A marquesa de Castiglioni, D. Marta, era estéril e
pedia constantemente a Nosso Senhor que lhe desse um filho, e que o mesmo
servisse a Deus como religioso. Fez votos de oferecer o filho a Deus e pouco
tempo depois, veio o mesmo a nascer, o que seria o primeiro de seus três
rebentos.
Não fora fácil aquele nascimento. Porfiavam ainda
os médicos que não era possível que o menino sobrevivesse, e o marquês, Dom
Ferrante, instava a que se procurasse salvar a alma da criança. A experimentada
parteira, logo que viu o menino o suficiente para poder receber a água do
batismo, antes que nascesse totalmente, batizou-o. Estávamos a 9 de março de 1568.
O marquês, como era soldado, queria que seu filho o
fosse também. Assim, quando Luís tinha apenas 4 anos mandou fazer uns arcabuzes
e outras armas em tamanho pequeno a fim de que a criança pudesse
carregá-las. Além disso, quando
preparava a armada contra Tunis, levou o filho consigo ao local onde deveriam
se reunir a fim de que o garoto criasse interesse pelas coisas militares.
Também, quando haviam paradas militares fazia-o ir à frente das tropas com as armas pequenas que mandara fazer para
que ele as conduzisse.
Quando o marquês partiu finalmente para a guerra,
enviou de volta seu filho para Castiglioni. A criança tinha aprendido, pelo trato e conversação com os soldados,
algumas palavras livres e descompostas que eles de ordinária empregam. Chegando
em Castiglioni começou a empregar tais palavras com a maior naturalidade, sem
saber ao menos o que elas significavam.
Um dia o seu preceptor o repreendeu por causa disso, e de tal modo que
desde aquele momento nunca mais se ouviu uma palavra descomposta sair de sua
boca, e, se escutava outros dize-las,
baixava os olhos de vergonha, ou virava
o rosto, mostrando seu profundo desagrado.
São Luís sempre considerou aquelas palavras, ditas
de forma tão ingênua e inocente, como os piores pecados que havia praticado em
sua vida, e delas chorou até o último momento de sua morte.
Chegado aos sete anos, que é quando começa a
amanhecer a luz da razão, decidiu dedicar-se inteiramente ao serviço de
Deus. De maneira que chamava a este
tempo o de sua conversão. E quando ele dava conta de sua consciência a seus
diretores espirituais contava como um dos mais assinalados benefícios que tinha
recebido de Deus que aos sete anos o tivesse convertido do mundo à Seu serviço.
São Luís esteve desde a mais remota infância
convivendo entre pessoas da alta nobreza, pois foi nascido na corte de seu pai
e passou anos na do grão-duque de Florença,
na do duque de Mântua e na do próprio rei de Espanha. Tendo sempre que
tratar com príncipes e senhores, com todo gênero de pessoas de categorias tão
elevadas, mas que numa época onde tais convívios eram cheios de vícios e de
maus costumes, no entanto conseguiu conservar sempre pura e limpa a vestidura
branca da inocência batismal.
São Roberto Belarmino, Cardeal, declarou o seguinte sobre São Luís::
provavelmente se pode crer que a Divina Providência, em todos os tempos, tem
alguns santos confirmados em graça enquanto estão vivos. "Eu para mim - completou - acho que um
desses confirmados em graça é nosso irmão Luís Gonzaga, porque sei quanto se
passa na sua alma".
Com a idade de nove anos, seu pai montou para ele
uma casa em Florença, a fim de que continuasse a educação na corte do
grão-duque.
Ali, alimentou especial devoção por uma imagem de
Nossa Senhora da Anunciata. Lendo um livro do padre Gaspar Loarte sobre os
mistérios do Rosário, sentiu-se abrasado em desejos de fazer algo por Sua
Senhora. Veio-lhe o pensamento de que seria serviço muito aceite que ele, para
imita-La quanto fosse possível na sua pureza, lhe consagrasse com particular
voto sua virgindade. Com este pensamento, estando um dia em oração diante da
imagem da Anunciata, fez em honra da
Virgem voto a Nosso Senhor de perpétua castidade, a qual conservou durante toda
a vida, inteira e perfeitamente.
Afirmam seus confessores, e em particular o Cardeal
São Roberto Belarmino, que São Luís em toda sua vida não sentiu nunca o mais
mínimo estímulo ao movimento carnal do corpo, nem um pensamento ou
representação lasciva da mente contrária ao propósito do voto que fizera.
Para se medir a altura de tão grande privilégio
dado por Deus, basta lembrar que o Apóstolo São Paulo pediu por três vezes a
Deus que lhe tirasse o estímulo da carne, que ele chamava agulhão. São Jerônimo por muito tempo fez rigorosas
penitências com mesmo fim e Santo Afonso Ligório reclamava deste
"agulhão" ainda no final da vida com mais de 90 anos.
Ainda que ele não tivesse batalhas nesta matéria,
pelo menos de forma visível aos circunstantes, a estima e o grande amor por
esta virtude fazia-o estar sempre em guarda do coração e sentinela dos
sentidos, especialmente dos olhos. Para se resguardar na posse de virtude tão
delicada, São Luís fugia sempre do trato com mulheres. Aborrecia tanto sua vista,
que quem o visse assim proceder pensaria que tinha por elas alguma antipatia
natural. Se acontecia alguma vez, estando em Castiglioni, que a marquesa sua
mãe lhe enviasse algum recado através de algumas de suas damas, ele saía à
porta de seu aposento, sem deixá-la entrar.
Fixos os olhos em terra, respondia ao recado e com isso despedia-se sem
olhar na face.
Nem mesmo com a mãe ele gostava de falar a sós. E
se alguma vez acontecia que, estando a falar com ela, os presentes saíam, logo
ele procurava uma ocasião para também sair. E se não a encontrava, cobria seu
rosto de um desagrado e uma vergonha virginal, indício do recato com que andava
na guarda desta sublime virtude.
Quando esteve na corte de Sabóia, encontrou-se uma
ocasião com um nobre já idoso, que não corava de pronunciar indecências em
presença do santo jovem e de vários outros mancebos. São Luís exclamou
indignado: "Pense nesses cabelos brancos - a gente havia de cuidar que
nessa idade findavam semelhantes tolices".
E retirou-se imediatamente do recinto, deixando o infrator envergonhado.
Em 1580 esteve São Carlos Borromeu, arcebispo de
Milão, visitando a diocese de Bréscia, e chegou a Castiglioni. Depois do sermão visitou São Luís, então com
12 anos e quatro meses. Estiveram os dois a sós em práticas espirituais tão
longo tempo, que ficaram espantados todos os que os aguardavam. Consolava-se o
arcebispo de ver a tenra planta tão forte
no meio dos espinhos da corte, sem arte de jardineiro, mas só com as
graças do céu. O menino alegrava-se em estar com o santo bispo, cuja fama de
santidade já era grande, tomando suas palavras e avisos como vindos do próprio
Deus. Fez na ocasião sua primeira comunhão.
Certo dia, o santo menino teve o seguinte
pensamento, contado depois a seu diretor espiritual: "Olha Luís, que
grande bem o da Religião! Estes padres estão livres dos laços do mundo,
afastados das ocasiões de pecado. O tempo que os do mundo gastam sem proveito
em procurar os bens transitórios e prazeres vãos, eles empregam com grande
mérito em procurar os bens do Céu, e tem a certeza de que seus esforços não
ficaram malogrados. Os religiosos são verdadeiramente os que vivem segundo a
razão e não se deixam tiranizar pelas paixões;
não pretendem honrarias vãs, não fazem caso dos bens da terra, caducos e
frágeis, não estão em comparação de uns com os outros, não têm inveja dos
outros, mas estão sempre contentes em servir a Deus. Por que estranhar que sejam alegres e sem
medo, nem sequer da própria morte, do juízo e do inferno, se trazem sempre a
consciência limpa, se dia e noite acumulam novos tesouros, se estão sempre
ocupados ou com Deus ou por Deus? O testemunho da boa consciência dá-lhes
aquela paz e tranqüilidade interior, de onde provam a serenidade que
transparece por fora. Aquela esperança bem fundada que eles têm dos bens do
céu, aquele se lembrar a quem eles servem e em cuja corte estão, a quem não
alegrará? E tu, Luís, o que fazes, o que dizes, o que pensas, por que não tomas
um estado tão feliz? Olha as magníficas promessas que Deus faz a estes. Olha as grandes comodidades para acudir as
suas devoções, sem estorvos"
São Luís estava visitando sempre o convento dos
barnabitas, onde se confessava e comungava com freqüência. Anteriormente, o
menino já havia tomado a decisão de deixar a seu irmão menor, Rodolfo, a posse
do marquesado de Castiglioni, do qual era herdeiro por ser o mais velho.
Continuava sua meditação:
"Se deixando o estado a teu irmão Rodolfo,
como estás resolvido, queres ficar no século em sua companhia, forçoso será que
vejas muitas coisas que não sejam de teu gosto.
Se ficas calado, eis o escrúpulo de consciência. Se falas, tornar-te-ás
pesado, e não quererão ouvir-te. Mesmo
que queiras ser eclesiástico ou sacerdote, não alcançarás teu desejo. Pelo contrário, tendo uma maior obrigação de
dizer com perfeição do que os leigos ficas nos mesmos perigos que eles, e talvez até maiores. Não ficas livre de respeitos humanos, mas
obrigado a empregar teu tempo em cumprimento, seja com este senhor, seja com
outro. Se não tens trato com mulheres,
nem visitas às parentes, serás apontado; se cumpres com elas, eis teu propósito
que vai por terra. Se queres aceitar
dignidades e bispados, ficas mais no mundo do que agora estás. Se não aceitas,
dirão que és pouca coisa e que desonras tua casa, e por mil caminhos te
apertarão para te fazer aceitar".
Estava ele levantando as dúvidas, para depois
surgir a solução:
"Entrando em Religião, de um golpe cortas com
todos esses empecilhos. Ficas livre de todos os respeitos do mundo, e atinges
um estado no qual gozes de quietude, e podes servir a Deus com
perfeição". Estas e outras razões
se dava si próprio, segundo ele contou. Finalmente, depois de se ter
encomendado a Deus com grande afinco, para que o iluminasse, após muitas
comunhões oferecidas com este fim, julgando que Deus o chamava para este
estado, resolveu-se a deixar o mundo e entrar numa Ordem religiosa, ordem onde
pudesse fazer votos perenes de castidade
e pudesse guardar o de obediência e pobreza evangélica.
Por causa de sua pouca idade, não quis participar
seu propósito a ninguém. Pouco depois, teve que acompanhar seus pais até à
corte real, em Madri, onde tornou-se companheiro de estudos dos príncipes
reais.
Seu confessor escreveu mais tarde sobre o jovem
santo: "Conheci na Espanha a Luís,
e notei nele uma pureza rara de consciência. Tanto que durante todo aquele
tempo, que foi de alguns anos, não só não achei nele pecado mortal, o qual ele
aborrecia sumamente e jamais tinha cometido, mas muitas vezes não achei matéria
de absolvição. Adverti também nele uma singular modéstia e recato nas palavras,
não tocando com elas a ninguém, nem de mil léguas, em coisa mínima que fosse.
Não é pouca coisa dizer que um senhor tão jovem, vivendo em tais palácios, não
se achasse nele matéria de absolvição, nem sequer de pecados veniais. Da modéstia e recato que tinha no olhar, ele
próprio confessou que apesar de que viajou de Itália a Madri com a imperatriz,
e ia cada dia na casa dela, e tendo mil ocasiões de vê-la de longe e de perto,
jamais fitou-a uma só vez no rosto".
Naquele tempo não se importava de usar roupas
velhas e algumas, principalmente as interiores, remendadas. Não usava qualquer
objeto de ouro ou jóias, coisa comum entre os fidalgos. Por causa disto, sofria severas repreensões
de seu pai, acusando-o de desonrar a família com trajes pouco dignos de sua
posição.
Suas conversas na Corte eram tão graves e
religiosas, que sua simples presença fazia com que as pessoas ficassem
compostas e sérias. E como não escutavam nunca dele palavras nem viam ações que
não fossem mais do que honestas, era comum fazerem comentários dizendo que
"o marquezito não era de carne como os demais", quer dizer, era um
anjo.
Após permanecer um ano e meio em Madri, finalmente
tomou a resolução de entrar na Companhia de Jesus. Moveu-o a isto quatro
razões: a primeira, porque nela a observância estava no primeiro rigor e
pureza; a segunda, porque lá faz-se votos de não pretender qualquer cargo
eclesiástico; a terceira, por ver na Companhia tantos meios de estudo e de
instrução da juventude; a quarta razão era porque a Companhia se ocupava
especialmente em combater os hereges e na conversão dos gentios.
Lutou por mais de quatro anos para convencer seu
pai a autorizar seu ingresso na Companhia de Jesus. E a autorização paterna
surgiu exatamente por causa da fervorosa luta que o jovem vinha travando para
preservar sua pureza. Procurava proteger sua inocência como se faz um baluarte
para defender uma cidade contra a invasão inimiga. E para isto se utilizava de
austeras penitências, que naqueles tempos era recurso comum entre os
santos. Inúmeras vezes levava noites em
claro fazendo rigorosas penitências, de joelhos no duro chão.
Certo dia, disciplinou-se São Luís com maior
violência a fim de mover os céus que lhe concedesse a graça da autorização
paterna para ingressar na Companhia. Alguns criados da casa ouviram os
estrépitos dos golpes de sua auto-disciplina e conseguiram observar o que
ocorria por uma fresta da porta. A cena era tocante, os criados não queriam
ficar omissos, e por isso correram e foram contar tudo ao marquês, o qual,
comovido, disse:
- Deixa, meu filho, poupa a tua vida. Leva a cabo o
teu propósito, em nome de Deus, e segue em paz.
Era, afinal, a tão esperada autorização para
ingressar na Ordem. Vencida a mais difícil batalha de sua vida, por fim, em
Mântua, na presença do Imperador e de muitos nobres, quando tinha 17 anos, leu
o notário o instrumento de renúncia dos seus direitos de primogenitura em favor
de seu irmão Rodolfo. Após assinar, disse ao irmão: "Qual de nós vos
parece, meu irmão, que está mais contente - vós, com os vossos estados, ou eu
com a minha pobreza? Tende por certo que é maior a minha alegria que a
vossa". Estava assim desimpedido o caminho para que o jovem aspirante
pudesse fazer os votos de ingresso na Ordem que Deus lhe inspirara.
Não completou seis anos na Companhia de Jesus, falecendo mártir da caridade ao atender os
empestados de Roma no ano de 1591,
a 21 de junho, data em que é festejado. Sua mãe chegou a
assistir a cerimônia de beatificação de São Luís, ocorrida já em julho de 1604.
Foi canonizado por Bento XIII em 1724 e pelo mesmo Papa eleito como o patrono
da juventude.
(Dados
extraídos de "Vida de San Luís Gonzaga, patrono de la juventud", do
pe. Virgílio Cefari, SJ - e de "Santos
de Cada dia", de José Leite, S.J.9-*)
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