quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

SOBRE A CASTIDADE MATRIMONIAL - III

 

 

A castidade deve continuar na viuvez

O pai de Dom João IV, rei de Portugal, Dom Teodósio, ao enviuvar não procurou novo casamento. O motivo: pretendia praticar a castidade de um modo mais perfeito: através da renúncia.

Morta a Senhora Duquesa de Bragança D. Ana de Velasco, não tornou o Duque D. Teodósio a casar, porquanto era tão amigo da castidade, que segundo afirmam seus criados antigos, e modernos, e as pessoas Eclesiásticas, que mais sabiam de sua vida, e costumes, em toda sua vida não conheceu outra mulher, senão aquela com quem foi casado. Tratou de criar seus três filhos na pureza da santa Fé Católica, e bons, e louváveis costumes, dando-lhes por mestre o Doutor Jerônimo Soares, varão de grande prudência, letras, e virtude, o qual se desvelou muito para que aqueles Príncipes saíssem consumados em todos os bons costumes.  Também os mandou ensinar em algumas artes mecânicas, segundo a inclinação de cada um, porque para Príncipes tudo isto é necessário, para sair ao encontro às adversidades, que as mudanças do tempo costumam trazer consigo. Foi o Duque Dom Teodósio varão de santos e louváveis costumes, e sua vida mais parecia de um perfeito Religioso, que de Duque e Príncipe secular;  todos os dias rezava o ofício divino das sete horas canônicas; a humildade nele era natural, e tanto que se não era em um dia de festa, e de ostentação, sempre andava vestido de um trajo ordinário, suas palavras eram cheias de benignidade, seu semblante majestativo, porém mui alegre; mentira nunca jamais se ouviu de sua boca. Gostava  muito de tratar com pessoas consumadas em letras, e virtude;  grande aborrecedor das vaidades do mundo, inclinado a ler livros santos e honestos;  quando saía por a Quaresma a correr os santos passos, ia descalço, e vestido todo de luto com opa de rabo, a qual levavam três, e quatro moças da Câmara; na semana santa desde que se encerrava o Santíssimo Sacramento, na quinta-feira até o dia de Páscoa, que se cantava a Aleluia, não saía do côro de sua Capela, nem se deitava em cama, antes ali estava em oração, acompanhando o Santíssimo Sacramento, o qual até o dia de Páscoa estava encerrado com grande perfeição; no dia da Quinta-Feira de ceia, depois da pregação do Mandato, mandava mostrar ao povo o Santo Sudário, que é o verdadeiro lençol, em que foi amortalhado, e posto no sepulcro o corpo de nosso Senhor Jesus Cristo.  E este é o maior morgado da Casa de Bragança;  e o modo com que se mostrava ao grande número de gentes, que naquele dia se ajuntam ali de todas a vilas circunvizinhas, era este.  Vestia-se o Duque de luto, e descalços os pés, e seus irmãos, e filhos, e cada um com sua tocha acesa nas mãos, iam ao oratório secreto da casa, no qual estão muitas santas relíquias, e por um Sacerdote, o qual ordinariamente era o Padre Jerônimo Dias seu esmoler, varão de grande virtude, mandava abrir um cofre, forrado por fora, e por dentro de veludo negro matizado com pregaria, e ferramenta de prata, dentro no qual estava outro cofrezinho mais pequeno, de altura de um palmo, e quatro de comprido, também forrado de veludo negro, e com pregaria, e ferramenta de ouro, e dali tirava o Padre o Santo Sudário, não com poucas lágrimas, derramados por os olhos do santo Duque, e com grande veneração, e silêncio, vinham a sair a uma janela, que cai sobre o terreiro da porta dos Nós, a qual estava toda armada de panos de damasco negro, e dali o mostrava o sacerdote ao povo, e eram tantas as lágrimas, soluços, e gemidos de todo o povo, vendo a própria figura de Cristo nosso Redentor ali estampada, que eu me não atrevo a escreve-la com a pena.

"Na quinta-feira da Ceia do Senhor lavava o Duque os pés a doze pobres, e lhes dava de comer, servindo-os à mesa, e os vestia com vestidos honestos; e com tanta humildade fazia este ato, que em todos os circunstantes causava devoção, e lágrimas, originadas de compunção. No dia da Páscoa da Ressurreição fazia o Duque uma grandiosa festa, e assoalhava todos os ricos ornamentos Eclesiásticos, que tinha no tesouro de sua capela, e mandava armar suas mais bizarras tapeçarias, por os lugares onde havia de passar a procissão do Santíssimo, e não somente todos os seus capelães iam com capas de Asperges de brocado, e tela fina, mas também era lícito, e permitido a todos os Sacerdotes daquela Vila, os quais são muitos o entrarem na sacristia da sua capela com suas sobrepelizes, aonde o Tesoureiro-mor os revestia a todos com capas; acompanhavam esta procissão todos os cavaleiros das quatro Ordens militares, que serviam a Casa de Bragança, assistentes em Vila Viçosa, todos com os mantos, e insígnias militares de Cristo, de Santiago, de São Bento de Avis, e de S. João de Malta; a música era a melhor que em Portugal havia, porque se prezava o Duque de ter em sua Capela os melhores músicos do Reino, e lhes dava grandes partidos, e se eram Sacerdotes pensões nos benefícios, que vagavam em suas terras; os estrondos dos atabales, charamelas, e trombetas, as folias, e chacotas atroavam os ares com suave melodia, e o Duque com seus irmãos, enquanto os teve, e depois com seus filhos, e com alguns fidalgos da primeira classe, parentes da Casa, levava as varas do pálio, debaixo do qual ia o Santíssimo. Os entretenimentos do Duque eram ir a ver fazer várias curiosidades de vidro, em dois fornos que ali tinha dos muros de seu paço para dentro, com oficiais estrangeiros, mestres na arte deste ministério. Muitas vezes ia à sua tapada, que é a melhor coisa que tem Espanha, por a abundância de diferentes castas de animais, que nada tem, e se criam, depois de trazidos de longes terras, e outras vezes saía à caça de porcos monteses, coisa a que era inclinado. 

(Extraído de “A Felicidade Através da Castidade”, -Págs. 287/289 – Desejando receber o texto integral desta obra enviar mensagem para meu e.mail juracuca@gmail.com )

 

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