A 06 de novembro comemora-se a festa do maior herói de Portugal, o famoso Condestável São Nuno de Santa Maria, ou simplesmente São Nun’Álvares Pereira. Relatamos abaixo uma de suas mais grandiosas vitórias, na Batalha de Valverde, que foi ganha graças a um Anjo que lhe guiou.
Enquanto
Dom João I partia para o norte a fim de consolidar suas conquistas e se firmar
na posse de seus domínios, São Nuno seguiu em direção contrária, a fronteira,
onde era necessário alguém como ele para manter os castelhanos longe de seus
propósitos de invasão. Era a fronteira o local mais difícil, onde os próprios
nobres portugueses viviam, ora indeciso ora propensos a apoiar o inimigo. Indo
para lá, São Nuno teria condições de manter os limites geográficos e étnicos de
seu país. Seu ímpeto guerreiro não se contentava, agora, em ficar na defensiva;
por isso, partiu para invadir o território inimigo, a fim de demonstrar aos
castelhanos que Portugal agora tinha um exército e um Condestável invencível no
seu comando.
E a
situação havia mudado. Seu exército agora era composto de mais de mil lanças,
com mais de dois mil peões e besteiros. Avançou intimorato pela fronteira a dentro
e, quando se deu conta, já havia avançado mais de vinte léguas em território
inimigo, no coração da Estremadura. No entanto, ele sabia que estava sendo
espionado e que encontraria batalha mais adiante. Quando chegam
Percebendo
que o inimigo não tinha coragem de enfrentá-lo, resolveu ir mais adiante: fazer
uma romaria
-
Senhor Condestável: o mestre de Santiago, Dom Pedro Muñoz, meu amo, ouvindo
dizer que estais em sua terra e lhe fazeis estragos nela, vos manda desafiar e
vos envia esta vara.
São
Nuno recebeu a vara da mão do arauto e respondeu:
- Sede
bem-vindo com tais novas.
Mas o
arauto continuou:
-
Senhor Condestável: o conde de Niebla, Dom João Afonso de Guzmán, ouvindo dizer
como andais na terra de el-rei, seu senhor, roubando e destruindo como não
deves, vos envia esta vara.
Nova
vara foi entregue a São Nuno. O Condestável recebia a vara com a mão direita e
passava para a esquerda, num ato solene e grave. Desta vez, nada respondeu, mas
esperou que o arauto continuasse.
-
Senhor Condestável: o Mestre de Calatrava, Dom Gonçalo Nuñez de Guzmán, sabendo
como entras pela terra de el-rei seu senhor, para prejudicar e destruir, vos
manda desafiar e vos envia esta vara.
Desta
forma, a cena continuou, com o arauto entregando todas as varas que trazia,
cada uma representando um poderoso senhor de Castela. O molho de varas era
grande, o que poderia causar arrepios ou mesmo terror entre os portugueses. Mas nada disto ocorreu. São Nuno permaneceu
com seu semblante sério a manifestar tremenda frieza. Quando o arauto terminou de entregar a última
vara, São Nun'Álvares lhe responde segurando o feixe na mão esquerda:
-
Amigo meu, sede bem-vindo com as novas que trazeis. Nada mais me podia alegrar
tanto como essas do desafio. Dizei-o ao seu senhor.
Em
seguida, o Condestável volta-se para os seus homens e diz:
-
Vedes, amigos, como é certo o que eu vos dizia estes dias? Que o Mestre, meu
senhor e meu amigo, não me havia de deixar passar sem nos fazer guerra? Ora, é
mister que estejamos prontos para ela. Quem tão boas novas nos trouxe, razão é
que tenha boas alvíssaras...
Mandou
dar ao arauto cem dobras de ouro, dizendo-lhe:
-
Dizei ao Mestre, meu senhor e meu amigo, e aos senhores que com ele estão,
quanto lhes agradeço os seus desafios... e mais ainda estas varas, com as quais
brevemente os vergastarei...
Para
dar mais ênfase à suas palavras, pegou algumas varas e começou a brandi-las
açoitando o vento. Em seu semblante, todos percebiam o quanto estava alegre com
aqueles gestos. Aquela ironia tinha
duplo efeito: primeiro causar mais terror ao inimigo, notando-o tão dono de si;
e em segundo lugar, mostrar aos seus homens que não tinha nenhum medo das bravatas
do arauto.
São
Nuno não tinha nenhum receio, nenhuma dúvida de que venceria todos os
castelhanos juntos que lhe viessem dar batalha. A sua fé, antes de Aljubarrota,
era feita de esperança. Agora era uma
certeza bem sedimentada, firme, irredutível de que Deus lhe daria a vitória.
Esta certeza era baseada numa Fé autêntica e inabalável.
Depois
de aceitar os desafios, São Nuno não ficou parado, avançou mais ainda em
território inimigo. Andou mais quinze léguas sem que sofresse combate. O Mestre
de Alcântara seguia os invasores à distância, sem se atrever a enfrentá-los.
Quando chegou às margens do rio Guadiana, São Nuno ali resolveu acampar.
Estava
com o acampamento já terminado quando viu no alto a presença das forças
inimigas. Passaram todo o dia vendo-se um frente ao outro, mas sem que ninguém
tomasse a iniciativa do ataque. No dia seguinte, as forças portuguesas estavam
melhor preparadas para o confronto, mas souberam que os castelhanos ainda
esperavam reforços de Sevilha, de Córdoba, de Jaén, da Mancha e do reino de
Aragão. E eles não faziam segredo dos reforços que estavam para vir e até
usavam isto para tentar amedrontar o inimigo. Os poucos prisioneiros feitos
pelos homens de São Nuno falavam destas forças com muita ênfase. Tais notícias
seriam de molde a apavorar um ânimo que não fosse tão valoroso quanto o do
Condestável.
A
situação agora era inversa da batalha de Aljubarrota. Era São Nuno que tinha
que forçar passagem entre os castelhanos, tendo que vencer uma posição bem
entrincheirada de um exército superior em número e poder. Mas a hoste
portuguesa, comandada pelo Condestável, compunha-se de homens aguerridos e
submissos a seu capitão como se ele fosse o pai de todos, um homem predestinado
por Deus e assistido por um poderoso Anjo.
O exército de Castela era brilhante, com armas novas e reluzentes,
comandado por homens bem treinados e experientes, mas faltava-lhes o fator
unidade, consistência, disciplina e amor aos comandantes por parte dos
soldados.
A
hoste de São Nuno formou-se em seu quadrado característico para se
proteger. Para melhor defender-se
precisavam passar o rio naquele ponto, onde era raso. Mas quando se propunham a
fazê-lo, viram-se de repente cercados de todos os lados pelo inimigo. Os
ataques vinham de três direções, pela frente e pelos flancos, impelindo-os de
costas contra o rio. Mas, ao passá-lo,
tinham a esperá-los na outra margem grossas tropas inimigas. Dir-se-ia que
estavam perdidos.
Cerrado
e inexpugnável, o quadrado português avançava compactamente, defendo-se como
podia contra a nuvem de lanças, de setas, de pedras e de virotões. Foram precipitados para o rio de roldão e,
sem desfazer a ordem de batalha em que estavam, uma espécie de fortaleza
ambulante, passaram o rio a vau, e na outra margem deram de cara com cerrada
formação castelhana. Passado o rio, o cerco do inimigo cada vez mais se fechava
como uma tenaz, mas os portugueses continuavam seu caminho em busca do local
que o Condestável julgava ser adequada para um combate mais vantajoso. Subiam paulatinamente a encosta próxima,
procurando romper as forças adversárias, mas não o conseguiam.
O
Condestável era a alma do exército português. Ia de um lado a outro, animando,
combatendo, ora na vanguarda ora na retaguarda, sem nenhum esmorecimento, sem
pedir nenhuma trégua. Era um homem que nada o abatia, permanecia firme,
inabalável, intimorato e aguerrido, comandava naturalmente pela expansão de sua
simpatia comunicativa. Era como se fosse
um rochedo em torno do qual se agarravam aquele milhar de homens para defender
suas vidas.
O
homem da guerra era também o homem místico, pois rezava constantemente quando
estava
Em dado
momento, uma seta veio cravar-se em seu pé. Mesmo assim ferido, continuou
animando e lutando, ora na retaguarda, ora na vanguarda. Numa destas intervenções, gritaram da
retaguarda que o inimigo estava ganhando aquele setor. Foi para lá o grande
herói, postou-se na frente de seus homens, mesmo com o pé ferido, e após breve
combate conseguiu repelir a investida inimiga e arrumar a defensiva
novamente. Da mesma forma que veio
auxiliar os seus naqueles momentos, assim também partiu talvez para a vanguarda
não se sabe.
O
certo é que, de repente, o Condestável desapareceu da vista de seus homens. A
hoste portuguesa não conseguia mais avançar, ficara ali estática, porque
faltava quem os comandasse. Seu comandante simplesmente sumira, não o
encontravam em lugar nenhum. Chamavam por Nun'Álvares para um lado e para o
outro, mas ele não ouvia lhe chamar, não aparecia nos combates. Para onde fora?
Teria morrido ou fugido? Estas cogitações eram impensáveis em seus homens,
principalmente o da fuga. Procuravam-no
por toda a parte, aflitos, como quem busca o próprio pai na hora do desespero,
em busca de auxílio..
De
súbito, Rui Gonçalves depara-se com o Condestável. De joelhos, entre dois
rochedos, estava em êxtase, com as mãos postas e os olhos voltados para o céu.
Ao seu lado, sua montaria e o pajem segurando a lança e o braçal de seu senhor.
Naquela angústia em que se encontrava, foi rezar a Deus quando um Anjo lhe
aparece e o deixa fora de si na contemplação das maravilhas divinas. Rui Gonçalves declarou posteriormente que o
viu com a alma transportada para o céu falando com Deus. Ficou ali parado a
contemplá-lo, temendo tirá-lo daquele embevecido êxtase. Aquela cena, onde o
escudeiro e o amigo Rui ficavam pasmados em silêncio a contemplá-lo,
contrastava completamente com o fragor da terrível batalha que se desenrolava
nas proximidades.
Passado
o primeiro espanto, Rui Gonçalves resolve agir e grita:
-
Estamos perdidos!
São
Nun'Álvares, meio saindo de seu êxtase, volta-se e diz:
- Rui
Gonçalves, caro amigo, ainda não é tempo. Aguardai um pouco e acabarei de
rezar.
Neste
ínterim, outros companheiros também já o tinham encontrado e começaram a
vituperar o Condestável. Um deles foi enfático:
- Nada
de rezas, assim morreremos todos!
Quando
seus homens começaram a chegar angustiados, São Nuno sai de seu êxtase.
Ergue-se, firma-se nos pés, apura o ouvido e as vistas. Põe a mão sobre o ombro
de seu alferes, Diogo Gil, aponta para o lado e diz:
- Vês
as bandeiras que estão no cume daquele monte? A mais alta deve ser a do Mestre
de Santiago.
-
Vejo, meu senhor!
- Pois
vamos lá com nossas espadas até junto dela! Amigos, avante! Que cada um de nós
seja para quatro deles!
Aquelas
bandeiras significavam que ali estavam os principais comandantes das tropas
castelhanas. Provavelmente reuniam-se em conselho sobre os destinos da batalha.
Num arroubo, os portugueses partiram para lá, guiados por São Nuno e sua espada
sagrada, e num instante subjugaram todos eles. Vencidos os chefes, o resto foi
facilmente entregue às mãos portuguesas.
Num só lance, todo o comando inimigo caíra em mãos do Condestável.
Quando souberam do ocorrido, os castelhanos começaram a fugir, pois todas as
tropas estavam agora sem comando.
O
milagre aconteceu: os portugueses, em número inferior, dentro do território inimigo,
venceram o poderoso exército castelhano. Tudo graças ao denodo, à coragem, ao
idealismo de um Cavaleiro cristão, que dedicou toda sua vida à fé católica, e
por isso foi avisado por um Anjo, em seu êxtase, de que deveria seguir aquele
caminho que daria exatamente dentro do comando inimigo.
São
Nun'Álvares foi com os seus dormir calmamente em Valverde, e no dia seguinte seguiu viagem de retorno às
suas terras. Após dezoito dias de campanha, havia conquistado muitas riquezas
de seus inimigos. Muito maior, porém, foi a lição que dera aos castelhanos, com
o intuito de inspirar-lhes medo e respeito. Quando chegou em Elvas, São Nuno
reúne seus homens e distribui com eles todo o abundante saque que trouxera.
O
reino de Castela em peso entrava em desespero por mais este desastre, causado
por um homem que eles desdenhavam com menosprezo. O rei compareceu às cortes em
Valadolid vestido de luto, ordenando que houvessem procissões e jejuns para
reparar a vergonha e afronta sofrida. O
que mais afetava o orgulho castelhano era considerar que as derrotas haviam
sido sofridas exatamente pelas humildes forças portuguesas. Envergonhava-os
verem-se vencidos por este punhado de homens, que eles julgavam ser meros
rebeldes a seu rei.
(Relato baseado no livro "A
Vida de Nun'Álvares", de Oliveira Martins, Lello & Irmão - Editores,
Porto, 1983).
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