(COMENTÁRIOS DE DR. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA SOBRE A SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA)
Na sua
última aparição em Fátima, durante o chamado milagre do sol, a Santíssima
Virgem fez ver à multidão ali reunida uma seqüência de quadros representando os
Mistérios do Rosário. A cada nova cena desenrolada no céu, mostrava-se Ela sob algum
título com que os fiéis habitualmente A
invocam. E foi assim que, na visão dos Mistérios Gloriosos, Ela surgiu como
Nossa Senhora do Carmo, cuja festa a Igreja celebra no dia 16 de julho. Como tudo o que
Maria Santíssima realiza tem sua razão de ser, haverá sem dúvida um nexo entre
essa manifestação de Nossa Senhora do Carmo, os Mistérios Gloriosos e a
mensagem de Fátima que Ela, naquela ocasião, revelava. Parece-me de grande
interesse, portanto, procurarmos aprofundar essa relação, considerando também a
especial beleza que ela encerra.
O termo
Carmo corresponde ao Monte Carmelo, no Oriente. Ali, segundo uma tradição
muito respeitável — e há todos os
motivos para admiti-la como verdadeira —, o Profeta Elias reuniu um grupo de
discípulos e com eles constituiu a Ordem do Carmo, em louvor da Virgem Mãe que
deveria vir, e na espera d’Ela.
Portanto, o
primeiro filão de devoção a Nossa Senhora, séculos antes de Ela nascer, foi
formado pelos filhos do Profeta Elias que A aguardavam. E Santo Elias
representa o extremo dessa devoção, porque, como é doutrina comum na Igreja,
ele deverá lutar no fim do mundo contra o Anticristo, o último inimigo de Nosso
Senhor e de sua Mãe Santíssima. Elias constitui, portanto, uma espécie de ponte
entre o início e o fim da devoção a Nossa Senhora na história da humanidade.
É de se
supor que, nos seus primórdios, essa devoção se desenvolveu e perseverou em
meio a toda espécie de dificuldades e objeções. Pois surgiu no tempo em que o
povo eleito cada vez mais se fechava à sua própria missão, ao seu próprio
espírito, e, por isso, haveria de ter repulsa a esse veio carmelita que
prenunciava a Virgem Mãe, assim como depois os hereges de todos os tempos tiveram ódio à devoção a
Nossa Senhora.
Provavelmente,
os eremitas do Monte Carmelo, representantes das primícias do amor à Santa Mãe
de Deus, foram perseguidos, malvistos, caluniados e silenciados. Apesar disso,
e na humildade de sua situação, previam o advento de Nossa Senhora.
E eles
tinham razão, pois Ela veio. E não só veio, mas recebeu a maior glorificação
que poderia ser tributada a uma mera criatura: tornou-se a Esposa do Divino
Espírito Santo, encarnando-se n’Ela o Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade.
Ao término
de sua sublime existência terrena, Maria teve uma morte extremamente suave: uma
separação da alma e do corpo efetiva e completa, mas de tal maneira delicada
que a Igreja, na sua linguagem incomparável, dá ao passamento de Nossa Senhora
o nome de “dormição”. Pouco depois, por desígnio e obra de Nosso Senhor Jesus
Cristo, a Santíssima Virgem ressuscitou e foi levada aos Céus em corpo e alma.
Assim recebeu Nossa Senhora outra glorificação: uma ressurreição à maneira da de Jesus, e uma
Assunção também comparável à Ascensão d’Ele. Aliás, na linguagem de outrora, Nossa Senhora da
Assunção é
igualmente chamada de Nossa Senhora da Glória, para significar o
incomparável brilho de que se revestiu o seu ingresso no Paraíso celeste.
Esse
desfecho da vida terrena de Nossa Senhora pode ser tomado como o término da
história do Carmo do Antigo Testamento
(embora já se estivesse, rigorosamente falando, no Novo Testamento). Aqueles
carmelitas tiveram a alegria e a insigne honra de cultuar a Santíssima Virgem
em carne e osso, e não através de imagens. Nada impede presumirmos que Nossa
Senhora subiu ao Monte Carmelo e ali se colocou à frente de seus filhos e
devotos, em horas de inefável convívio. As hipóteses piedosas, inteiramente
razoáveis, que a esse respeito se podem fazer, são inúmeras.
Com a
Assunção de Nossa Senhora e sua glorificação no Céu, essa etapa da existência
da Ordem Carmelitana
findou-se de modo magnífico, esplendoroso. Fica estabelecida uma relação entre
o Carmo e a glória: a devoção perseguida, fiel, profética, luta até o momento
em que é confirmada por Deus, e passa a reluzir no mais alto do Céu, na pessoa da Virgem
Mãe.
Depois,
recomeça a história do Carmo. A Ordem, existente apenas no Oriente
Próximo, desenvolveu-se um tanto, mas
tem-se a impressão de que os cristãos daquela região, nos primeiros séculos,
não lhe deram grande importância, privando-se dos benefícios que ela poderia
lhes trazer. Esta atitude para com o Carmo foi uma entre tantas infidelidades
da Cristandade oriental, que terminou castigada pelas invasões sarracenas, as
quais, entre outras calamidades, provocaram a fuga dos carmelitas para o
Ocidente.
A Europa,
toda católica, cheia de fé, empreendia as Cruzadas para a libertação dos
Lugares Santos. Nesse continente os frades do Carmo começaram a vaguear, como
membros de uma Ordem quase desconhecida, mal-admirada e à beira do
desaparecimento. A família religiosa de Elias parecia um tronco seco e velho,
fadado a se desmanchar em pó.
Era o
instante esperado por Nossa Senhora para fazer florescer, no alto da ressecada
vara, uma flor: São Simão Stock. Esse inglês de reconhecida virtude havia sido
eleito para o cargo de Geral da Ordem. Todavia, não exercia uma autoridade
efetiva sobre seus súditos, pois o Carmo ainda não possuía uma estrutura
jurídica coesa e uniforme, capaz de conservar um espírito, promovê-lo e
transmiti-lo à posteridade.
A virtude
compensava, porém, a falta de autoridade. Rezando a Nossa Senhora com muito
fervor, São Simão implorou-Lhe não permitisse o desaparecimento da Ordem do
Carmo. Em meio a essa aflitiva situação, a Virgem Santíssima apareceu a seu bom
servo [em 1251] e lhe entregou o escapulário, para se usar sobre a roupa.
Naquela
época os servos usavam uma túnica como traje civil. Sobre ela punham uma túnica
menor, que indicava, pela cor e por características peculiares, a identidade de
seu senhor. O escapulário do Carmo era semelhante a essa pequena túnica. Nossa
Senhora, portanto, entregava a São Simão Stock uma libré própria aos servos
d’Ela, para ser usada por todos os carmelitas, e prometia: “Aqueles que
morrerem revestidos dele, não sofrerão o fogo do inferno”. Quem usa
piedosamente o escapulário do Carmo, receberá a graça da perseverança final e
será libertado do purgatório no primeiro sábado após a morte.
A partir
dessa misericordiosa intervenção da Mãe de Deus, a Ordem carmelitana
refloresceu e conheceu outros períodos de glórias, acentuando por toda a Igreja
Católica a devoção à Santíssima Virgem. No suceder de esplendores iniciado
então, nasceram três sóis, para não citar senão eles, que hão de reluzir por
todo o sempre no firmamento da Igreja: Santa Teresa, a Grande, São João da Cruz
e Santa Teresinha do Menino Jesus.
Retenhamos,
então, a grandiosidade da história do Carmo: uma alternância de glórias e
infortúnios conducentes a um adelgaçamento que faz prever o desaparecimento.
Mas acontece uma intervenção de Nossa Senhora, que salva e dá incomparavelmente
mais do que se tinha antes. A prosperidade no Ocidente será muito maior do que
a verificada na Ásia.
A par de
sua insondável bondade, Nossa Senhora, ao intervir, mostrava também a confiança
que se deve ter n’Ela, bem como seu papel central nas obras que ama de modo
especial. Ainda que estas cheguem ao ponto de tudo parecer perdido, devem
esperar o momento que Ela se reserva para agir. Como dizia certo pensador
católico, as grandes intervenções da Providência são precedidas de situações
dramáticas, de modo a tornar clara a inutilidade de qualquer socorro humano.
Uma vez provado o
fracasso dos homens, e na própria hora da desolação e do caos, Deus intervém, e
Nossa Senhora se faz presente.
Lição de
confiança ainda mais necessária em vista do que ocorreu depois: enquanto a
Ordem fundada por Santo Elias conhecia novos brilhos e novas glórias, a
Cristandade que a acolhera tornava-se presa de um inexorável processo de ruína,
que se acelerava no decorrer dos séculos. Até que, em 1917, numa colina de
Fátima, Nossa Senhora censurou a decadência, recriminou o mundo pela torrente
de pecados em que estava imerso, e anunciou os castigos que haveriam de cair
sobre a
humanidade, caso esta não se arrependesse e se emendasse de suas faltas.
Depois, exprimindo-se com as famosas palavras que guardamos em nossas almas,
fez a promessa do Reinado d’Ela: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”
E aqui
voltamos à consideração daquele vínculo ao qual nos referíamos no início deste
artigo: no ápice das aparições em que Nossa Senhora proclama a efetivação de
sua realeza, sob a forma do triunfo do seu Coração Imaculado, Ela aparece
revestida do traje de sua mais antiga devoção — a do Carmo. E, desse modo,
realiza uma síntese entre o historicamente mais remoto, o mais recente — o
culto ao Imaculado Coração de Maria — e o futuro glorioso, que é a vitória e o
reinado desse mesmo Coração.
Eis várias
das razões pelas quais a festa de Nossa Senhora do Carmo nos é muito grata a
todos os filhos e devotos da Santíssima Virgem.
(Extraído da revista “Dr. Plínio”, nº 16, julho
de 1999)
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