PRÓLOGO
1. — A Ave-Maria é dividida em três partes: A primeira, composta pelo Anjo:
Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo, bendita és tu entre as mulheres. (Lc
1, 28).
A segunda é obra de Isabel, mãe de João Batista, que disse: Bendito é o fruto do teu ventre. |
A terceira parte, a Igreja acrescentou: Maria
O Anjo não disse: Ave Maria e sim, Ave, Cheia de graça. Mas este nome de Maria, efetivamente, se harmoniza com as palavras do Anjo, como veremos mais adiante.
AVE
2. — Na antiguidade, a aparição dos Anjos aos homens era um
acontecimento de grande importância e os homens sentiam-se extremamente
honrados em poder testemunhar sua veneração aos Anjos.
A Sagrada Escritura louva Abraão por ter dado hospitalidade aos Anjos e por tê-los reverenciado.
Mas um Anjo se inclinar diante de uma criatura humana, nunca se tinha
ouvido dizer antes que o Anjo tivesse saudado à Santíssima Virgem,
reverenciando-a e dizendo: Ave.
3. — Se na antiguidade o homem reverenciava o Anjo e o Anjo não
reverenciava o homem, é porque o Anjo é maior que o homem e o é por três
diferentes razões:
Primeiramente, o Anjo é superior ao homem por sua natureza espiritual.
Está escrito: Dos seres espirituais Deus fez seus Anjos. (Sl 103).
4. — O homem tem uma natureza corrutível e por isso Abraão dizia a
Deus: (Gn 18, 27) Falarei a meu Senhor, eu que sou cinza e pó.
Não convém que a criatura espiritual e incorruptível renda homenagem à criatura corruptível.
Em segundo lugar, o Anjo ultrapassa o homem por sua familiaridade com
Deus.
Com efeito, o Anjo pertence à família de Deus, mantendo-se a seus pés.
Milhares de milhares de Anjos o serviam, e dez milhares de centenas de
milhares mantinham-se em sua presença, está escrito em Daniel (7, 10).
Mas o homem é quase estranho a Deus, como um exilado longe de sua face pelo pecado, como diz o Salmista: (54, Fugindo, afastei-me de Deus.
Convém, pois, ao homem honrar o Anjo por causa de sua proximidade com
a majestade divina e de sua intimidade com ela.
Em terceiro lugar, o Anjo foi elevado acima do homem, pela plenitude
do esplendor da graça divina que possui. Os Anjos participam da própria luz
divina em mais perfeita plenitude. Pode-se enumerar os soldados de Deus, diz
Jó (25, 3) e haverá algum sobre quem não se levante a sua luz? Por isso os
Anjos aparecem sempre luminosos. Mas os homens participam também desta luz, porém
com parcimônia e como num claro-escuro.
Por conseguinte, não convinha ao Anjo inclinar-se diante do homem,
até, o dia em que apareceu urna criatura humana que sobrepujava os Anjos por
sua plenitude de graças (cf n° 5 a 10), por sua familiaridade com Deus (cf.
n° 10) e por sua dignidade.
Esta criatura humana foi a bem-aventurada Virgem Maria. Para
reconhecer esta superioridade, o Anjo lhe testemunhou sua veneração por esta
palavra: Ave.
CHEIA DE GRAÇA
5. — Primeiramente, a bem-aventurada Virgem ultrapassou todos os Anjos
por sua plenitude de graça, e para manifestar esta preeminência o Arcanjo
Gabriel inclinou-se diante dela, dizendo: cheia de graça; o que quer dizer: a
vós venero, porque me ultrapassais por vossa plenitude de graça.
6. — Diz-se também da Bem-aventurada Virgem que é cheia de graça, em
três perspectivas:
Primeiro, sua alma possui toda a plenitude de graça. Deus dá a graça
para fazer o bem e para evitar o mal. E sob esse duplo aspecto a
Bem-aventurada Virgem possuía a graça perfeitissimamente, porque foi ela quem
melhor evitou o pecado, depois de Cristo.
O pecado ou é original ou atual; mortal ou venial.
A Virgem foi preservada do pecado original, desde o primeiro instante
de sua concepção e permaneceu sempre isenta de pecado mortal ou venial.
Também está escrito, no Cântico dos Cânticos: (4, 7) Tu és formosa, amiga minha, e em ti não há mácula.
«Com exceção da Santa Virgem, diz Santo Agostinho, em seu livro sobre
a natureza e a graça; todos os santos e santas, em sua vida terrena, diante
da pergunta: «estais sem pecados?» teriam gritado a uma só voz: «Se
disséssemos: estamos sem pecado (cf. 1, Jo 1, 6), estaríamos enganando-nos a
nós mesmos e a verdade não estaria conosco».
«A Virgem santa é a única exceção. Para honrar o Senhor, quando se
trata a respeito do pecado, não se faça nunca referência à Virgem Santa.
Sabemos que a ela foi dada uma abundância de graças maior, para triunfar
completamente do pecado. Ela mereceu conceber Aquele que não foi manchado por
nenhuma falta».
Mas o Cristo ultrapassou a Bem-aventurada Virgem. Sem dúvida, um e
outro foram concebidos e nasceram sem pecado original. Mas Maria,
contrariamente a seu Filho, lhe é submissa de direito. E se ela foi, de fato,
totalmente preservada, foi por uma graça e um privilégio singular de Deus
Todo Poderoso que é devido aos méritos de seu Filho, Jesus Cristo, Salvador
do gênero humano. (N.T.).
7. — A Virgem realizou também as obras de todas as virtudes. Os outros
santos se destacam por algumas virtudes, dentre tantas. Este foi humilde,
aquele foi casto, aquele outro, misericordioso, por isto são apresentados
como modelo para esta ou aquela determinada virtude; como, por exemplo, se
apresenta São Nicolau, como modelo de misericórdia.
Mas a Bem-aventurada Virgem é o modelo e o exemplo de todas as
virtudes. Nela achareis o modelo da humildade. Escutai suas palavras: (Lc 1,
38) Eis a escrava do Senhor. E mais (Lc 1, 48): O Senhor olhou a humildade de
sua serva. Ela é também o modelo da castidade: ela mesma confessa que não conheceu
homem (cf. Lc 1, 43). Como é fácil constatar, Maria é o modelo de todas as
virtudes.
A Bem-aventurada Virgem é pois cheia de graça, tanto porque faz o bem,
como porque evita o mal.
8. — Em segundo lugar, a plenitude de graça da Virgem Santa se manifesta
no reflexo da graça de sua alma, sobre sua carne e todo o seu corpo.
Já é uma grande felicidade que os santos gozem de graça suficiente,
para a santificação de suas almas. Mas a alma da Bem-aventurada Virgem Maria
possui uma tal plenitude de graça, que esta graça de sua alma reflete sobre
sua carne, que, por sua vez, concebe o Filho de Deus.
Porque o amor do Espírito Santo, nos diz Hugo de São Vitor, arde no
coração da Virgem com um ardor singular, Ele opera em sua carne maravilhas
tão grandes, que dela nasceu um Homem Deus, como avisa o Anjo à Virgem santa:
(Lc 1, 35) Um Filho santo nascerá de ti e será chamado Filho de Deus.
9. — Em terceiro lugar, a Bem-aventurada Virgem é cheia de graça, a
ponto de espalhar sua plenitude de graça sobre todos os homens.
Que cada santo possua graça suficiente para a salvação de muitos
homens é coisa considerável. Mas se um santo fosse dotado de uma graça capaz
de salvar toda a humanidade, ele gozaria de uma abundância de graça
insuperável. Ora, essa plenitude de graça existe no Cristo e na
Bem-aventurada Virgem.
Em todos os perigos, podemos obter o auxílio desta gloriosa Virgem.
Canta o esposo, no Cântico dos Cânticos: (4, 4) Teu pescoço é como a torre de
Davi, edificada com seus baluartes. Dela estão pendentes mil escudos, quer
dizer, mil remédios contra os perigos.
Também em todas as ações virtuosas podemos beneficiar-nos de sua ajuda. Em mim há toda a esperança da vida e da virtude (Ecl 24, 25).
MARIA
10. — A Virgem, cheia de graça, ultrapassou os Anjos, por sua plenitude
de graça. E por isto é chamada Maria, que quer dizer, «iluminada
interiormente», donde se aplica a Maria o que disse Isaias: (58, 11) O Senhor
encherá tua alma de esplendores. Também quer dizer: «iluminadora dos outros»,
em todo o universo; por isso, Maria é comparada, com razão, ao sol e à lua.
O SENHOR É CONVOSCO
11. — Em segundo lugar, a Virgem ultrapassa os Anjos em sua intimidade
com o Senhor. O arcanjo Gabriel reconhece esta superioridade, quando lhe
dirige estas palavras: O Senhor é convosco, isto é, venero-vos e confesso que
estais mais próxima de Deus do que eu mesmo estou. O Senhor está,
efetivamente, convosco.
O Senhor Pai está com Maria, pois Ele não se separa de maneira nenhuma
de seu Filho e Maria possui este Filho, como nenhuma outra criatura, até
mesmo angélica. Deus mandou dizer a Maria, pelo Arcanjo Gabriel (Lc 1, 35)
Uma criança santa nascerá de ti e será chamada Filho de Deus.
O Senhor está com Maria, pois repousa em seu seio. Melhor do que a qualquer outra criatura se aplicam a Maria estas palavras de Isaias: (12, 6) Exulta e louva, casa de Sião, porque o Grande, o Santo de Israel está no meio de ti.
O Senhor não habita da mesma maneira com a Bem-aventurada Virgem e com
os Anjos. Deus está com Maria, como seu Filho; com os Anjos, Deus habita como
Senhor.
O Espírito Santo está em Maria, como em seu templo, onde opera. O
arcanjo lhe anunciou: (Lc 1, 35) O Espírito Santo virá sobre ti. Assim, pois,
Maria concebeu por efeito do Espírito Santo e nós a chamamos «Templo do Senhor»,
«Santuário do Espírito Santo». (cf. liturgia das festas de Nossa Senhora).
Portanto, a Bem-aventurada Virgem goza de uma intimidade com Deus
maior do que a criatura angélica.
Com ela está o Senhor Pai, o Senhor Filho, o Senhor Espírito Santo, a
Santíssima Trindade inteira. Por isso canta a Igreja: «Sois digno trono de
toda a Trindade».
É esta então a palavra mais nobre, a mais expressiva, como louvor, que
podemos dirigir à Virgem.
MARIA
12. — Portanto o Anjo reverenciou a Bem-aventurada Virgem, como mãe do
Soberano Senhor e, assim, ela mesma como Soberana. O nome de Maria, em
siríaco significa soberana, o que lhe convém perfeitamente.
13. — Em terceiro lugar, a Virgem ultrapassou aos Anjos em pureza.
Não só possuía em si mesma a pureza, como procurava a pureza para os outros.
Ela foi puríssima de toda culpa, pois foi preservada do pecado
original e não cometeu nenhum pecado mortal ou venial, como também foi livre
de toda pena.
BENDITA SOIS VÓS ENTRE AS MULHERES
14. — Três maldições foram proferidas por Deus contra os homens, por
causa do pecado original.
A primeira foi contra a mulher, que traria seu filho no sofrimento e
daria à luz com dores.
Mas a Bem-aventurada Virgem não está submetida a estas penas. Ela
concebeu o Salvador sem corrupção, trouxe-o alegremente em seu seio e o teve
na alegria. A Ela se aplica a palavra de Isaias: (35, 2) A terra germinará,
exultará, cantará louvores.
15. — A segunda maldição foi pronunciada contra o homem (Gn 3, 9):
Comerás o teu pão com o suor de teu rosto.
A Bem-aventurada Virgem foi isenta desta pena. Como diz o Apóstolo (1
Cor 7, 32-34): Fiquem livres de cuidados as virgens e se ocupem só com o
Senhor.
A terceira maldição foi comum ao homem e à mulher. Em razão dela devem
ambos tornar ao pó.
A Bem-aventurada Virgem disto também foi preservada, pois foi, com o
corpo, assunta aos céus. Cremos que, depois de morta, foi ressuscitada e
elevada ao céu. Também se lhe aplicam muito apropriadamente as palavras do
Salmo 131, 8: Levanta-te, Senhor, entra no teu repouso; tu e a arca da tua
santificação.
MARIA
A Virgem foi pois isenta de toda maldição e bendita entre as mulheres.
Ela é a única que suprime a maldição, traz a bênção e abre as portas do
paraíso.
Também lhe convém, assim, o nome de Maria, que quer dizer, «Estrela do
mar», Assim como os navegadores são conduzidos pela estrela do mar ao porto,
assim, por Maria, são os cristãos conduzidos à Glória.
BENDITO É O FRUTO DE VOSSO VENTRE
18. — O pecador procura nas criaturas aquilo que não pode achar, mas o
justo o obtém. A riqueza dos pecadores está reservada para os justos, dizem
os Provérbios (13, 22). Assim Eva procurou o fruto, sem achar nele a
satisfação de seus desejos. A Bem-aventurada Virgem, ao contrário, achou em
seu fruto tudo o que Eva desejou.
19. — Eva, com efeito, desejou de seu fruto três coisas:
Primeiro, a deificação de Adão e dela mesma e o conhecimento do bem e
do mal, como lhe prometera falsamente o diabo: Sereis como deuses (Gn 3, 5),
disse-lhes o mentiroso. O diabo mentiu, porque ele é mentiroso e o pai da
mentira (cf. Jo 8, 44). E por ter comido do fruto, Eva, em vez de se tornar
semelhante a Deus, tornou-se dessemelhante. Por seu pecado, afastou-se de
Deus, sua salvação, e foi expulsa do paraíso.
A Bem-aventurada Virgem, ao contrário, achou sua deificação no fruto
de suas entranhas. Por Cristo nos unimos a Deus e nos tornamos semelhantes a
Ele. Diz-nos São João: (1 Jo 3, 2) Quando Deus se manifestar, seremos
semelhantes a Ele, porque o veremos como Ele é.
20. — Em segundo lugar, Eva desejava o deleite (cf. Gn 3, 6), mas não
o encontrou no fruto e imediatamente conheceu que estava nua e a dor entrou
em sua vida.
No fruto da Virgem, ao contrário, encontramos a suavidade e a
salvação. Quem come minha carne tem a vida eterna (Jo 6, 55).
21. — Enfim, o fruto de Eva era sedutor no aspecto, mas quão mais belo
é o fruto da Virgem que os próprios Anjos desejam contemplar (cf. 1 Pe 1,
12). É o mais belo dos filhos dos homens (Sl 44, 3), porque é o esplendor da
glória de seu Pai (Heb 1, 3) como diz S. Paulo.
Portanto, Eva não pôde achar em seu fruto o que também nenhum pecador
achará em seu pecado.
Acharemos, no entanto, tudo o que desejamos no fruto da Virgem.
Busquemo-lo.
22. — O fruto da Virgem Maria é bendito por Deus, que de tal forma
encheu-o de graças que sua simples vinda já nos faz render homenagem a Deus.
Bendito seja Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que nos abençoou com
toda a bênção espiritual em Cristo, declara São Paulo (Ef 1, 3).
O fruto da Virgem é bendito pelos Anjos. O Apocalipse (7, 11) nos
mostra os Anjos caindo com a face por terra e adorando o Cristo com seus
cantos: O louvor, a glória, a sabedoria, a ação de graças, a honra, o poder e
a força ao nosso Deus pelos séculos dos séculos. Amém.
O fruto de Maria é também bendito pelos homens: Toda a língua confesse
que o Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Pai, nos diz o Apóstolo (Fp
2, 11). E o Salmista (Sl 117, 26) o saúda assim: Bendito o que vem em nome do
Senhor.
Assim, pois, a Virgem é bendita, porém, bem mais ainda, é o seu fruto. |
Fonte: Pai Nosso e Ave Maria – Sermões de Santo Tomás de Aquino.
Editora Permanência, Rio de Janeiro
|
www.espacomaria.com.br Artigo n.º 2753
Publicado em: 12/10/10 às 08:04:47
Publicado em: 12/10/10 às 08:04:47
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