A
propósito do tema abordado por uma catequizanda dos Arautos do Evangelho, a
virtude da modéstia, cujo vídeo postamos a seguir, vejam interessante texto que
trata do assunto:
“Uma vez que o pudor e a vergonha ensinam o
limite entre o decente e o indecente, podemos nos perguntar de que modo
acontece a presença do belo na pessoa. A resposta é a que dá título a estas
páginas: compostura e elegância. Já se
disse que o objeto da elegância é a presença do belo na figura, nos atos e
movimentos, melhor dizendo, na manutenção ativa dessa presença, aquela obra de
ajuste e compostura que faz com que a pessoa seja, não somente digna e decente,
senão bela e formosa ante si e ante os demais.
Para explicar esta idéia vou propor ao
leitor uma certa novidade, para a qual solicito sua aprovação. Consiste em
introduzir uma distinção entre duas “elegâncias”, uma tem um sentido mais bem
negativo, como se fosse só para preservar do vergonhoso. É a que chamarei
compostura. A outra é a elegância “de verdade”, plena de sentido positivo, que
inclusive poderia definir-se como a beleza pessoal.
A compostura é o sentido negativo da
elegância enquanto designa ausência de feiúra na figura e conduta pessoais. Na
realidade esta atitude humana foi considerada pelos clássicos como uma virtude,
para eles algo menor que denominaram “modéstia”. O Dicionário da Real Academia
Espanhola da Língua diz que modéstia é “qualidade de humilde, falta de
envaidecimento, pobreza, escassez de meios”, e este é certamente o sentido
atual dessa palavra na linguagem ordinária.
Porém esse mesmo Dicionário antepõe outra
acepção distinta, tomada diretamente da filosofia clássica, que diz assim:
“Virtude que modera, tempera e regula as ações externas, contendo o homem nos
limites de seu estado, segundo o conveniente a ele”. Ninguém entende hoje assim
a modéstia. Por isto tem que chamá-la mais bem de “compostura”, e assim me
parece que haveria de se fazer, retificando o Dicionário se for necessário.
Para Andrónico de Rodas, primeiro editor das
obras de Aristóteles, a compostura era “a ciência do que diz bem (o dizente, ou
decente) no movimento e nos costumes”, “a boa ordem que se ocupa do conveniente
nos diversos negócios e circunstâncias”, “espírito de discernimento, quer
dizer, de distinção, nas ações”. Seu mestre Aristóteles, ao contrário, dizia
que a compostura (por acaso ela a chamou de outra forma: afabilidade) versa
sobre o que resulta agradável ou desagradável nos ditos e feitos a respeito dos
homens com quem se convive. Isto não é outra coisa senão as boas maneiras das
quais hoje tanto se fala. Tomás de Aquino, por sua parte, afirma que a
compostura ou decoro é uma virtude que regula os movimentos externos do corpo.
Um autor de moda que escreve sobre as
virtudes, o francês A. Comte-Sponville, insiste em que a cortesia não é uma
virtude, mas uma espécie de qualidade necessária para a convivência humana.
Neste caso parece obrigado discordar, pois a compostura engloba algo mais
profundo que a simples cortesia externa, mesmo que ambas apontem para uma boa
educação, os bons modais e palavras na vida social. Ser cortês não é somente
tratar correta e educadamente às pessoas, o qual implica já reconhecê-las
dignas de bom trato, senão todavia mais: omitir decididamente todo detalhe que
resulte molesto ou vergonhoso, e inclusive procurar a compostura, a finura e o
donaire no falar e no atuar, de modo que se mereça por isso a estima, o apreço
e até a admiração.
A compostura inclui em primeiro lugar
limpeza, ausência do sujo e manchado que poderiam enfear a pessoa. Em segundo
lugar contém pulcritude, que é um asseio cuidadoso, o cuidado da própria
presença, um estar a pessoa “composta” e preparada, em disposição de aparecer
publicamente ante quem em cada caso corresponda. Em terceiro lugar compostura é
ordem, um saber estar que não se refere somente à disposição material de objetos
e vestidos, mas ao movimentar-se de modo conveniente, no momento adequado e,
sobretudo, com gestos adequados. Isto é o decoro, algo assim como a ordem dos
gestos e das palavras, sua oportunidade e mesura, sua adequação com o que
querem expressar e com o destinatário dessa expressão: decoro são, portanto, as
boas maneiras.
A educação na elegância começa pelo ensino
destes aspectos básicos incluídos na compostura. As crianças dificilmente
compreendem sua importância, mas sem ela não se tornam aptos para ingressar na
vida social. É um erro corrente, que se torna moda em épocas e pessoas
românticas, julgar que tudo isto é convenção e artifício hipócrita, quando na
realidade constitui algo assim como a civilização do instinto e da
espontaneidade por meio de ritual e costume, algo que constitui a base de toda
educação e aprendizagem humanos. O
“naturalismo”, na forma nudista, robinsoneana ou “hippie”, geralmente termina
na decadência, esse “Teísmo” sem elegância que não é consciente de sua
vulgaridade. As boas maneiras são, nas palavras de Kant, o que “transforma a
animalidade em humanidade”.
Manter a compostura exige cuidado, tempo,
ajuste em definitivo. Isto obriga a dedicar-se atenção, a ocupar-se de si mesmo
e da própria aparência. Se alguém não quer mostrar-se desalinhado deve cuidar
de sua exterioridade, cortar as unhas, trocar de roupa, prestar atenção, evitar
as manchas e os maus odores. Perder a compostura é uma forma de perder a
dignidade: quem já não se encontrou na situação de ter que escolher entre
correr para subir no ônibus ou não se ficar sem elas? A pessoa descomposta e
descuidada se despedaça, contém um déficit do reto amor a si mesma que precisa
para remediar os defeitos e deteriorizações de sua condição corpórea e
temporal, que irremediavelmente vão se introduzindo nela em forma de desgaste e
malefício. Pelo contrário, a pessoa composta tem um centro que reúne o
disperso, uma regra que mede e ordena, um sossego nascido do estar dona de si”.
(Extraído do artigo “A Elegância, Algo Mais que Boas
Maneiras”,- Autor: Ricardo Yepes Stork - In : Revista “Nuestro Tiempo”, nº
508, outubro de 1966 - pp. 110-123).
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