Até a segunda grande guerra mundial restos do Ancién Regime e da antiga nobreza permaneciam
vivos na Europa, embora claudicantes e em vias de extinção. Era este o
desenrolar da história desde 1789 quando a Revolução iniciada na França começou
o processo de demolição das monarquias tradicionais da Europa. Nas páginas do “Legionário”,
Dr. Plinio dá uma aula de considerações históricas sobre o iminente
desaparecimento de duas dinastias seculares, a dos Habsburgs
(na Áustria) e a dos Hohenzollern (na Alemanha), cujos tritulares na época eram a Imperatriz Zita e o Kaizer Guilherme II.
O DESTINO
TRÁGICO DE DUAS GRANDES DINASTIAS
Passou
desapercebido para a maior parte dos leitores um fato que constitui o
desenrolar de um pungente drama individual e dinástico, ao lado da grande
tragédia da Revolução Espanhola.
A
notícia foi lacônica. Informou apenas que a ex-Imperatriz Zita se dirigiu a San
Sebastian, na Espanha, acompanhada do Príncipe Xavier de Bourbon.
Para
os iniciados, porém, ela tem um sentido profundo.
A
Imperatriz Zita é tia do Príncipe Xavier de Bourbon. E o Príncipe Xavier é
atualmente um dos trunfos mais influentes da política espanhola.
Em
meados do século passado, por razões dinásticas que seria supérfluo mencionar,
a casa real da Espanha bifurcou-se em dois ramos. De um deles, que se manteve
no poder até há pouco, descende Afonso XIII. Do outro ramo, descende o Príncipe
Xavier de Bourbon. Ambos os ramos reivindicam para si o direito de ocupar o
trono da Espanha. O ramo de Afonso XIII era liberal. O ramo do Príncipe Xavier,
que chefiava o famoso partido carlista, era anti-liberal e profundamente
católico. A este último ramo, diversas províncias da Espanha conservaram uma
fidelidade comovedora. Especialmente, destacou-se nisto a heróica Navarra. E
quando foi preciso revolucionar a Espanha, Franco pediu o auxílio dos
partidários do Príncipe Xavier, que se levantaram em massas, constituindo o
famoso exército de “requetés”, que marcha ao combate contra os comunistas,
entoando hinos à Virgem Santíssima e à monarquia. É um imenso exército de cem
mil homens, cada um dos quais é um herói disposto a morrer pela Espanha e pela
Igreja.
O que
caracteriza os “requetés” é uma inquebrantável disciplina ao Chefe da dinastia
a que juraram fidelidade. Uma simples palavra de sua parte é suficiente para
determinar os “requetés” a tomarem qualquer medida, por mais extremada que
seja, no terreno político ou militar.
Acontece,
porém, que o Príncipe Xavier é novo no difícil “mister” de Pretendente. Há
pouco tempo que é herdeiro do Trono de Espanha, pois que herdou quase inesperadamente
este direito do antigo Pretendente, o octogenário Príncipe Dom Afonso Carlos de
Áustria e Este, que morreu sem descendência direta.
A
imensa força política constituída pelos “requetés” parecia, pois, ameaçada de
ficar sem direção, prejudicando assim as possibilidades de restauração da
monarquia na Espanha.
PALADINO DE TRÊS TRONOS
É aí
que surge a figura heróica e quase novelesca da Imperatriz Zita da Áustria-Hungria.
Vendo
perigar os direitos de seu sobrinho, essa ex-soberana não hesita em atirar-se
na fogueira do turbilhão revolucionário, dirigindo-se à Espanha para influir
diretamente no rumo dos acontecimentos, parlamentando com diplomatas e
generais, banqueiros e políticos, como se fosse ela própria pretendente ao
Trono tradicional e glorioso de Isabel, a Católica.
A ex-Imperatriz
Zita é uma figura que se tem imposto à admiração de todos os políticos europeus
pelo vigor infatigável com que prossegue nas incessantes tentativas para a
restauração do Trono de seu filho, o Arquiduque Otto de Habsburg.
Casada
com o Imperador Carlos I da Áustria, a Imperatriz Zita foi destronada em 1918.
Exilada na Suíça com seu esposo, ela organizou duas expedições armadas à
Hungria, que fracassaram pela força das circunstâncias e pela pusilanimidade de
Carlos I, com grande mágoa da belicosa soberana.
Depois
da 2ª tentativa de restauração monárquica na Hungria, a família imperial
austríaca foi expulsa para a Ilha da Madeira, onde o Imperador Carlos morreu
tuberculoso na mais absoluta miséria.
Paupérrima,
a ex-soberana se viu, de um momento para outro, colocada como viúva sem amparo,
à testa da educação de seus pequenos filhos, reduzidos à mais absoluta
indigência.
Foi
então que se lhe estendeu a mão amistosa de Afonso XIII, que a acolheu na
Espanha, dando-lhe por residência um castelo condigno de sua alta situação.
Durante
alguns anos, Zita não deu a falar de si. Mal o Arquiduque Otto saiu da infância
para a mocidade, a irrequieta soberana começa novamente a se movimentar.
Mudou-se para a Bélgica, onde Alberto I lhe deu um castelo. O Governo austríaco
restitui-lhe grande parte da fortuna antiga, confiscada pela República. E o
partido monarquista da Áustria começa novamente a medrar, sob a alta orientação
da Imperatriz, a ponto de fazer dela um dos mais importantes trunfos da
política da Europa Central.
Tudo,
pois, recomeçava a sorrir na vida da desditosa soberana. Voltara-lhe a fortuna.
Voltara-lhe a influência. Seu filho, já agora um adolescente de grande
formosura e alto preparo intelectual, auxiliava eficientemente seus planos. E a
restauração monárquica na Áustria a na Hungria começava a parecer cada vez mais
próxima.
Nesta
situação risonha, abre-se a fogueira espanhola. E a Imperatriz Zita não hesitou
em brincar mais uma vez com o fogo da política...
Paladina
da restauração das tradicionais coroas da Áustria e da Hungria para o seu
filho, ela começa agora a trabalhar pela restauração de seu sobrinho.
Não é
difícil que um insucesso amargo venha coroar de espinhos os esforços da
Imperatriz.
Entretanto,
quando um dia se fizer a história de nosso século, os historiadores se
inclinarão com respeito diante dessa figura excepcional de mulher que, tendo
caído do alto do trono mais antigo da Europa, reergueu-se corajosamente para
enfrentar os acontecimentos que lhe eram adversos. Soube ela fazer pela causa
da monarquia na Europa, a qual é absolutamente dedicada por um puro idealismo e
não por um interesse vulgar, muito mais do que os inúmeros soberanos, ex-soberanos
ou pretendentes do mundo inteiro.
Ela
é, nestes século de materialismo grosseiro, uma figura enérgica e idealista,
que merece o maior respeito de todos os observadores.
É
possível que com o eventual insucesso de seus esforços, a dinastia dos Habsburg
desapareça inteiramente da História. Mas se isto se der, a Imperatriz Zita terá
sido um feixo de ouro na série dos soberanos austríacos, em nada inferior às
grandes tradições de Carlos V, Felipe II e Maria Teresa.
E se,
pelo contrário, ela conseguir seus objetivos, a História a aclamará como uma
das maiores realizadoras, no século dos super-homens, dos estados fortes, das “camorras
internacionais”, etc.
* * *
Muito
diversa é a história dos Hohenzollern.
Atirado
à Holanda pelos sucessos que determinaram a queda do Império Alemão, o ex-Kaiser
Guilherme II não teve de lutar muito contra a miséria. Nunca lhe faltou, como a
Zita, um teto condigno de sua posição. Mais tarde, o Governo alemão lhe restituiu
sua imensa fortuna, e ele passou a ser um dos homens mais ricos da Europa. Em
seu castelo de Doorn, mantém uma pequena corte, e um luxo principesco. De
costumes pessoais muito austeros, o Kaiser nunca forneceu matéria para o
noticiário sensacional das agências telegráficas, que tanto se ocupam com
o Duque de Windsor e o Conde de Covadonga. Mas sua vida de exilado tem
decorrido sem lances heróicos. O antigo general que figurava à testa de imensos
exércitos nas grandes paradas alemãs, parece ter perdido inteiramente sua fibra
de guerreiro.
É
certo que os partidários da monarquia, na Alemanha, não cessam de trabalhar.
Mas
as monarquias foram, na Alemanha, vítimas de um bluf que não iludiu a fina diplomacia
da Imperatriz Zita e dos católicos austríacos.
Este bluf
foi o hitlerismo. Hitler, até subir no poder, alimentou as esperanças dos
monarquistas com vivos ataques à democracia liberal, e com vagas frases de
simpatia ao antigo regime.
Os
príncipes da Casa dos Hohenzollern se deixaram enlear por essa manobra. Alguns
deles se inscreveram nas fileiras nazistas e chegaram a ocupar, sob o comando
do ex-pintor Adolph Hitler, altos postos na Hierarquia do partido. Houve tempo
em que o ex-Kronprinz era figura obrigatória em todas as paradas e desfiles
nazistas.
Muita
gente supunha - e os Hohenzollern mais do que ninguém - que a restauração da
monarquia estava por pouco.
Mas
Hitler subiu ao poder. E em lugar da política de Monk, adotou a de Cromwell,
exceção feita da decapitação. A restauração foi tardando. Aos poucos, o Kronprinz
foi sendo posto à margem. Medidas socialistas começaram a ameaçar os
proprietários de terras, quase todos aristocratas fiéis à monarquia. Enquanto
isto, os grande industriais ligados à finança internacional ficavam com as mãos
livres.
Finalmente
o hitlerismo se definiu: era anti-liberal, mas não anti-democrático. Do
tríptico da Revolução Francesa consentia em suprimir a liberté. Nunca, porém, a
égalité.
Ora,
quem fala em igualdade fala em supressão de privilégios. E, portanto, em
proscrição da aristocracia e combate à monarquia.
Com
isto, o hitlerismo arrancou a máscara que vinha usando para iludir os
monarquistas. Guilherme II percebeu que o trono estava bem distante de suas
mãos.
É provável
que um véu de melancolia se tenha estendido, então, sobre a velhice desse
imperial ancião. Deixando-se iludir por Hitler, ele consentiu em que seus
partidários abraçassem o nazismo. E o nazismo empolgou de tal maneira os
monarquistas, que muitos deles abandonaram definitivamente o I Reich pelo III
Reich.
Menos
enérgico do que Zita, Guilherme II nunca soube tentar um golpe de Estado, ou ao
menos instigar à distância seus partidários a que o fizessem. Apenas se
assinala um movimento na Baviera, de proporções insignificantes.
Menos
hábil, Guilherme II se deixou iludir pelos nazistas, enquanto os monarquistas
austríacos moviam guerra de morte ao fascismo que se infiltrava na Áustria,
percebendo nele o lobo socialista sob a pele do cordeiro reacionário.
E a
dinastia dos Hohenzollern vê afastar-se, na bruma das complicações políticas,
as melhores possibilidades de restauração.
Esses
erros têm desgostado profundamente os monarquistas alemães. E muitos pensam em
substituir a dinastia dos Hohenzollern pela dos Wittelsbach, que reinavam na
Baviera.
Com
isto, o trono iria parar nas mãos do cavalheiresco e heróico príncipe Ruprecht
da Baviera, um dos grandes heróis de guerra, popularíssimo na Alemanha.
E os Hohenzollern
cairiam em uma penumbra definitiva.
(Plínio
Corrêa de Oliveira - “Legionário”, N.° 247, 6 de junho de 1937)
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