segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

SOBRE A CASTIDADE MATRIMONIAL - II

 

 Santa Juliana, Virgem e Mártir,  recusou-se a coabitar com seu esposo pelo fato do mesmo ser pagão e adorar os ídolos

No mesmo dia de seu casamento com Eulógio, prefeito de Nicomédia, Juliana comunicou a seu marido que, se não se fizesse cristão, jamais consentiria em ter relações conjugais com ele, e como este lhe fizera saber que não tinha o menor propósito de converter-se à religião cristã, abandonou a seu esposo e retornou à casa de seus pais.  O pai se negou a receber a filha, desautorizou o que havia feito, lhe golpeou brutalmente e a conduziu novamente ao domicilio de seu marido. Eulógio a recebeu benignamente. Depois, falando com ela, disse-lhe:

- Minha dulcíssima Juliana, tens me decepcionado.  Por que te negas a cumprir teus deveres matrimoniais?

Juliana lhe respondeu:

- Os cumprirei se te convertes a meu Deus; mas, se não te convertes, não poderei considerar-te como meu esposo.

- Senhora minha - replicou Eulógio - eu não posso fazer o que me pedes, compreende-o; se o fizesse, o imperador mandaria que me cortassem a cabeça.

Juliana treplicou com vivacidade:

- De maneira que tu temes a teu rei, que é mortal, e pretendes que eu não tema ao meu, que é imortal? Faz  o que queres, mas tem a completa certeza de que jamais conseguirás nada de mim enquanto persistas em tua atitude.

Após este diálogo, Eulógio, na qualidade de prefeito, mandou que golpeassem selvagemente a sua esposa; depois ordenou que a prendessem pelos cabelos. Durante meio dia a manteve suspensa do teto na forma indicada e, ao longo daquelas horas, os criados, por ordem de seu senhor, várias vezes lançaram sobre a cabeça da santa cubos de chumbo derretido. Posteriormente, em vista de que suportava o tormento como se não recebesse  dano algum, Eulógio mandou que a prendessem com cadeias e a jogassem num calabouço.

Quando estava já recolhida na prisão, apresentou-se ante ela o diabo, disfarçado de anjo bom, e lhe disse:

- Juliana, sou um enviado do Senhor. Ele mandou-me que visse ver-te e me encarregou que te dissesse que deves sacrificar aos ídolos para livrar-te dos tormentos que padeces e da horrorosa morte que pensam dar-te.

Ao ouvir tão estranha mensagem, Juliana chorou muito e rezou desta forma: "Senhor, meu Deus! Faz que eu saiba quem é este que acaba de vir a ver-me; ele assegura que é um enviado teu; porém, disse-me umas coisas tão raras!" Imediatamente ouviu uma voz que lhe dizia: "Prende-o e obriga-o a que ele mesmo confesse quem é".  Imediatamente Juliana subjugou fortemente o misterioso emissário e lhe exigiu que se identificasse, e o que pretendeu ao fazer-se passar por anjo do céu; declarou ele que era um demônio enviado por seu pai para enganá-la. Então Juliana lhe perguntou:

- Dizes que foi teu pai quem te enviou; mas quem é esse pai?

O diabo respondeu:

- Belzebu; é ele quem manda em nós e nos envia aos cristãos para que realizemos perto deles más embaixadas; se não conseguimos fazer-lhes cair em nossas tentações, em nosso regresso nos castiga cruelmente. Eu tive a desgraça de que me encarregasse esta missão de confundir-te e, como não o tenho logrado, já sei o que me espera quando regressar ao inferno.

Mais coisas disse o demônio naquela ocasião a Juliana, entre outras esta: que era muito difícil enganar os cristãos que ouviam missa, ou aos que rezavam ou assistiam aos sermões.

Juliana amarrou as mãos do diabo pelas costas, logo o jogou no chão e lhe deu uma boa surra com a ponta da cadeia à qual ela mesma havia sido presa. A cada golpe, o demônio, entre alaridos, gritava:

- Minha senhora Juliana! Tem compaixão de mim!

Nisto, por ordem do prefeito, que queria falar com ela, tiraram a prisioneira do cárcere; porém Juliana, sem soltar ao diabo, o levou consigo, arrastando-o como se fosse uma besta. O diabo, caminhando após ela, cheio de vergonha, suplicava:

- Minha senhora Juliana! Não me obrigues a fazer o ridículo desta maneira. Quem, me vendo assim, se fiará doravante em minhas palavras? Dizem que os cristãos sois clementes; tu, no entanto, não estás tendo clemência alguma comigo.

Depois de haver passeado com o demônio desta forma, por ruas e praças, Juliana decidiu desfazer-se dele e o jogou numa latrina.

O prefeito, quando a prisioneira compareceu em sua presença, ordenou que estendessem sobre uma roda e que a atormentassem, e tanto a torturaram que lhe quebraram todos os ossos até o extremo de que o tutano dos mesmos ficou derramado pelo chão. Em determinado momento surgiu naquele lugar um anjo do Senhor, rompeu a roca e curou repentinamente a santa. Quantos presenciaram este milagre se converteram ao cristianismo, a exceção do prefeito, que permaneceu obstinado em sua infidelidade e mandou decapitar aos quinhentos homens e cento e trinta mulheres que acabavam de converter-se. Seguidamente ordenou que metessem Juliana numa tina cheia de chumbo derretido; porém, quando a santa foi mergulhada no recipiente aquele espesso e abrasador líquido transformou-se repentinamente em água transparente e morna, como a de um banho muito agradável.

Ante este novo milagre o prefeito começou a maldizer de seus próprios deuses e a jogar-lhes na cara que fossem incapazes de castigar uma jovenzinha da que haviam recebido e estavam recebendo tantos desprezos e desgostos, e, para terminar de uma vez, mandou que cortassem a cabeça de sua esposa.

Quando levavam Juliana ao lugar designado para sua decapitação, saiu ao encontro da comitiva um jovem, que na realidade era aquele diabo anteriormente castigado e humilhado pela prisioneira, e, dirigindo-se aos verdugos encarregados da execução, disse-lhes aos gritos:

- Não tenhais compaixão dela! Não a merece, porque não tem feito mais que desacreditar constantemente de vossos deuses. A mim mesmo, à noite passada, me açoitou sem piedade! Dai-lhe agora seu merecido!

Nisto Juliana abriu os olhos, o olhou atentamente, e como o diabo notasse que havia sido reconhecido por ela, deitou a correr dizendo aos gritos:

- Ai! Desgraçado de mim! Esta mulher é capaz de prender-me outra vez e de amarrar-me e açoitar-me de novo!

Juliana morreu decapitada; porém poucos dias depois de seu martírio, indo seu marido o prefeito a bordo de um navio com outros trinta e quatro homens, se desencadeou uma forte tempestade e o navio foi a pique, e tanto eles como seus companheiros afundaram no fundo do mar e pereceram afogados; seus corpos posteriormente subiram à superfície, porém as ondas os lançaram a um litoral onde foram devorados por feras e aves de rapina. 

A castidade conjugal exige também pureza na fé

O rei pediu à rainha que fosse falar com sua irmã, pois a mesma se recusava a ter relações conjugais com seu marido.

...Regressou a rainha à corte e perguntou-lhe o rei:

- Como hás tardado tanto em voltar?

Sua esposa lhe respondeu:

- Quando saí de casa acreditava como  vós que Migdonia, minha irmã, havia cometido uma enorme estupidez; porém convenci-me de que tem agido com grande sabedoria; ela me pôs em contato com o apóstolo e ele me tem feito conhecer o caminho da verdade e compreender claramente que os verdadeiros néscios são aqueles que não creem em Cristo.

Também a rainha se negou ora em diante de ter relações conjugais com seu esposo, o qual, assombrado até a estupefação, chamou a seu cunhado e lhe disse:

- Por ajudar-te a recuperar a tua mulher tenho perdido eu a minha, que se comporta comigo exatamente igual que a tua contigo.

Mandou então que fossem em busca do apóstolo e que atado de pés e mãos o trouxessem a sua presença. Quando o teve ante si lhe ordenou que sem perca de tempo recordasse a ambas as mulheres a obrigação que tinham de manter vida marital com seus respectivos esposos e as exortasse que a cumprissem. São Tomé, entretanto, respondeu ao monarca que enquanto ele e seu cunhado persistissem no erro religioso em que viviam elas fariam muito bem em não aceder a suas pretensões e em negar-se às relações conjugais. Para convencer ao soberano de que a resposta que acabava de dar-lhe era razoável, expôs-lhe três exemplos fundados, segundo ele mesmo declarou, um no próprio rei, outro numa torre e outro numa fonte.

- Não é verdade, disse-lhe, que tu és rei, não toleras ao teu lado servidores imundos? Não exiges uma decente limpeza aos servos e servas que andam próximos de ti? Pois também Deus, que é mais rei que tu, deseja e exige que quem lhe sirva se apresente a ele com decoro e honestidade. Podes razoavelmente declarar-me culpável por pregar que o rei do céu pede a seus servidores o mesmo que tu pedes aos teus?

- Construí uma torre muito alta. Crês que agora, porque a ti se te agrada, vou a derrubá-la?

- Desejava tirar água, cavei nas entranhas da terra e logrei que da profundidade do abismo brotasse um manancial. Como se te ocorre pensar que agora, não mais que por tu o digas, vou obstruir essa fonte? [1]

(Extraído de “A Felicidade Através da Castidade”, -Págs. 283/287 – Desejando receber o texto integral desta obra enviar mensagem para meu e.mail juracuca@gmail.com )

 



[1] "La Leyenda Dorada" - vol. I - pp. 174/175.

 


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