De uma carta escrita,
durante o Grande Cisma do Ocidente, a três altos Prelados italianos que se
haviam passado para a facção do falso Papa levantado em Avignon, depois de
terem prestado obediência a Urbano VI, legitimamente eleito em Roma.
Ai, ai de mim, até onde vos fez chegar não
terdes seguido com virtude a vossa dignidade! Vós fostes postos a alimentar-vos
ao peito da Santa Igreja: como flores neste jardim, para que lançásseis um
perfume de virtude; fostes postos como lâmpada no candelabro para dar luz aos
fiéis cristãos e dilatar a Fé. Bem sabeis se tendes feito aquilo para que
fostes criados. Decerto não, porque o amor-próprio não vo-lo fez conhecer;
porque em verdade fostes postos neste jardim só para fortificar e dar luz e
exemplo de boa e santa vida. Se a tivésseis conhecido tê-la-íeis amado o vestido desta doce verdade. E onde está a
gratidão de que deveis ter a esta Esposa que vos alimentou ao seu peito? Não
vejo outra coisa senão ingratidão: a qual ingratidão disseca a fonte da
piedade.
Quem me disse que sois ingratos, vis e
mercenários? A perseguição que vós, com os outros, fizestes a esta Esposa, na ocasião
em que devíeis ser-Lhe escudo e resistir aos golpes da heresia. Apesar desta,
sabeis e conheceis a verdade, que o Papa Urbano VI é o verdadeiro Papa., Sumo
Pontífice eleito de modo regular e não por temor, verdadeiramente mais por
inspiração divina que por indústria humana. E assim o anunciastes a nós: o que era
verdade. Agora voltastes as costas, como cavaleiros vis e miseráveis: a vossa
sombra fez-vos medo. Afastastes-vos da verdade que fortifica e encostastes-vos
à mentira que enfraquece a alma e o corpo, privando-vos da graça espiritual e
temporal. Qual a razão disto? A peçonha do amor-próprio que envenenou o mundo.
Ele é tal que a vós, colunas, tornou-vos mais fracos que a palha. Não sois
flores que lançam perfumes, mas mau cheiro que empesta o mundo todo. Não
lâmpadas postas em um candelabro, de tal modo que dilatásseis a fé, mas luz
escondida debaixo do alqueire da soberba: procedestes como dilatadores, mas como
contaminadores da Fé; lançais trevas para vós e para os outros. .Fostes
escolhidos, como anjos terrestres, para nos libertar do demônio do inferno, e
recebestes o encargo angélico de conduzir as ovelhas à obediência da Santa
Igreja; e no entanto quereis o ofício dos demônios. Quereis dar-nos o mal que
tendes em vós, tirando-nos da obediência a Cristo na terra (o Papa) e
induzindo-nos à obediência ao Anticristo, membro do diabo; e vós sois como ele,
enquanto estiverdes nesta heresia.
Esta não é cegueira da ignorância, isto é,
que venha da ignorância; não que vos tenha sido apresentada uma coisa por
outra. Não: porque vós sabeis qual é a verdade
e no-la anunciastes, e não nós a vós. Oh! Como sois loucos! Vós que nos destes
a verdade e quereis saborear a mentira... (digo-vos isso sem reverência alguma,
porque estais privados da reverência)... Podereis dizer-me: “Por que não
acreditais? Nós sabemos melhor a verdade... do que vós”. E eu vos respondo que
vós mesmos nos tendes já mostrado que estais afastados da verdade em muitas
coisas; e que não devo vos dar crédito quando dizeis que o Papa Urbano VI não é
o Papa verdadeiro. Se me volto para o princípio de vossa vida, não a vejo tão
boa e tão santa que vos afasteis, com consciência, de mentir. E quem nos mostra
a vossa vida pouco ordenada? O veneno da heresia...
Ai, insensatos, dignos
de mil mortes! Como cegos, não vedes o vosso mal; e chegastes a tanta confusão
que a vós mesmos vos fizestes mentirosos e idólatras. Ainda que fosse
verdadeiro (que não é: confesso e não o nego ser o Papa Urbano Vi o verdadeiro Papa),
mas fosse verdadeiro aquele que dizeis , não terríveis vós mentido no-lo
indicastes como Sumo Pontífice que ele é? E não lhe teríeis vós feito
reverência falsamente, adotando-o como Cristo na terra? E não seríeis
simoníacos ao obter dele graças e ao usá-las ilicitamente? Sim, agora elegeram
o antipapa e vós juntamente com eles; no ato e no aspecto, tendes mostrado
assim, porfiando por encontrar-vos aqui quando os demônios incarnados elegeram
o demônio.
...Admitamos que
tenhais feito menos mal que os outros na vossa intenção; no entanto fizestes
mal juntamente com os outros. E que posso dizer? Posso dizer que quem não é pela verdade é
contra a verdade: quem então não esteve com o Cristo, o Papa Urbano VI, esteve
contra ele. E por isso digo-vos que vós, juntamente com o antipapa, fizestes
mal; posso dizer que foi eleito um membro do diabo: porque, se fosse membro de
Cristo, antes teria eleito a morte do que consentido em tão grande mal, porque
ele sabe bem a verdade e não pode desculpar-se por ignorância. Ora, todos estes
erros tendes cometido em favor deste demônio, isto é: confessá-lo Papa (e não é assim a verdade), e fazer reverência
a quem não deveis. Estais afastado da luz e ides para as trevas; saístes da verdade
e chegastes à mentira. Para qualquer lado que me volte, não encontro senão
mentiras. Sois merecedores de castigo o qual castigo eu vos digo em verdade (e
dele descarrego a minha consciência) cairá sobre vós, se não voltardes à
obediência com uma humildade verdadeira.
Oh miséria em cima de
miséria! Ah cegueira em cima de cegueira, que não deixa ver o seu mal, nem os
prejuízos que traz para a alma e para o corpo! Porque, se o vísseis, não vos
teríeis afastado da verdade assim tão
insensatamente, com um temor servil, apaixonados como soberbos, e pessoas
habituadas, ao seu bel prazer, aos gozos e deleites humanos.... O último fruto nascido
de vos que traz morte, mostra-nos que árvore sois: e que a vossa árvore está
plantada na terra da soberba, que sai do vosso amor-próprio que vos tirou a luz
da razão.
...Reconhecei as
vossas culpas, para que vos possais humilhar e compreender a infinita bondade
de Deus, que não mandou à terra que vos engolisse, nem aos animais que vos
devorassem; antes vos dá tempo para que possais corrigir a vossa alma. Se não o
reconhecerdes, o que vos tem sido dado como graça se tornará em um grande castigo.
Porém, se quiserdes voltar ao redil e alimentar-vos da verdade ao peito da
Esposa de Cristo, sereis recebido com misericórdia por Cristo no céu e por
Cristo na terra, não obstante a iniquidade que cometestes...
Não vos parecerá duro
que se vos firo com as palavras que o amor da vossa salvação me fez escrever.
Mais vos feriria de viva voz, se Deus mo permitisse . Seja feita a sua vontade.
E aliás merecei antes os fatos que as palavras. Acabo e não digo mais.; que, se
eu seguisse minha vontade, não pararia; tanto a minha alma está cheia de dor e
de tristeza por ver tanta cegueira naqueles que foram escolhidos para luz, não
como cordeiros que se alimentam do cibo da honra de Deus, salvação das almas e reforma da Santa Igreja, mas como
ladrões roubam a honra que devem dar a Deus e dão-na a eles mesmos e como lobos devoram as ovelhas: do que tenho
grande tristeza...
(Extraído de “Catolicismo”,
n.23, novembro de 1952)
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