Hoje, os indígenas não comungam mais do paganismo bárbaro
em que viviam no século XVI, mas ainda havendo tristes vestígios. Vejamos como
eram vistos os feiticeiros naqueles tempos.
Inúmeros cronistas, dentre os quais Frei Vicente do
Salvador, o Apóstolo do Brasil São José de Anchieta, o explorador português
Gabriel Soares de Sousa, em suas famosas crônicas ou cartas descreveram os
feiticeiros de forma diferente como são apresentados por certa corrente moderna,
como se verá abaixo:
“Não há
entre este gentio médicos sinalados senão seus feiticeiros, os quais moram em
casas apartadas, cada um per si, e com a porta mui pequena, pela qual não ousa
alguém entrar, nem tocar-lhe em alguma coisa sua, porque, se algum lhas toma,
ou lhes dá o que eles pedem, dizem: vai, que hás de morrer, a que chamam lançar
a morte. E são tão bárbaros que se vai logo lançar na rede sem querer comer e
de pasmo se deixa morrer, sem haver quem lhe meta na cabeça que pode escapar” [1]
A forma como eles “curavam” as pessoas é também
descrita:
“Aqueles
feiticeiros... De fato, chupam os outros
quando estes sofrem alguma dor, e afirmam que os livram da doença e que têm sob
seu poder a vida e a morte. Nenhum
destes aparece entre nós, porque lhes descobrimos os enganos e as mentiras”.[2]
Não é um jesuíta, mas um leigo, o explorador
Gabriel Soares de Sousa, quem fala da relação que os feiticeiros tinham com o
demônio:
“Entre
este gentio Tupinambá há grandes feiticeiros, que tem este nome entre eles, por
lhes meterem na cabeça mil mentiras; os quais feiticeiros vivem em casa
apartada cada um por si, a qual é muito escura e tem a porta muito pequena,
pela qual não ousa ninguém de entrar em sua casa, nem de lhe tocar em cousa
dela; os quais pela maior parte não sabem nada, e para se fazerem estimar e temer
tomam este ofício, por entenderem com quanta facilidade se mete em cabeça a
esta gente qualquer coisa; mas há alguns
que falam com os diabos, que os espancam muitas vezes, os quais os fazem muitas
vezes ficar em falta com o que dizem...
...lhe dizem – Vai que hás de morrer: ao que chamam lançar a morte; e são
tão bárbaros que se vão deitar nas redes
pasmados, sem quererem comer, e de pasmo se deixam morrer, sem haver
quem lhe possa tirar da cabeça que podem escapar do mandado dos feiticeiros,
aos quais dão alguns índios suas filhas por mulheres, com medo deles... Muitas vezes acontece aparecer o diabo a este
gentio, em lugares escuros, e os espanca, de que morrem de pasmo...”[3]
Nem por causa disso deixam de ser estimados pela
tribo, conforme relata o padre Simão de Vasconcelos:
“Têm
grande canalha de feiticeiros, agoureiros e bruxos. Aqueles (a que chamam
Pajés, ou Caraíbas) com falsas aparências os enganam; e estes o embruxam a cada
passo... ...Os feiticeiros, agoureiros e
curadores, são entre eles os mais estimados...
...Os modos de dar seus oráculos, e adivinhar os futuros, são vários, e
ridículos... Usam alguns de um cabaço a
modo de cabeça de homem fingida, com cabelos, orelhas, narizes, olhos e boca:
estriba este sobre uma flecha, como sobre pescoço, e quando querem seus
oráculos, fazem fumo dentro deste cabaço com folhas secas de tabaco queimadas;
e do fumo que sai pelos olhos, ouvidos, e boca fingida da cabeça, recebem pelos
narizes tanto, até que com ele ficam perturbados, e como tomados de vinho, e
depois de assim animados, fazem visagens, e cerimônias, como se fossem endemoninhados:
dizem aos outros o que lhes vem à boca, ou o que lhes ministra o diabo; e tudo
o que dizem enquanto dura aquele desatino, crêem firmemente, qual se fora entre
nós revelação de algum Profeta”[4]
A feitiçaria era também um meio de exercer o poder
despótico sobre a tribo. A autoridade exercida pelos feiticeiros era
incontestável, embora raramente exercessem a função de caciques ou chefes da
tribo. Todos os cronistas são unânimes neste particular. O francês Alfred
Métraux diz que dominavam com terror:
“O terror
espalhado pelos feiticeiros constituía um meio de aquisição de riquezas, pois
podiam eles pedir impunemente o que desejassem. Todas as suas aspirações eram
imediatamente executadas”. [5]
Muitas vezes os feiticeiros não se contentavam com
as coisas que lhe davam e atreviam-se a pedir mulheres para si, em geral as
filhas dos próprios guerreiros, que não tinham coragem de negá-las. E, de modo
geral, eles possuíam muitas mulheres, às vezes dezenas, muitas das quais até
parentas de sangue.
[1] “História
do Brasil 1550-1627” ,
de Frei Vicente do Salvador – Editora
Itatiaia e Universidade de São Paulo, 1992, págs. 82/83
[2] “Cartas
– Correspondência Ativa e Passiva – Pe. Joseph de Anchieta, SJ – Ed. Loyola,
1984, pág. 73
[3] Tratado Descritivo do Brasil em 1587” – Gabriel Soares de
Sousa – Typografia José Ignácio da Silva, 1879
,págs. 292/293
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