(COMENTÁRIOS DE DOUTOR PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA SOBRE A SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA)
Nada mais oportuno, em torno do santo
nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, do que considerarmos o afeto, o amor e
a admiração indizíveis de Maria, a Mãe celeste, para com seu Filho único e
incomparável.
Embora sabendo-se o ápice e a mais eleita de
todas as meras criaturas, Nossa Senhora
é também modelo de humildade, e tem pleno conhecimento da infinita distância que A separa de seu Criador.
Trata-se, portanto, de uma humildade
teocêntrica, isto é, mais ainda do que a sua condição limitada de ser
humano, tem Ela em vista a inabarcável grandeza de Deus.
Tomando em conta essa perfeitíssima
disposição de alma, é compreensível que, no sublime e augusto momento em que a
Virgem Mãe trouxe ao mundo o Divino Salvador, tenha Ela, em primeiro lugar,
manifestado todo o respeito, toda a admiração e toda a adoração que Ele merece.
E somente num movimento posterior passasse a externar seu incomensurável amor
pelo Menino Jesus. Há nisso uma ordenação lógica de sentimentos e atitudes. De
fato, quando queremos muito bem a alguém, devemos começar por admirá-lo, porque
a admiração é o fundamento do amor.
Ora, no caso concreto da Santíssima Virgem,
tinha Ela para amar Aquele que, enquanto Homem-Deus, é o mais admirável ser da
Criação, hipostaticamente unido à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. E
Maria sabia, por revelação divina, que o fruto gerado em suas entranhas era
Este que se encontra acima de tudo, o Verbo Encarnado. Havia, portanto, para
essa admiração e esse amor, razões que excediam o fato de o Filho recém-nascido
ser sumamente belo e gracioso. Então, o primeiro pensamento d’Ela é para Deus,
no que Ele tem de magnificente: .Tão fraco, tão pequenino, entretanto o
Altíssimo, na sua infinita grandeza, na sua incomensurável admirabilidade, aí
está!.
Em seguida, Ela mede a profundidade dessa
União Hipostática, e a glória que tal União faz derivar, a torrentes solares,
sobre a natureza humana de seu Filho. Depois, começa a analisar o Menino, mas
com todo o afeto de mãe: contempla aqueles olhos nos quais reluz o brilho da
luz divina; toca-lhe os tenros braços, os pezinhos, e vai assim manifestando para com Jesus
recém-nascido sua insondável ternura materna.
Quando qualquer mãe se enternece com seu
bebê, no subconsciente dela está a seguinte reflexão: .Eis aqui um novo homem
(ou uma nova mulher). Que grandeza há numa criatura humana, chamada a levar uma
vida de extensa duração, a cumprir deveres
graves, os deveres da paternidade, os da maternidade, mas, sobretudo, os
deveres para com Deus, a ser boa filha ou bom filho da Igreja Católica, dominar
as suas paixões, santificar-se e ir para o Céu por toda a eternidade! Esse como
que projeto de anjo que está aqui, que coisa extraordinária! E como eu fico
enternecida vendo como algo tão grande cabe em tão pouco!.
Depois, quando ela considera que aquele é seu
próprio filho, ainda aí entra uma ternura muito grande, mas também uma imensa
admiração: .Que mistério admirável pelo qual eu, criatura humana, gerei outra
criatura humana! Que coisa misteriosa, profunda! Este menino nasceu de mim, foi
alimentado por mim, formou-se no meu claustro, eu o liberei para a vida e aqui
está tão pequenino, tão minúsculo e, entretanto, para ele existir, realizou-se
um vasto mistério, semeado de aspectos fascinantes..
De um lado, o belíssimo prodígio pelo qual de
um ser humano nasce novo ser humano. Mas, depois, essa outra misteriosa
maravilha: o instante no qual Deus, debruçando-se sobre aquele embrião que
começa a se formar, infunde nele uma alma. E lhe dá algo que a mãe não gerou,
que não veio do ato nupcial, e sim da infinita bondade do Criador. Mais ainda.
Por ser espiritual, essa alma confere àquele embrião uma participação na
natureza dos próprios anjos. Que coisa magnífica!
Horizontes que se
abrem para a nova vida
Assim, na ternura de uma mãe verdadeira, da
mãe bem orientada para com seu filho, transparece a consciência que ela tem de
toda essa série de mistérios que se formaram
nela: a carne da carne, o sangue do sangue, um .outro eu mesmo. dela, ao qual
se somou a obra divina, tão imensamente maior, soprando no novo ser uma alma
imortal.
E para essa alma, que horizontes se abrem,
ainda que consideremos apenas sua vida nesta terra! Horizontes de luta, de
batalha, de abnegação, como também de alegria, de vitória, de momentos em que
se tem a impressão de estar tocando o Céu com as mãos. Mas ainda, horizontes de
tristeza, de abatimento, de desfalecimento, em que se tem de pedir a Deus
graças para continuar a percorrer o caminho.
Tal reflexão faz surgir aos nossos olhos
outro aspecto do nascimento de uma criança. É que, segundo a Igreja, a vida de
toda criatura humana é comparável ao combate de um gladiador. Este, antes de
entrar na arena, prepara-se com exercícios, fricções, óleos, etc., a fim de que
toda a sua musculatura esteja em condições de enfrentar as feras ou outros
lutadores. Em seguida, munindo-se de suas armas e escudo, penetra na cena da
batalha. Quem, antes de ele ser chamado para a imensa contenda, o visse sentado, tranqüilo,
preparado para entrar na arena, não poderia deixar de admirá-lo.
Ora, assim é uma criança que entra no mundo.
Ela está no pórtico de uma imensa batalha. E seja ela menina, seja menino,
poder á a mãe dizer: .Batalhador!
Batalhadora! Eu te admiro porque és combatente do bom combate! Teu dever
é este. Uma vez que recebas o Batismo, a graça te chamará. E a partir desse
momento, começará uma vida sobrenatural em ti.
Estes devem ser alguns dos movimentos de
afeto e admiração de uma mãe em relação a seu filho recém-nascido.
Nossa Senhora em face
do Menino Jesus
Se assim ocorre com as mães comuns, que dizer
da Mãe das mães, Maria Santíssima, diante do Menino Jesus?
Sem dúvida, a alma d’Ela transbordava de
admiração e de carinho para com seu Divino Filho. Ela tinha o conhecimento do
mistério da Encarnação do Verbo, e bem sabia que aquele Ser, gerado em suas
imaculadas entranhas por obra do Espírito Santo, representava a remissão do
gênero humano. Ele era seu Filho, seu Deus, seu Redentor! E como tal Ela O
amava e venerava na Gruta de Belém.
Só na Gruta de Belém? Evidentemente, não.
Junto ao presépio, existe já todo o
desenvolvimento de uma história. Da história de ambos, Jesus e Maria. Do
período que Ele passou recolhido ao lado d’Ela e de São José. Do tempo em que,
após a morte do glorioso Patriarca, Ele prestava assistência à sua Mãe
Santíssima, num sublime convívio que extasiava os Anjos. Podemos imaginar os dois, sozinhos na casa em Nazaré,
à noite, após uma refeição que fora sóbria mas cheia de agrado, porque estavam
juntos, olhavam-se e se queriam bem. Que indizível felicidade o estarem unidos,
conversarem, trocarem pensamentos e desejos de alma!
Depois, em certas horas, enquanto Jesus
executava seus trabalhos de carpinteiro, Nossa Senhora meditava no que
aconteceria com Eles; vislumbrava aquele momento em que os Anjos haveriam de
elevar aos ares a santa casa de Nazaré e transportá-la para um lugar chamado
Loreto. E que ali um incontável número de peregrinos, provavelmente até o fim
do mundo, iria venerar as paredes sagradas onde ecoaram essas conversas; onde
se ouviram os risos cândidos e cristalinos do Menino Jesus; onde se ouviu a voz
grave, paterna e afetuosa de São José; onde se ouviu a voz modelada quase ao
infinito como um órgão, de Nossa Senhora, exprimindo adoração, manifestando
veneração, em todos os seus graus e modalidades. Em tudo isso Ela pensava.
Como pensava também nos milagres que Nosso
Senhor praticaria na sua vida pública, nas almas que Ele iria conquistar,
converter e salvar. Pensava em como toda essa bondade divina seria recusada
pelos judeus, em como Ele teria de sofrer o
esquecimento e a covardia dos Apóstolos, a traição de Judas e a morte na
Cruz.
Ela pensava em Pentecostes, na dilatação da
Igreja pela bacia do Mediterrâneo e por tantos lugares aonde chegariam os
discípulos de seu adorável Filho.
Com vistas proféticas, Nossa Senhora
considerava o reluzimento da Santa Igreja, saída vitoriosa das perseguições e
brilhando sobre a face do mundo. Ela pensou na extraordinária figura de São
Bento apartando-se da sociedade decadente do fim do Império Romano, fixando-se
nas grutas de Subiaco e dando início, ali, a uma vida espiritual da qual
nasceriam a Idade Média e a Civilização Cristã.
Mas, Nossa Senhora via também o processo de
derrocada e ruína dessa Cristandade e todos os seus desdobramentos até os dias
de hoje, lançando a humanidade na grave crise moral e religiosa que a
Santíssima Virgem haveria de censurar em Fátima.
E por que não imaginarmos que Nossa Senhora
considerou igualmente o triunfo de seu Imaculado Coração, por Ela prometido na
Cova da Iria?
E essa meditação em torno do Santo Natal
estende-se na consideração também da história individual de cada um dos que
participam dos nossos ideais. Do caminho que a graça percorreu nas almas de
todos, os altos e baixos, as correspondências e as infidelidades, as vitórias
sobre si mesmo, às vezes as derrotas, e novamente a vitória e a misericórdia de
Deus.
“Não me tireis os
dias na metade da minha obra”
Tudo isso nós devemos considerar quando
estivermos ante o presépio. E ao nos aproximarmos para venerar a maternal e
enlevada figura da Santíssima Virgem, a respeitosa e protetora figura de São
José, e, sobretudo, a imagem d’Aquele que é, segundo a Escritura, a pedra de
escândalo que divide a História ao meio . e tudo quanto está com Ele é bom,
tudo quanto é contra Ele é mau . façamos esta prece:
Eis-me aqui, Senhor Jesus Cristo, ajoelhado a
vossos pés, antes de tudo para Vos agradecer.
Agradeço a vida que me destes. Agradeço o
plano eterno que tínheis a respeito de mim, como de qualquer homem, um plano
determinado e individual. Agradeço-Vos por terdes posto uma luta no meu
caminho. Agradeço-Vos a força que me destes para resistir, para combater e para
rezar.
Grato Vos sou por tudo isso, Senhor. Porém,
há mais. Agradeço-Vos todos os anos de minha vida que já se foram e que se
tenham passado na vossa graça. Agradeço-Vos também os anos que se foram e que
não se passaram em vossa graça, porque Vós os encerrastes num determinado
momento, e eu abandonei o caminho da desgraça, para entrar novamente na vossa
graça.
Agradeço-Vos, ó Divino Infante, ó Menino
Jesus, pelas mãos de Maria Santíssima e de São José, agradeço-Vos o momento em
que eu disse .sim. ao vosso chamado e comecei a travar o bom combate por Vós.
Agradeço-Vos todo o auxílio que me destes
para eu vencer os meus defeitos.
Agradeço-Vos por não Vos terdes impacientado
comigo, e por haverdes me conservado vivo para que eu ainda tivesse tempo de
corrigi-los.
E se uma prece eu Vos posso fazer nesta noite
de Natal, Senhor Jesus, formulá-la-ei inspirado nas palavras do Salmista, que
Vos disse: Não me chames na metade dos meus dias (Salmo 101). E eu Vos digo:
Não me tireis os dias na metade da minha obra, e ajudai-me para que meus olhos
não se cerrem pela morte, meus músculos não
percam seu vigor, minha alma não fique privada de sua força e sua
agilidade, antes que eu tenha, por vosso louvor, em mim vencido todos os meus
defeitos, galgado todas as alturas interiores às quais me destinastes, e que no
vosso campo de batalha tenha eu, por feitos heróicos, prestado a Vós toda a
glória que esperáveis de mim quando me criastes. Assim seja.
(Revista “Dr. Plínio”, nº 9, dezembro de 1998)
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