A arte de conversar desenvolveu-se
admiravelmente no decorrer do “Ancien Regime”, atingindo o mais elevado grau
nos salões franceses do século XVIII. Tratava-se de um local convenientemente
preparado para reuniões sociais, geralmente em casa de alguma dama ilustre e
hábil em conduzir as conversas dos convidados. Note-se que elas abriam os
salões de suas casas para aquelas reuniões rotineiras sem almejar qualquer
vantagem pessoal, mas apenas pelo prazer de ter em sua casa a conversa tão
agradável daquelas figuras que convidava. Ou às vezes nem convidava, pois elas
apareciam sem ser chamadas... E a madame
cobria todos os gastos com a reunião, que não eram pequenos.
Que eram os salões e como
surgiram? Inicialmente se constituíam em meros círculos informais, formados por
apreciadores da bela linguagem, das boas maneiras, dos ditos de espírito. Aos
poucos foram paulatinamente se transformando em núcleos de solidificação e
preparação das idéias revolucionários, a tal ponto que, a partir de meados do
século XVIII, eles puderam ser qualificados por diversos historiadores de
"laboratórios de opinião pública", "centro de propaganda filosófica",
"antecâmaras do poder" e
outras expressões do gênero. Estavam eles,
pois, em condições de desempenhar papel relevante na preparação da opinião
pública para a Revolução Francesa. Embora não tenha sido este o objeto primordial
ao se formarem, pois poderiam também ter tido papel preponderante na formação
de uma opinião pública contrária à Revolução, a depender dos formadores da
referida opinião que os freqüentavam.
Os salões franceses eram freqüentados
por todo tipo de gente: filósofos, artistas, escritores, políticos, diplomatas,
burgueses e até plebeus. Eram reuniões inesgotáveis em conversas, em
“plaisanteries” de toda espécie, mas temperadas sempre pelo senso apurado do
bom tom e das conveniências. Por seu talento, categoria e urbanidade, os salões
com suas conversas eram o centro de Paris e faziam dela a capital do mundo.
Abaixo enumeramos os mais famosos e
suas proprietárias.
Mme. de Lambert (1647-1733) - "Em 1710 - relata Picard - abre
seu salão Mme. Lambert. Mulher do século XVII por seu nascimento, sua educação
e seus costumes, (...) era do século XVIII pela orientação de seu pensamento e
pela liberdade de seus julgamentos (...)
"Ela abria a porta para a livre
crítica das idéias filosóficas, políticas e religiosas. Mme. de Lambert foi uma
das primeiras mulheres filósofas. Sem ser propriamente um "espírito
forte", ela não tem mais a devoção perfeitamente conformista do século
XVII. Ela fala da religião sem fé
profunda, mas com decência. Eminentes prelados, como Fénelon, freqüentavam seu
salão sem apreensão e, como escreve d'Argenson, "sua casa fazia honra a
todos aqueles que eram aí admitidos. Ela
recebia, outrossim, o Pe. Choisy e o Pe. Chaulieu, (...) ambos epicuristas e libertinos.
Mme. de Tencin (1685-1749) - "Quando Mme. de Lambert morreu -
comenta Calvet -, os escritores acostumados a se reunirem em seu salão passaram
para o de Mme. de Tencin. Esta mulher
pouco recomendável conseguiu, à força de habilidade e de espírito, governar um
salão brilhante e poderoso, onde eram vistos com freqüência Fontenelle,
Marivaux, o padre de Saint-Pierre, Montesquieu, e onde estrangeiros ilustres
vinham tomar contato com Paris.
"Toda dada à intriga, liberada de
qualquer escrúpulo, Mme. de Tencin encorajava
as idéias novas que se elaboravam devagar, sem todavia aparecerem claramente.
"Neste salão - assinalam os
Goncourt -, o primeiro na França onde o homem era recebido com atenções
proporcionadas não à sua categoria social, mas à sua inteligência, os escritores iniciaram o grande papel que
teriam no mundo daquele tempo. Foi de lá, da casa de Mme. de Tencin, que eles
se espalharam pelos salões e chegaram, pouco a pouco, a dominar a sociedade.
Domínio este que lhes valeu, ao fim do século, um lugar tão proeminente no
Estado".
Mme. Geoffrin (1699-1777) - "Segundo Calvet, "formada por
Mme. de Temcin, Geoffrin recolheu a herança de seu salão e, a partir de 1748,
reuniu em sua casa todos os escritores que pertenciam ao partido dos filósofos.
Ela dava dois jantares por semana: o de segunda-feira para os artistas (Vanloo, Vernet, Bouchet, La Tour , Lagrenée, Soufflot), e
o de quarta-feira para os escritores (d'Alembert, Marmontel, Morellet,
Helvétius, Raynal, Thomas, Grimm, d'Holbach).
Ela tornou-se assim a patrona da
"filosofia". Exercia uma
autoridade indiscutível. Seu salão era administrado como uma instituição; ela
vestia, alimentava, dirigia, repreendia os filósofos. Muito sensata e com um fundo de vaga religiosidade,
ela os controlava em suas audácias, evitando-lhes assim os excessos comprometedores.
O salão de Mme. Geoffrin foi, durante vinte anos, o centro de difusão mais
ativo das idéias novas.
"Escrevem os Goncourt, segundo os
quais o salão de Mme. Geoffrin era o salão da Enciclopédia:
"Viu-se, pela acolhida dada à
literatura, um salão burguês, elevando-se ao primeiro posto entre os salões de
Paris, transformar-se em um centro de inteligência, em um tribunal do bom
gosto, onde a Europa vinha receber a palavra de ordem e de onde o mundo inteiro
recebia a moda".
O pintor
Lemonnier representou uma cena de uma das reuniões no salão de Mme. Geofrin,
com o título de “Uma Leitura de D’Alembert no Salão de Madame”. D’Alembert lia
a Enciclopédia, e o fato a que se refere o quadro foi a polêmica despertada
pelos jesuítas contra a Enciclopédia, objeto de uma instrução pastoral que foi
muito criticada pelos revolucionários .
Mme. du Deffand (I697-1780) - Como assinala Calvet, 'muito diferente
de Mme. Geoffrin era Mme. du Deffand.
Dotada de um espírito ousado, sem escrúpulos, sem princípios, sem pudor,
sem ilusões de nenhuma espécie, ela foi sempre uma vanguardeira no século, por
sua ousadia. (...)
"Escritores, grandes senhores e
estrangeiros disputavam seu salão, que exercia por isso mesmo uma grande
influência. Ficando cega, tomou por leitora Mlle. de Lespinasse, que em breve
separou-se dela e fundou seu próprio salão".
Mlle. de Lespinasse (1732-1776) - Quando Mme. Geoffrin, envelhecida, não
exercia mais um império tão absoluto - continua Calvet -, era em casa de Mlle.
de Lespinasse que os filósofos, sob o comando de d'Alembert, se reuniam.
"Segundo os Goncourt, "o
salão de Mlle. de Lespinasse não conhecia nenhum constrangimento nem
restrição: ali os temperamentos eram
livres, as personalidades tinham o direito de serem francas. Nenhuma questão era reservada: religião,
filosofia, moral, contos, novelas, quaisquer maledicências - tocava-se em tudo.
(...)
"O salão de Mme. Geoffrin era o
salão oficial da Enciclopédia; o de Mlle. Lespinasse era o parlatório familiar,
o toucador e o laboratório. Era lá que
se trabalhava para o sucesso do partido, que se redigiam os elogios, que se
ditavam as opiniões do dia para a passarem à posteridade, que se engrandecia o
despotismo filosófico sob o qual d'Alembert chegou a dominar a Academia.
"Quantos cargos importantes
distribuídos neste salão! Quantos grandes homens eram ali fabricados, quanta
celebridade era lá conferida, pela paixão de uma mulher!
"Calvet observa que "aqui,
nós assistimos a uma transformação do espírito filosófico: Rousseau fez sua
entrada, e o coração retomou seus direitos. Orgulhava-se de ser sensível e
enternecer-se. Em lugar de demolir as instituições do passado pelo riso
sarcástico, os filósofos se dedicariam doravante a combatê-las em nome da
humanidade, com enternecimento na voz. Essa nova campanha que se organizou no
salão de Mlle. de Lespinasse teve um grande sucesso. (...)
"Ao lado desses salões - prossegue
Calvet -, que exerciam uma verdadeira autoridade, é preciso nomear outros
salões mais livres, onde todos se divertiam sem constrangimentos, e onde se ia
até o fim nos paradoxos mais irreverentes; os salões dos Coletores de Impostos:
d'Epinay, La Popelinière ,
etc; os salões das atrizes: Mlle.
Quinault, Mlle. Guimart; os círculos dos
filósofos: Helvétius, d'Holbach". [i]
Madame de Staël – Anne-Louise-Germaine Necker, transformada na
Baronesa de Staël-Holstein, é também conhecida como uma das primeiras filósofas
políticas dos tempos modernos. Foi escritora, poeta e ativista política em
plena efervescência da Revolução Francesa e da era napoleônica e da restauração
da monarquia dos Bourbons. Teve papel importante na corrente de
livres-pensadores, especialmente nos chamados “moderados”. Natural de Paris,
onde nasceu a 22 de abril de 1766, era filha de Jacques Necker, que foi por
três vezes ministro das finanças no reinado de Luís XVI. Apesar de não ser católico nem francês, o rei
nomeou-o por submissão à influência dos livres-pensadores do salão de Madame
Necker, sua mãe, a escritora suíça Suzanne Curchod, filha de pastor calvinista
e ativista, depois Madame Suzanne Necker. Fundara seu salão em Paris, uma
verdadeira escola para a filha, Madame de Staël, além de ter servido de suporte
para o marido ser alçado ao posto de ministro.
Às sextas-feiras,
Madame Necker reunia em sua residência, o “Hotel Leblanc”, grupos de
livre-pensadores moderados e da nobreza parisiense, onde havia debates de
natureza política e social. “Hotel” era o nome dado a edifícios públicos ou
grandes mansões parisienses. O de Madame Necker estava situado na “Chausée
d’Antin”, conhecido como o centro da moda parisiense de então, pois ficava
próximo de teatros e das grandes avenidas. Aristocratas, nobres, empresários e
comerciantes ricos residiam pelas redondezas, sendo-lhes fácil freqüentar seu
salão.
O salão de Madame
Necker era freqüentado por expoentes do pensamento revolucionário: protestantes
calvinistas, os denominados “espíritos abertos” ou livres-pensadores,
“tolerantes”, liberais em política e, principalmente, em assuntos religiosos.
Para lá iam figuras como Mirabeau (um dos redatores da “Declaração dos Direitos
do Homem”), Denis Diderot, Georges Louis Leclerc (conde de Buffon), Gabriel de
Mably (conhecido como Abbé de Mably), precursor do “socialismo comunitário” e
Jean le Rond d’Alembert, além de vários correligionários calvinistas vindos da
suíça. Houve também, entre ela e o ímpio Voltaire, volumosa correspondência.
Madame de Staël
acostumou-se desde criança a intervir nos debates do salão de sua mãe com a
maior naturalidade, tornando-se ela também uma filósofa revolucionária bem
afinada com a moda.
Após seu casamento,
Anne-Louise Germaine Necker, agora com o título de Madame ou Baronesa de Staël,
abre também um salão em sua residência, situado na Rue du Bac. Muitos de seus
freqüentadores haviam defendido idéias libertárias e até lutado por elas, como
foi o caso de La Fayette ,
Noailles, Clermont-Tonnerre, ou escritores como Condorcet, Narbonne,
Talleyrand, etc. Para alimentar as conversas de seus clientes publica no
primeiro ano um livro “Sophie ou Les Sentiments secrets” e uma bajulação dos
pensamentos de Rousseau, que era moda em todos os salões parisienses.
O pai de Madame Staël
foi demitido do cargo em 1787, mas ela soube manobrar as figuras que
freqüentavam seu salão de maneira que o mesmo voltasse ao cargo no ano
seguinte. A mesma influência parece ter sido usada para que Narbonne (seu
segundo marido ou um de seus vários amantes) fosse nomeado, em 1791, ministro
da guerra. Assim, seu salão não servia somente para propagar os ideais da
Revolução mas também para influenciar os políticos e colocar pessoas em postos
importantes para os seus desígnios.
Foi lá no seu salão
também que se tramou um recuo dos ideais revolucionários e se passou a defender
idéias moderadas. Chegou até a esconder condenados à guilhotina em sua
residência. O motivo desta mudança, principalmente, foi por causa dos excessos
praticados no período do terror, em 1792. Começou-se então a se propagar uma
saída “honrosa” para a monarquia francesa, que era o modelo inglês, ou seja,
uma monarquia constitucional. Tais ideais são atacados tantos pelos
monarquistas legalistas quanto pelos republicados. Dir-se-ia que ela e seus
correligionários estavam entre dois fogos. Considerados moderados, oferecem
(ela, Narbonne e Malouet) um plano de fuga para a família real, inteiramente
frustrado por ter sido elaborado, como se vê, por gente suspeita.
Madame de Staël
chegou a ser presa e levada ao Conselho Comunal para ser julgada e
guilhotinada, mas foi salva por um escritor revolucionário Louis Pierre Manuel,
que era também Procurador da Comuna de Paris. Consta que Luis Pierre teria
argumentado a Robespierre que ela estaria grávida, e por isso foi autorizada
sua libertação. No dia seguinte foge para a Suíça, onde abriu seu salão na vila
de Coppet. Viveu, neste período, pouco tempo no exílio. Fez um périplo por
vários países, encontrando-se com figuras revolucionárias como Benjamin Constant
(um de seus amantes), e publicou obras de caráter liberal, principalmente na
linha moral e do “feminismo” então
emergente.
A partir de 1797, iniciando-se
o período napoleônico, Madame de Staël volta a Paris e tenta reabrir outro
salão, desta vez em nova residência. No entanto, os tempos são outros, e não há
mais freqüência de gente tão refinada como as do salão de sua mãe ou da Rue du
Bac. Mas sua produção literária
continua. Visita com freqüência filósofos revolucionários e racionalistas como
Goethe e Schiller, tentando também influenciar nos acontecimentos políticos de
então. Com o novo exílio decretado por
Napoleão, inicia novo périplo pela Europa, visitando personalidades importantes
como a rainha Carolina ou escritores de renome, publicando obras de cunho
revolucionário. Chega a comemorar dez anos de exílio com um livro. Facilitaram
sua “fuga”, da Suíça (dominada por Napoleão) para a Inglaterra. Seu “salão”
agora é o mundo e não apenas Paris, tudo o que é novidade tem sua adesão,
tornando-se admiradora de Kant e do filosofismo cético.
A filósofa,
anticlerical, liberal, racionalista quase atéia e desesperada, publica em 1813
um livro que faz a apologia do suicídio: “Réflexions sur le suicide” além de um
comentário sobre a Revolução Francesa “Considerations sur Ia Révolution française”. Após a
queda de Napoleão volta a Paris em 1815 e defende a restauração da monarquia.
Morre dois anos depois, em 1817, no mesmo dia da tomada da Bastilha.
[i] Extraído de "Despreocupados...Rumo
à Guilhotina - A Autodemolição do Ancien Regime" - João S. Clá Dias .
3 comentários:
Gostaria da referência bibliográfica de construção desse texto!
Gostaria da referência bibliográfica de construção desse texto!
É o nome do site
Postar um comentário