Boaventura, classifica a bondade humana:
“Tanto será alguém reputado por bom, quanto abomina o mal; pois tanto se
ama um objeto, quanto se lastima a sua destruição. Seguindo esta norma, encontraremos na
religião e na Igreja quatro classes de homens que costumamos qualificar de
bons.
“Os primeiros são os que não praticam o mal, mas que, todavia, com pouco
cuidado se exercem em boas obras. Convivem pacifica e quietamente com seus
semelhantes, não ofendem a ninguém e não provocam escândalo por más obras. Diz
o primeiro dos Reis, vinte e cinco (I Reis 25, 15): Estes homens têm sido muito
bons para conosco, e nunca nos foram molestos.
Porquanto costumamos qualificar de bons aqueles que são afáveis em seu
modo de viver e sociais para com todos, embora, por outro lado, sejam assaz
desidiosos quanto à prática das virtudes. Crianças batizadas também são
qualificadas de boas”
A respeito destes, assim falou o Profeta
Ezequiel:
“Se um homem for justo e proceder conforme e equidade e a justiça; se
não comer nos montes e não levantar os seus olhos para os ídolos da casa de
Israel; se não ofender a mulher do seu
próximo e não se juntar com a menstruada; se não entristecer ninguém, se der o
penhor ao seu devedor, se não tirar nada do alheio por violência, se der do seu
pão a quem tem fome e ao nu cobrir com vestido; se não emprestar com usura e
não receber mais do que o que emprestou; se afastar a sua mão da iniqüidade e
sentenciar com justiça entre homem e homem; se andar nos meus preceitos e
guardar os meus mandamentos, para proceder segundo a verdade; este tal é justo,
viverá certissimamente, diz o senhor Deus”
(Ez 18, 5-9).
Está este na categoria dos justos, pois
cumpre fielmente a lei de Deus, mas para ser perfeito ele teria que dar mais
alguns passos. Assim, continua São Boaventura:
“Melhores são os segundos que, além de não praticarem más ações, se
exercem freqüentemente em boas obras: na sobriedade, na castidade, na
humildade, na caridade fraterna, na assiduidade de oração, e outras similares
que entendem por boas. Esses, entretanto, têm o seguinte particular: assim como
nada descuidam daquilo que podem e conhecem, assim também lhes parece bastar o
bem que praticam, e não se abrasam em aspirações mais altas e mais perfeitas de
santidade. Basta-lhes exclusivamente velar, rezar, dar esmolas, jejuar,
trabalhar por Deus e outras coisas semelhantes; e, contentes com isso,
descansam, abandonando aos outros as coisas mais altas. Diz o Eclesiastes, três
(Ecl 3, 12): Reconheci que nada havia melhor do que alegrar-se o homem nas suas
obras, e que esta era a parte que lhe cabia.
“Melhores que esses são os terceiros, porque abominam e evitam o mal e
praticam assiduamente o bem ao seu alcance, e, depois de haverem feito todo o
possível, julgam ter feito pouco, em comparação com o que desejavam, sabendo
que, no dizer da primeira a Timóteo, quatro (I Tim 4, 8): o exercício corporal
pouco aproveita. Por isso anelam ansiosamente possuir as virtudes da alma e o
sabor da devoção interior, o familiar conhecimento de Deus, a percepção do seu
amor, julgando que não são nada e nada têm. Não querem aceitar nenhum consolo
das coisas temporais ou espirituais, enquanto não gozarem, conforme desejam,
dos preditos exercícios de virtudes e da doçura da devoção. Todavia, seu zelo não se inflama contra os
vícios dos demais e contra os perigos dos pecados; desejam apenas que todos
sejam felizes; porém, quando não encontram isso, não sentem nenhuma dor,
atentos unicamente a si e a Deus. Esses tais, incumbidos do governo de outrem,
não são de todo idôneos para semelhante cargo, porque pospõem o desvelo pelos
outros à sua própria quietude, conforme o livro dos Juízes, nove (Juízes 9,
7-11): Porventura, posso eu deixar a minha doçura, e suavíssimos frutos, para
ir ser superior entre outras árvores.
“Os da quarta categoria, finalmente, são os melhores. Junto com os anteriores se inflamam no zelo das
almas e da observância, pelos bens da inocência e das virtudes. Todavia, não se
consolam com o progresso na própria santificação, enquanto, juntamente consigo,
não atraem ao mesmo tempo mais outras almas a Deus, a exemplo do Senhor que,
embora abarcando em si a plenitude do gozo, não se dava por satisfeito em
desfrutando sozinho aquela glória; e, tomando a forma de servo, saiu para
conduzir muitos filhos à glória por meio de suas obras e de sua doutrina. O
zelo pela justiça, qual um escarlate tingido duas vezes, rutila na dupla cor de
caridade: do amor de Deus e do próximo. O amor de Deus não deseja unicamente
fluir da sua doçura e unir-se com ele, mas também anseia que se cumpra o seu
beneplácito, que se dilate o seu culto, e seja sublimada a sua honra. Quer que
ele seja conhecido por todos, amado por todos, servido por todos e honrado
acima de todas as coisas. O amor
do próximo não se cinge ao seu bem-estar corporal e à sua prosperidade
temporal, mas muito se interessa pela sua salvação eterna. Por conseguinte,
onde esta caridade se encontrar mais perfeita, ali há um desejo mais ardente e
um esforço mais intensivo de promover estas coisas, e a alegria mais pura onde
se encontram realizadas. A caridade não busca os seus interesses, senão os de
Deus. À medida que amares a Deus e mais puramente desejares a sua glória,
doer-te-ás pelas ofensas de Deus, ao ver
que não é conhecido e, em conseqüência, não é honrado; quando vês que não é amado
e, por isso, desobedecido; que se desleixa o seu culto e se multiplicam e se
alegram os seus inimigos. Quanto mais amares a salvação do próximo, tanto mais
te afligirás por sua perdição e pelo dano que sofre no seu adiantamento.
“Posto que esta caridade se requeira de todos os amigos de Deus,
todavia, requerer-se-á particularmente dos ministros de Deus que devem ser
conforme ao coração de Deus e impregnar-se do amor da observância e do ódio à
maldade. Amaste a justiça e aborreceste a maldade, diz o salmo. Por justiça
pode entender-se aqui a observância de todas as coisas que são necessárias à
salvação e ao progresso das almas” [1]
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