PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA
Hoje é festa
de Santo Ambrósio, bispo, Confessor e Doutor da Igreja. Lutou contra Teodósio,
Imperador do Ocidente, pela liberdade da Igreja. Combateu os hereges. Conversão
de Santo Agostinho. Amanhã também é festa da Imaculada Conceição de Nossa
Senhora.
Santo
Ambrósio era um homem de um talento enorme, famoso em toda a Cristandade do seu
tempo, em todas as vastidões do Império Romano, pelos seus trabalhos, pela sua
influência sobre o público, escritor fecundo, etc.
Santo
Agostinho conta em suas memórias ("As Confissões") que a ele lhe deve
sua conversão. Ele tinha verdadeira admiração por Santo Ambrósio.
"Não me
era permitido interrogar Ambrósio sobre o que eu queria e como queria – escreve
Santo Agostinho nas "Confissões" –, porque sempre tinha junto a si
pessoas necessitadas. No pouquíssimo tempo em que não estava com tais pessoas,
[Ambrósio] refazia o corpo com o alimento necessário, ou o espírito com a
leitura. Mas, quando lia, os olhos divagavam pelas páginas e o coração penetrava-lhes
o sentido, enquanto a voz e a língua descansavam. Nas muitas vezes em que me
achei presente [em sua casa] – porque a ninguém era proibida a entrada, nem
havia o costume de lhe anunciarem quem vinha –, sempre o via ler em silêncio e
nunca doutro modo. Assentava-me e permanecia em longo silêncio – quem é que
ousaria interrompê-lo no seu trabalho tão aplicado? –, afastando-me finalmente.
Imaginava que, nesse curto espaço de tempo, em que, livre do bulício dos
cuidados alheios, se entregava a aliviar a sua inteligência, não se queria
ocupar de mais nada. Lia em silêncio, para se precaver, talvez, contra a
eventualidade de lhe ser necessário explicar a qualquer discípulo, suspenso e
atento, alguma passagem que se oferecesse mais obscura no livro que lia. Vinha
assim a gastar mais tempo neste trabalho e a ler menos tratados do que
desejaria. Ainda que a razão mais provável de ler em silêncio poderia ser para
conservar a voz, que facilmente lhe enrouquecia. Mas, fosse qual fosse a
intenção com que o fazia, só podia ser boa, como feita por tal homem"
("Confissões", Cap. VI).
Em outros
termos, de ver Santo Ambrósio trabalhar, e de estar no ambiente criado por
aquele Doutor da Igreja, Santo Agostinho sentia que aquilo fazia muito bem para
sua alma. Por isso, por causa de alguns colóquios que ambos tiveram, sermões
que dele ouviu e também pela leitura das obras de Santo Ambrósio, pode-se dizer
que este último cooperou muito consideravelmente para o fato que talvez seja o
mais importante da vida de Santo Ambrósio: haver convertido Santo Agostinho
que, por si só, é um capítulo na história do mundo e da Igreja.
Os senhores
vêem aí duas coisas bonitas em Santo Ambrósio:
1) O
apostolado de presença. Nós insistimos tanto sobre o
alcance desse apostolado. Muitas pessoas pensam que valem – para o nosso
Movimento – na medida em que falam, atuam e trabalham. É claro que isso tudo é
muito bom. Mas há um apostolado de presença que pode ser muito melhor do que
tudo isto. E desse fato deu provas muito eloqüentes Santo Ambrósio em face de
Santo Agostinho.
2) De outro
lado também os senhores estão vendo a confiança na Providência divina.
Se Santo Ambrósio fosse intemperante, teria interrompido todos os seus
trabalhos e passado a dedicar-se quase que exclusivamente em fazer apostolado
com Santo Agostinho, e depois iria trabalhar desordenadamente, em outra hora...
Ou pior: minguaria seus livros, faria uns livrinhos superficiais, por ter
atendido Santo Agostinho.
Santo
Ambrósio, não. Homem confiante na Providência, confiante no amor de Deus, na
Igreja Católica, fazia o que estava nas suas possibilidades. Era vontade de
Deus que escrevesse um livro, escrevia. Santo Agostinho que aproveitasse o
tempo que lhe fosse possível. Deus haveria de prover... e Deus proveu! Quer
dizer, essa confiança na Providência de também não querer fazer loucuras, de
não querer fazer absurdos, de ser temperante inclusive no próprio zelo
apostólico, é uma coisa rica em lições.
Mais
especialmente rica em lições - debaixo de um certo ponto de vista - é o fato de
Santo Ambrósio ter entestado com Teodósio.
Há fatos na
vida da Igreja que ficam como símbolos para todos os séculos da história
eclesiástica.
Santo
Ambrósio teve um atrito com o imperador Teodósio, que era um dos maiores
magnatas, dos homens mais influentes de seu tempo. E isto a propósito de
questões de seu pecado público. No momento em que Teodósio ia entrar na igreja,
encontrou Santo Ambrósio com todo o seu clero, do lado de fora, proibindo-o. E
enfrentando o imperador, este se arrependeu e se humilhou.
Essa atitude
do poder espiritual em relação ao poder temporal lembra um princípio ao qual
devemos ser sumamente afeitos: todas as grandezas humanas, sejam elas de que
natureza e título forem, por mais que sejam exaltadas e glorificadas na
sociedade civil, se se apresentam com vistas a enfrentarem a glória de Deus, é
missão do clero humilhá-las.
É missão do
clero, quando essas potências humanas não andam bem, enfrentá-las e colocá-las
em seu devido lugar. É missão do clero, por esta forma, tornar claro que todas
as coisas humanas, por mais altas que sejam, em face de Deus, não são nada! Em
face da eternidade, elas passam e se reduzem a nada! E que, afinal de contas, a
única coisa que fica sempre, que vale, e está acima de tudo, é a Santa Igreja
Católica, Apostólica, Romana, ou seja a Igreja de Deus.
Bossuet
afirmou isso em termos magníficos: "a missão da Igreja é a contenção
dos poderes da Terra."
E isso está
exatamente nos tais contrafortes tão característicos da doutrina defendida pelo
mensário "Catolicismo". Sendo nós a favor de uma hierarquia social e política altamente
apurada, destilada e de grande glorificação do poder civil recebido por uma
delegação divina, entretanto nós entendemos que - por maior que tudo isso seja
- também deve ter o seu limite, deve ter um freio. E que esse freio é dado
precisamente pela severidade do poder eclesiástico.
Quanto isto
é diferente de um vigário que treme diante de algum poderoso! O que se gostaria
de ver é o contrário: a força, a ortodoxia representada pelo clero fazendo
recuar, com olhar pastoral e terrível, a algum poderoso heterodoxo, ou a um
plutocrata endinheirado: "Ó ricaço, guarde esse seu dinheiro. Eu não
preciso disso e ninguém precisa disso; isso serve para sua condenação. Jogue
isso no bueiro e volte atrás porque aqui vale tal princípio, aqui vale tal
regra! E ainda que fiquemos condenados ao extremo da pobreza, ao extremo da
perseguição, Deus se rirá de sua fortuna, Deus se rirá de sua arrogância. Nós
ficaremos aqui pobres e sós, no cumprimento do nosso dever!"
Ver o
dinheiro humilhado, a força material humilhada, ver até o talento humilhado e
até a própria aristocracia do sangue humilhada quando ela vai de encontro à Lei
de Deus, isto é o contraforte de todas as grandezas humanas! E esse seria o
papel do clero nessa espécie de harmonia do universo.
Acho
importante ressaltar isso porque quando tratamos a respeito de rei, de nobreza,
de hierarquia social, etc., no fundo da cabeça fica algo e esse algo tem sua
razão de ser.
Nós
conhecemos qual é a fraqueza humana. E sabemos como os homens podem facilmente
ser arrastados por ela se se encontram numa situação proeminente. Temos uma
sensação de que não é próprio ao homem – caído no pecado original – ficar
exaltado tão alto sem ter nenhum freio.
Sabemos que
não é pelos inferiores que se limita o poder dos superiores, mas é pelos
superiores que se limita o poder dos superiores e que o poder dos máximos deve
ser limitado pela própria Igreja de Deus. Aí se estabelece o equilíbrio, aí se
compreende o contrapeso e se entende a harmonia profunda da própria ordem de
coisas que nós sustentamos.
O exemplo de
Santo Ambrósio, portanto, se põe diante de nós como portador de um ensinamento
profundo. E fazendo sentir melhor a harmonia de nossas teses, ele nos dá ainda
uma convicção maior e mais equilibrada de tais teses.
Santo do Dia – 07 de dezembro de 1964
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