A solidão nem sempre é aquela em que a pessoa
não tem ninguém a seu redor, como ocorre sempre com os idosos no fim da vida.
Às vezes temos alguns em torno de nós, a família, os amigos e os colegas de
escola ou de trabalho, mas, mesmo assim, podemos ser um solitário. Como?
Vejamos a razão. É porque trata-se de um tipo de solidão diferente: é aquela em que as
pessoas não comungam com nossa maneira de ser, de viver ou de pensar; estão ao
nosso redor, mas não participam da nossa forma de vida. Nem sequer concordam
com nossos pensamentos, pois todos acham que viver em sociedade é estar de
acordo com o pensamento comum, é viver segundo todos vivem e se deixar levar
pela moda. Se alguém não vive conforme a maioria e discorda de seu modo de
pensar é condenado a ser um solitário.
Pode-se dizer que Dr. Plínio Corrêa de
Oliveira já vivia este tipo de vida solitário desde a sua infância. A única
pessoa que o compreendia era sua mãe. Parentes, amigos e colegas de escola não
concordavam com seu modo de vida ou seus pensamentos, fato que o mesmo já
observava desde o começo de sua vida.
A respeito deste tempo, ele mesmo comenta:
“Iniciava-se
para mim a tentação do respeito humano, pois percebia que, ao entrar em alguns
ambientes, todos os presentes notavam que eu trazia uma fisionomia de reflexão
e de seriedade. E, por causa disso, os mais velhos me tratavam com
cordialidade, mas com certa distância e com olhar desapontado, como quem diz:
“Esse é um bobo!”
“Então
sentia como se alguém me dissesse: “Ninguém é como você! Você vai ser um
cretino, um estúpido, do qual todo o mundo vai rir! Você vive em cogitações que
só se compreenderiam na alma de um artista ou de um poeta, mas você não tem
dons artísticos. É um poeta que não sabe rimar e um músico que não sabe compor.
Quando se trata de imaginar uma melodia, você não vai além do dó-mi-sol-dó. Que
uso fazer de você, miserável, tão maravilhável e incapaz de fazer aquilo que os
homens julgam maravilhoso? Você está tentando abrir para si, na vida, uma via
de maravilhas que ninguém seguiu – nem sequer os grandes homens – e que o
levará ao insucesso. Não se faz carreira assim! Mas, se renunciar a essas
idéias, como sendo falsas e infundadas, você será um homem eficiente e esperto,
adquirirá jeito para os negócios e terá um certo modo de tratar os outros, pelo
qual os levará para onde quiser. Agora, porém, você não os leva, porque tem
cogitações e vias que eles não possuem, mas que todos percebem, ainda que você
não o diga, apenas pelo seu olhar! Renuncie radicalmente a essas reflexões,
empurre de lago esse “pulchrum”[1]
e essas maravilhas que não existem, e você será um homem de sucessos econômicos
e de realização política!” [2]
“Existiam
aspectos agradáveis da vida que compensassem todas as minhas dificuldades?
Havia em tudo isso alguma felicidade? Eu notava que a situação em que eu vivia
me torturava, mas que nela eu crescia, pois fazia amadurecer o meu espírito e,
inclusive, me tornava mais inteligente. Em relação ao menino que eu havia sido
anteriormente, era quase outra pessoa. Nesse sentido, devo dizer que o embate
com o mal me foi altamente benfazejo, pois me obrigou a compreender a vida sob
outra luz”.[3]
Fidelidade à sacralidade para fugir da
apostasia:
“Mas, o
que era, no fundo, esse aspecto da realidade que eu contemplava?
Um
ponto central único, o qual tinha sido o enlevo de minha vida desde que eu
abrira os olhos para ela: a idéia de um valor que se chama sacralidade e que
contém a seriedade, a nobreza, a dignidade e a temperança, resumindo tudo em si
e transcendendo o que é puramente humano, pois é celeste.
Era, talvez,
a própria noção do ser – não só da criatura, mas do próprio Ser Divino – vista
com uma clareza especial através dos reflexos visíveis, que me convidavam para
a contemplação, para a ação, para a luta e para o heroísmo. Por outro lado, o
asseio, a distinção e a compostura me conduziam para esse valor e me faziam
viver num mundo ordenado, atraente, magnífico e delicioso, cheio das harmonias
da inocência.
Eu
notava que, se quisesse, em meio minuto poderia largar tudo isso, mas percebia
que cometeria um pecado imenso, pois apagaria uma luz, que era a única coisa
que valia em mim, e sem a qual eu me tornaria um ente desprezível. A condição
para possuir essa luz era não ceder em nenhuma circunstância, por
insignificante que parecesse, pois ela exigia de mim uma fidelidade ciumenta.
Se eu, por exemplo, comesse uma paçoca de maneira indevida ou brincasse com uma
minhoca de modo inadequado, diminuiria um tanto a intensidade dessa luz e
debilitaria as minhas forças, pondo-me no risco de apagá-las por inteiro, e de
cair numa espécie de apostasia em relação à minha própria pessoa.
Eu
apostataria de ser Plínio.
Então,
fazia-me a seguinte pergunta: “Você quer ser fiel a essa luz? Continuará a
carregá-la em sua alma, mas pagará por ela um preço que ninguém paga: ser um
pária, posto de lado e odiado, numa luta constante para se impor ao respeito e
fazer brilhar aos olhos dos outros o que você traz dentro de si”.
Depois,
porém, compreendi algo a mais: para ser verdadeiramente conforme a Nosso Senhor
Jesus Cristo e à Santa Igreja Católica, eu deveria possuir duas qualidades.
Uma, eu já a tinha: o horror e o ódio a toda forma de mal. Mas precisava
adquirir a outra, como exigência inexorável: era o ódio a mim mesmo”.[4]
Pelos idos da década de 30, mais ou menos, ele
conheceu o movimento católico em São Paulo e passou a se transformar num líder
religioso. Não destes líderes que procuram aplausos, mas como o influenciador e
modelo para a geração de seu tempo. Mas, não foi compreendido e era recusado
nos ambientes religiosos que frequentava. Não de uma forma ostensiva, mas,
veladamente as pessoas não lhe davam ouvidos e recusavam-se a seguir seus
conselhos e exemplos. Qual a causa disso? È porque ele não concordava com as
idéias, as modas, o ambiente e todo o mundanismo que imperava na sociedade.
Infelizmente também nos meios católicos tal mundanismo era dominante. Sozinho, começou a enfrentar o mundo, a
sociedade e foi em frente. Mesmo assim, tal era o seu carisma pessoal que conseguia
como que impor sua autoridade entre os católicos, que o aceitavam nas
lideranças, por exemplo, da Ação Católica, apesar de discordarem muito dele em
vários aspectos.
Passaram-se os anos e este solitário
conseguiu alguns seguidores. Muito poucos. E formou um grupinho de pessoas que
pretendiam seguir seu exemplo de vida.
No entanto, seus desejos, seu objetivo máximo era arregimentar um grande
exército de seguidores com o fim de pôr a termo a onda de mundanismo e de
heresias sociais que grassava no mundo e, especialmente, entre católicos.
Denunciou os erros que estavam nos meios católicos, mas não foi seguido em sua
denúncia pelas autoridades religiosas. Continuou sua caminhada, mesmo sabendo
que estava condenado ao ostracismo. Foi até chamado de “kamikaze” porque suas
denúncias foram tidas como ato suicida, quer dizer, ser condenado e cair no
desprezo geral. Este seu pugilo inicial
era chamado apenas de “grupo do Plínio”. E ele aproveitou para chamar apenas de
“grupo” aos que o seguiam. Não havia ainda um nome adequado.
Alguns anos depois, já na década de 50, este solitário conseguiu mais alguns seguidores, algumas dezenas. E começou a espalhá-los pelo Brasil, dando origem a outro grupo, agora chamado de “grupo do Catolicismo” porque trabalhavam na divulgação deste mensário fundado e dirigido inicialmente por ele. Em 1951, numa conferência para seus seguidores sobre o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, afirmou ele: "Nossos meios, entretanto, são tão ridicularmente insuficientes, que se não contássemos com o sobrenatural, seria o caso de duvidarmos de nossa sanidade mental. Quando aqui nos reunimos e nos entreolhamos, somos tentados a achar que constituímos um grupo já numeroso! Nossas ideias estão numa tal dificuldade de frutificar, que dezoito já parece um grupo numeroso![1]
[1] Dr. Plínio se refere ao número de pessoas que assistiam sua explanação para indicar a quantidade de seguidores que tinha na época, em 1951.
A este grupo em ascensão ele ensinava, doutrinava idéias que chocavam com o mundo e com os costumes de toda a sociedade moderna. Apesar de tudo, o grupo crescia lenta e paulatinamente. Eram vários solitários que se uniam para defender idéias novas, que eram pregadas pelo seu fundador e inspirador. Em 1959 ele publica o livro que era o resumo de suas ideias e o que pretendia para o novo mundo que sonhava: “Revolução e Contra-Revolução”. O grupo de “Catolicismo” já estava bem crescido quando resolveu fundar uma entidade civil em torno deste grupo, que ele chamava de “família de almas”. Foi assim que foi fundada a TFP no início dos anos 60, arregimentando muitos jovens no Brasil para lutar em defesa dos valores cristãos, especialmente em defesa da família, de nossas tradições e do direito de propriedade. O grupo começava a crescer a olhos vistos, mas não de uma forma vertiginosa e sim lentamente. Embora unidos entre si, o grupo agia como se fosse alguns solitários perante a sociedade, pois as novas idéias não eram completamente aceitas, até mesmo combatidas por elementos de escol de dentro da própria Igreja.
A partir da década seguinte foram se formando
grupos semelhantes em outros países. Agora já não eram dezenas, mas centenas e
alguns milhares de seguidores, todos formados doutrinariamente pelos mesmos
princípios e seguindo a orientação de seu fundador no Brasil. Os “solitários”,
seguidores de um solitário mestre, se arregimentavam e saíam aos poucos de sua
solidão psicológica. Primeiramente se formaram grupos na América do Sul, depois
nos Estados Unidos e Europa. Na década seguinte já existiam tais grupos em mais
de 80 países, inclusive na África e na Ásia. O homem que no início era
solitário agora tinha uma crescente organização mundial que o seguia e pregava
novas idéias à sociedade tão decadente como a atual. A atuação deste grupo
impressionou o mundo, fazendo campanhas fenomenais e grandiosas, como, por
exemplo, o maior abaixo-assinado da História pedindo a libertação da Lituânia
do cativeiro comunista.
Foi deste grupo que surgiu, após sua morte,
os Arautos do Evangelho, autorizados pelo Papa João Paulo II no início do
milênio e hoje em crescente ascensão. O
legado de Dr. Plínio Corrêa de Oliveira não foi o ostracismo, como pretendiam
no início de seu apostolado, mas atrair multidões, como ocorre hoje com os
Arautos, atuando em todos os continentes e com milhares de adeptos, alguns
calculando já em alguns milhões. A revista dos Arautos, editada em 4 idiomas, tem
a maior tiragem do mundo entre as católicas. Suas igrejas, escolas e conventos
cada vez mais aumentam em vários países e já se nota sua presença na sociedade
de uma forma incontestável. De nada adiantaram perseguições e calúnias, pois
quando uma obra é divina nada disso funciona contra ela. Se Deus o quer, quem pode contrariar
a vontade divina?
Foi um solitário que praticamente fundou a Europa
cristã: São Bento saiu de Roma para morar num ermo, fundou ali sua ordem
religiosa (para onde atraiu vários seguidores solitários como ele) e a propagou para toda a Europa, fazendo com
que após alguns anos aqueles solitários fossem os formadores de toda uma nova
sociedade. E por causa disso São Bento é também cognominado de “Pai da Europa”.
Assim, podemos dizer que Dr. Plínio Corrêa
de Oliveira foi um solitário que formou uma geração e que esta vai transformar
o mundo com uma nova sociedade inteiramente consonante com os princípios católicos,
dando ensejo a que se funde finalmente o que chamamos de Reino de Maria.
[1]
Em latim: belo, beleza.
[2] “Notas Autobiográficas – Plínio Corrêa de Oliveira –
Editora Retornarei – Vol. I, pág.. 37
[3]
Idem, pág.42
[4]
Idem, págs. 51/53
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