sexta-feira, 6 de março de 2020

COMO DEVE SER A DISCIPLINA NUM SEMINÁRIO






BENTO XVI RESPONDENDO A PERGUNTAS DE SEMINARISTAS - II


CLAUDIO FABBRI, Diocese de Roma do II ano (2º ano de Filosofia)

2. Santo Padre, como se desenvolvia a sua vida no período da formação para o sacerdócio e que interesses cultivava? Considerando a experiência feita, quais são os pontos fundamentais da formação para o sacerdócio? Em particular, Maria, que lugar ocupa nela?
Penso que a nossa vida, no nosso seminário de Freising, se desenvolvia num modo muito semelhante ao vosso, mesmo se não conheço exatamente o vosso horário quotidiano. Iniciava-se, parece-me, às 6.30h ou 7h, com uma meditação de meia hora, durante a qual cada um em silêncio falava com o Senhor, procurava dispor o ânimo para a Sagrada Liturgia. Depois seguia-se a Santa Missa, o pequeno almoço e, durante a manhã, as lições.
À tarde, eram realizados seminários, tempos de estudo, e depois ainda a oração comum. À noite, os chamados "puncta", isto é, o diretor espiritual ou o reitor do seminário, nas diversas noites, falavam sobre como ajudar-nos a encontrar o caminho da meditação, não nos dando uma meditação já feita, mas elementos que podiam ajudar cada um a personalizar as Palavras do Senhor que seriam objeto da nossa meditação.
Este era o percurso para cada dia; depois naturalmente tinham as grandes festas com uma bela liturgia, música... Mas, parece-me, e talvez volte sobre este aspecto no final, é muito importante ter uma disciplina que nos precede e não ter cada dia, de novo, que inventar o que fazer, como viver; há uma regra, uma disciplina que me aguarda e me ajuda a viver o dia de modo organizado.
Agora, em relação às minhas preferências, naturalmente seguia com atenção, na medida do possível, as lições. Inicialmente, nos dois primeiros anos a filosofia, fascinou-me, desde o início sobretudo a figura de Santo Agostinho e depois também a corrente agostiniana da Idade Média: São Boaventura, os grandes franciscanos, a figura de São Francisco de Assis.
Fascinava-me sobretudo a grande humanidade de Santo Agostinho, que não teve a possibilidade simplesmente de se identificar com a Igreja porque era catecúmeno desde o início, mas teve que lutar espiritualmente para encontrar pouco a pouco o acesso à Palavra de Deus, à vida com Deus, chegando ao grande sim à sua Igreja.
Este caminho tão humano, no qual também hoje podemos ver como se começa a entrar em contato com Deus, como todas as resistências da nossa natureza devam ser tomadas a sério e depois devam também ser canalizadas para chegar ao grande sim ao Senhor. Desta forma, fui conquistado pela sua teologia muito pessoal, desenvolvida sobretudo na pregação. Isto é importante, porque inicialmente Agostinho desejava viver uma vida meramente contemplativa, escrever outros livros de filosofia... mas o Senhor não quis, fez dele um sacerdote e um bispo e, assim, o resto da sua vida, da sua obra, desenvolveu-se substancialmente no diálogo com um povo muito simples. Ele teve que encontrar sempre pessoalmente, por um lado, o significado da Escritura e, por outro, ter em consideração a capacidade do povo, do seu contexto vital, e alcançar um cristianismo realista e ao mesmo tempo muito profundo.
Depois, para mim era naturalmente muito importante a exegese: tivemos dois exegetas um pouco liberais, mas contudo grandes exegetas, também realmente crentes, que nos fascinaram. Posso dizer que, realmente, a Sagrada Escritura era a alma do nosso estudo teológico: vivemos a Sagrada Escritura e aprendemos a amá-la, a falar com ela. Depois, já falei da Petrologia, do encontro com os Padres. Também o nosso professor de dogmática era então muito famoso, tinha alimentado a sua dogmática com os Padres e com a Liturgia. Um aspecto muito central para nós era a formação litúrgica: naquele tempo ainda não havia cátedras de Liturgia, mas o nosso professor de Pastoral deu-nos grandes cursos de liturgia e ele, na época, era também Reitor do seminário e assim, liturgia vivida e celebrada e liturgia ensinada e refletida caminhavam juntas.
Eram estes, juntamente com a Sagrada Escritura, os pontos principais da nossa formação teológica. Por isto estou sempre grato ao Senhor, porque juntos são realmente o centro de uma vida sacerdotal.
Outro interesse era a literatura: era obrigatório ler Dostoievski, era a moda do momento, depois tinham os grandes franceses: Claudel, Mauriac, Bernanos, mas também a literatura alemã; havia ainda uma edição alemã de Manzoni: na época eu não falava italiano. Desta maneira também formámos, neste sentido, o nosso horizonte humano. A música era também um grande amor, assim como a beleza da natureza da nossa terra. Com estas preferências, com estas realidades, num caminho nem sempre fácil, fui progredindo. O Senhor ajudou-me a chegar ao sim do sacerdócio, um sim que me acompanhou todos os dias da minha vida.

(VISITA AO PONTIFÍCIO SEMINÁRIO MAIOR ROMANO
POR OCASIÃO DA FESTA DE NOSSA SENHORA DA CONFIANÇA - ENCONTRO DE SUA SANTIDADE BENTO XVI
COM OS SEMINARISTAS -
Sábado 17 de Fevereiro de 2007)

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