Uma
observação de São João Bosco esclarece a causa da Revolução
Plinio
Corrêa de Oliveira
(“El
Cruzado Español”, Madri, 1959 )
"Cruzado
Espanhol" honra-me reproduzindo em suas colunas boa parte do meu estudo
sobre "Revolução e Contra-Revolução". Tal publicação fez-me ver que o
assunto interessa aos leitores da citada revista. Assim é que me proponho, na
presente colaboração, tratar - embora ligeiramente - duma questão inteiramente
relacionada com o tema de meu estudo, mas que, pelo amor à brevidade, não desenvolvi
tanto quanto seria meu desejo.
* * *
Entrarei
na matéria de modo talvez um tanto inesperado.
Folheando
escritos de São João Bosco, encontrei a seguinte curiosa observação:
"Primeiramente, no que se refere aos maus, direi apenas uma coisa, que talvez
pareça inverossímil, mas que é verdade certa, tal qual a digo: suponhamos que
entre 500 alunos de um colégio haja um de vida depravada; chega depois um novo
aluno pervertido; são de regiões e lugares diferentes, até de nacionalidades
diversas, estão em cursos e lugares diferentes, nunca se viram nem se
conheceram; apesar de tudo isto, no segundo dia de estadia no colégio, e talvez
após algumas horas, vê-los-eis juntos durante o recreio. Parece que um espírito
mau os faz adivinhar quem está manchado de seu mesmo negrume, ou então é como
se um ímã demoníaco os atraísse para travar íntima amizade. O `dize-me com quem
andas e te direi quem és´ é um meio facílimo de dar com as ovelhas sarnentas,
antes que se transformem em lobos rapaces. Não são para colégios
correntes" (Biografia S.D.B. - B.A.C. - Madri, 1955 - págs. 457/58)
Testemunho
de observador tão veraz, experimentado e competente em assuntos pedagógicos,
não pode ser posto em dúvida.
No
entanto este testemunho põe-nos na presença de fato que não é difícil observar,
mesmo entre adultos, tanto nos episódios rotineiros da vida quotidiana quanto
nos grandes acontecimentos históricos. Quando o mal chega a um certo nível de
profundidade nas almas, estas ficam dotadas de uma agudeza de vistas que lhes
permite, através de indícios que a outros poderiam parecer insignificantes,
chegar a reconhecer de longe os seus congêneres. A tal agudeza de vistas
junta-se uma outra peculiaridade: uma recíproca atração que os une rapidamente,
em íntima convivência, apesar das muitas circunstâncias que os possam separar,
como diferença de origem, de idade, etc. É fácil verificar como da conjunção de
elementos de tal índole origina-se, naturalmente, um grupo e até uma corrente,
que funciona como um tumor que destila veneno.
3. O
ódio concita à luta - É uma conseqüência forçosa. Quem se encontra mal num ambiente,
pugna por modificá-lo. E, ao defrontar-se com obstáculos, pugna para eliminá-los.
Se estes obstáculos não se deixam eliminar passivamente, dão lugar à luta.
5. Da
permanência de tais esforços articulados resulta uma organização -
Também isto é óbvio. Elementos ligados entre si permanentemente, por afinidade
profunda de mentalidades, identidade de objetivos e íntima conexão de esforços,
não tardarão em elaborar um sistema ideológico, um programa e uma técnica de
ação comuns, e em constituir um órgão diretivo. Nesse momento estará traçado o
itinerário, que vai do simples fato da existência de alguns "maus",
que se intuem reciprocamente e se põem em contato, até à formação de uma
associação. Oculta como a maçonaria, semi-oculta como o jansenismo ou o modernismo,
declarada como o luteranismo ou o comunismo, esta associação se propõe ao
combate em todos os terrenos - ideológico, artístico, político, social,
econômico, etc. - para a conquista de seus objetivos. Numa palavra, faz revolução.
O ódio ao bem
A
causa motriz de toda esta sucessão de fenômenos é o ódio ao bem, engendrado
pela perversão quando esta atinge certo nível de profundidade.
Insisto
em tal asserção. E sei que, quando a perversão alcança tal nível de
profundidade, desperta essa misteriosa capacidade de detectação e atração
mútuas, que São João Bosco descreve, e que constitui o ponto de partida inicial
de toda revolução organizada. Grande número de pessoas simpatiza com os bons;
se cometem algum pecado, fazem-no com vergonha e tristeza. De gente assim, enquanto
moralmente não caia muito, não há de se receiar uma conjuração. Noutros a perversão
chega a atacar profundamente a humildade, até o ponto de ocasionar uma cínica
indiferença ante o pecado, e até uma rebelião contra os bons e o bem.
Não
se diga que o ser racional é incapaz de odiar o bem. Convém recordar aqui os
"distingos" que o assunto comporta. Recordemos de passagem que, se
isto fosse pura e simplesmente assim, os anjos maus não teriam odiado a Deus,
que é o Sumo Bem. Além disso, tal aversão pode consistir simplesmente numa
antipatia. Pode esta, pois, engendrar incompreensões, fricções, incidentes, sem
por isso dar origem a uma conjuração ou a uma luta, mas casos há que demonstram
um estado de espírito muito mais agressivo. Em tal sentido, o ódio de Caim
contra Abel parece-me característico. Mais ainda o do Sinédrio contra Nosso
Senhor.
Passando
deste fato excelso para um fato contemporâneo, lembro-me de uma notícia que li
recentemente. Nos Estados Unidos um grupo de “play-girls” agrediu uma jovem
colega, reduzindo-a a um estado físico deplorável. Interrogadas pela polícia,
as delinqüentes declararam que não tinham nenhuma queixa pessoal contra a
vítima. A única razão de sua atitude agressiva foi que aquela colega era tão
exemplar em seus estudos, em seu comportamento e em sua indumentária, que o
mero fato de sua existência tornava-se insuportável para as agressoras. Se
imaginarmos tal estado de ânimo, não em fúrias sem inteligência nem serenidade,
mas em pessoas equilibradas, ponderadas e tenazes, teremos deixado a descoberto
aquilo que origina uma pujante e perigosa associação, que poderá ocasionar o
fim de uma era histórica.
Quase
todas estas considerações são bastante conhecidas, pelo menos quando analisadas
individualmente. Mas, em geral, elas se apresentam ao espírito confusas e
isoladas. Postas a nu e reunidas dentro de um corpo de doutrinas e observações,
sob a forma de rasgos correntes e unidos, entrevemos algo de novo.
Demonstrarei, em poucas palavras, no que consiste este algo.
A simpatia e conivência dos
moderados
Pelo
que vimos até agora, dois aspectos do mal foram postos em evidência. Um
engendra a Revolução; e o outro, diante da presença do fenômeno Revolução, a
que atitude induz?
Pelo
mesmo princípio de atração do mal pelo mal (simile simili gaudet), que é
a explicação profunda do fenômeno tão agudamente observado por São João Bosco,
se depreende que o mal mais sutil fica atraído, hipnotizado e dominado pelo
mais intenso. Assim se explica que as correntes moderadas da Revolução nunca
lutam séria e duradouramente contra as correntes extremas. Os girondinos no
século XVIII, os partidários da monarquia parlamentar inglesa no século XIX, os
partidários de Kerensky no século XX, situados frente à Revolução, acabaram
cedendo sempre, ainda quando lutaram com as armas na mão contra ela e a venceram
temporariamente. Assim, a burguesia francesa venceu a comuna de Paris, e,
segundo as aparências, opôs um dique à Revolução. Mas, assumindo o poder, essa
mesma burguesia favoreceu o desenvolvimento do processo revolucionário. Mais
ainda. Postos ante a Revolução e a Contra-Revolução, os revolucionários
moderados flutuam, em geral tratando de pleitear conciliações absurdas. Mas,
por fim, favorecem sistematicamente a primeira contra a segunda.
Como
se explica isto, quando tantas vezes os mais altos e mais patentes interesses
econômicos, as distinções mais honrosas, a formação tradicional mais profunda,
os motivos de parentesco e amizade mais imediatos e ternos, deveriam induzir os
"moderados" a aliar-se com a Contra-Revolução? Quantos foram, nas fileiras
dos "moderados", os homens de talento que dispuseram de todos os
recursos intelectuais para ver que suas perpétuas capitulações os iam
arrastando ao abismo, e com eles toda sua descendência, e não obstante foram
cedendo sistematicamente, como se esse mesmo abismo fatalmente os fascinasse?
Responder
a esta pergunta é explicar a causa mais essencial das vitórias sistemáticas dos
extremistas, nos processos revolucionários, pois estes foram sempre, ou quase
sempre, pouco numerosos, pouco brilhantes ou de parcos recursos financeiros.
Suas vitórias, na maior parte dos casos, foram devidas à timidez, à cegueira, à
fraqueza e à resignação dos "moderados", geralmente ricos, influentes,
numerosos e, invariavelmente, à disposição deles, preferindo tudo a apoiar
seriamente as hostes da Contra-Revolução, em geral também pouco numerosas,
pobres, etc.
Sem
dúvida alguma, a inércia e o medo são características das classes ricas, e
explicam em parte este fenômeno. Para nós, porém, não explicam tudo. Pois, de
um lado, nem todas as classes ricas são vacilantes e medrosas. Por exemplo, não
adoeceu deste defeito a nobreza européia na época das Cruzadas e da Reconquista.
São pois as elites decadentes que adoecem deste mal.
Antipatia em relação à
Contra-Revolução
Mas
o medo das elites decadentes não explica tudo. É notório que, se de um lado
revelam ter medo do extremismo revolucionário, de outro emitem idéias
passageiras e involuntárias de simpatia em relação ao citado extremismo. Por
outro lado, em relação ao radicalismo [no sentido etimológico da palavra, ou
seja, que possui raízes] contra-revolucionário não manifestam medo, mas sim uma
antipatia sistemática e mal velada. Além disso, esta simpatia e antipatia, tão
estáveis e impulsivas, têm que desempenhar forçosamente um papel, que seria um
erro subestimar ao se levar em conta a atitude dos revolucionários "moderados".
Isto
posto, como se explica essa simpatia? A que obedece? Os "moderados",
aparentemente tão apegados ao dinheiro, à saúde e aos prazeres do espírito
revolucionário, somente temem alguns poucos contágios. Será que eles, neste
caso, são idealistas abnegados (no mau sentido da palavra, é claro)? As
aparências diriam que não. Mas os fatos, bem observados, demonstram que de
certo modo o são, e que esse "idealismo" desempenha um profundo papel
na sua psicologia e nas suas atitudes. De que modo?
O
espírito revolucionário constitui uma grave deformação doutrinária e moral. E
isto apesar de coexistir, em muitos casos, com costumes incontaminados e uma
indiscutível probidade nos negócios. São Pio X, na Encíclica "Pascendi",
fez notar este ponto no que se refere ao modernistas. Quem tem este espírito,
ainda que seja por participação, incorpora-se à misteriosa dinâmica do mal,
descrita por São João Bosco. O espírito revolucionário, em sua forma moderada,
se não suscita aquela capacidade de mútuo conhecimento e de articulação
dinâmica, produz um fenômeno análogo, mas mais fraco. Este fenômeno é uma antipatia
profunda, ainda que discreta e sutil, contra tudo aquilo que se opõe à
Revolução.
Tal
antipatia tem de particular o fato de que quase nunca se engana, e que qualquer
manifestação do espírito contra-revolucionário, ainda que sutil e velada, é por
ela discernida, rechaçada e até hostilizada. É por isto que, sem chegar a tomar
a iniciativa de sacrificar seus interesses em prol da Revolução, aceita sem
protestos este sacrifício e talvez se console com ele, pelo simples fato de que
sua profunda antipatia para com a Contra-Revolução fica satisfeita com os
progressos da Revolução.
O
fato é espantoso. E seria até para não se acreditar, se não fosse patente no
mundo inteiro. Quantas estirpes aristocráticas ou burguesas há, destruídas e
expulsas pela Revolução, que renunciam a qualquer luta e vivem resignadas,
quase alegres, numa situação obscura e quase proletária, perfeitamente
integradas no mundo revolucionário do qual são vítimas. Escrevendo isto, penso
em numerosos exilados russos, e mais particularmente em tantos clérigos
cismáticos, que não se preocupam com outra coisa que não seja algum acordo com
o comunismo. Desalento? Em parte, sim. Mas desalento sem rancor, quase alegre,
no qual se vê claramente o sorriso de uma secreta simpatia, talvez até
subconsciente. De onde se vê bem que não é o interesse que dirige a História, e
que esta não é primordialmente um conflito de interesses, mas de princípios,
uma luta entre a Verdade e o erro, entre o Bem e o mal, entre a Luz e as
trevas.
O papel do demônio
Qual
é o papel do demônio nesta luta? Ou, ao menos, qual sua ação no fenômeno
descrito por São João Bosco?
No
texto citado o Santo admite claramente, como plausível, a ação preternatural.
De nossa parte, estamos persuadidos de que esta é imensa. Mas este aspecto do
problema não faz parte do tema deste artigo, no qual quisemos esboçar
brevemente os contornos psicológicos de ordem natural, que operam por si
próprios, mas sobre os quais o demônio pode ter influência, atuar com freqüência
e com terrível eficácia, para fazer dos homens instrumentos e vítimas da
Revolução, da qual ele foi o primeiro fautor e continua sendo o fator
principal.
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