Trata-se de um assunto controverso, mas
que facilmente elucidável se usarmos o bom senso. E a questão não é de hoje,
data do tempo do historiador Varnhagen (século XIX), que afirmou: “havia entre os da mesma tribo uma
verdadeira fraternidade comunista. Nenhum comia ou bebia sem que o fizesse os outros
participantes. A idéia do roubo era quase desconhecida, e muitas vezes tirar o
que o outro sem usar possuía nem se considerava delito...”
Estas observações demonstram certa
parcialidade em prol da idéia do comunitarismo como norma de vida, mas não entra
no mérito da questão do comunismo como filosofia e método de vida política e
social. É verdade que entre certos agentes da Revolução, pelo menos em alguns
momentos fugazes da Revolução Francesa e Comunista, houve uma certa
“fraternidade”, toda ela interesseira e logo transformada em ódio quando posta
diante de algum inimigo. Tão logo o orgulho seja ferido ou um destes elementos se visse na
contingência de perder um bem apreciável, a sua “fraternidade” se transformava
radicalmente em ódio mortal. Na vida tribal nem sequer algo de
“fraternidade” existe e a vida
comunitária, e não comunista como querem alguns, é apenas uma escolha
momentânea de um estilo de vida.
Com relação ao suposto “comunismo”
tribal, ou seja, a ausência da propriedade privada e a vida em comunidade,
vejamos o que diz Dr. Plínio Corrêa de Oliveira em sua obra “Tribalismo
Indígena, Ideal Comuno-Missionário para o Brasil do Século XXI” (Editora Vera
Cruz, 1976, São Paulo):
“Nossos
índios podem ser qualificados de comunistas? A pergunta só pode despertar o
sorriso.
“De
comunista, o índio nada tem. Nem a doutrina, nem a mentalidade, nem os
desígnios.
“O
estado em que ele se encontra apresenta apenas traços de analogia com o regime
comunista. Por um desses jogos de coincidência que aparecem, freqüentes, quando
se faz a comparação entre os estágios primitivos e os de decadência. Entre a
infância e a velhice, por exemplo.
“Não
é porque seja doutrinariamente contrário à propriedade privada, que o primitivo
tem (ou quase só tem) a propriedade comum.
“Pela
mesma razão porque o homem da era da
pedra lascada, se não usava a pedra polida, não era de modo algum porque
pensasse que não a devia usar. Mas simplesmente porque não a tinha inventado.
“”Nessa
perspectiva, o índio não pode ser equiparado ao “civilizado”, que conhece a
propriedade privada, a família monogâmica e indissolúvel, e tudo quanto dessas
fecundas instituições nasceu e floresceu, mas tem aversão a esses troncos e a
seus frutos. Este “civilizado” lhes quer pôr o machado na raiz.
“Em
suma, uma nação indígena pode ser comparada a uma planta que não cresceu, mas
ainda poderá crescer. O adversário da família e da propriedade, nostálgico do
comunitarismo ou do comunismo (classifique-o cada um como melhor entenda)
tribal, é um demolidor...”[1]
Apesar de nos parecer que o texto acima
tenha esclarecido a questão com bastante clarividência, exporemos abaixo outros
em que se fala a respeito das rústicas noções que os índios tinham (e ainda têm algumas tribos) do direito de propriedade, consideradas básicas para um regime dito comunista se forem simplesmente desconhecidas ou negadas.
O direito de propriedade
entre os índios
O pesquisador naturalista Carl F. P. von
Martius descreve detalhes sobre o conceito que o índio tinha da propriedade
privada:
“Por
inferior que pareça a civilização dos autóctones brasileiros por estes traços
de seus costumes em relação ao direito, todavia, não lhes é desconhecida a idéia da
propriedade, tanto em relação à comunidade como ao indivíduo...
“...Em
toda a extensão que as famílias de uma horda ocupam numa certa região, é esse
território considerado propriedade da comunidade. Esta idéia está clara e viva
na alma do índio e ele compreende a propriedade comum como cousa inteiriça da
qual porção alguma pode pertencer a um indivíduo só...
“Esta
idéia nítida de uma propriedade determinada da tribo toda, baseia-se
principalmente na necessidade de possuir uma certa região de mata para terreno
exclusivo de caça...
“...o
selvagem... considera como propriedade da tribo o terreno que ele cultiva mas,
em sentido restrito torna-se, todavia, imóvel privado, tal como acontece com a
cabana, sendo estes dois imóveis considerados mais como propriedade de toda a
família ou famílias que moram nele, do que propriedade individual exclusiva... ...Tais bens de raiz são adquiridos somente
em comum e por isso, com mais direito ainda, considerados propriedade de todos...
“Quando
várias famílias habitam o mesmo edifício, pertence a cada uma o lugar onde tem
armada a rede e onde acende a sua fogueira. Neste lugar, geralmente marcado por
postes na parede, cada família trata de seus negócios particulares... sem que
as outras tomem parte neles. ...Estas
moradias, e também a cabana do chefe onde tem lugar as reuniões, são
consideradas propriedades dos moradores, embora que toda a tribo ou várias
famílias vizinhas ajudassem para a sua construção...
“...A
circunstância, porém, de que todos estão nas mesmas condições para obter o que
precisam e que, aqui não existe como nos países civilizados, ricos e pobres,
parecer o paládio da probidade do índio,
porque no índio se acende também a cobiça daquilo cuja posse, só casualmente e
com dificuldade se alcança, de forma que também aqui a ocasião faz o ladrão.
“Consideram-se
como objetos de propriedade privada: as armas e os ornatos dos homens, os
ornatos e as roupas das mulheres quando as tiverem. Tudo mais, como redes,
vasilhames, aparelhos para o fabrico da farinha, etc., constitui propriedade da
família. [2]
Vemos descritas acima três tipos de
propriedades, tão tênues quanto a cultura tribal: a coletiva, a familiar e a
privada. Devido atraso em que vivem os índios, estes rudimentos de propriedade
seria até essencial, mas não ideal, isto é, é-lhes útil para a sobrevivência
mas de forma precária e não os faz crescer mais culturalmente. É diferente do
sistema comunista, pelo menos do comunismo clássico, que se convencionou chamar
de “capitalismo de Estado”, onde toda a propriedade deve ser coletiva “por
direito”, isto é, por força de uma disposição legal do Estado: se há algo na posse de um indivíduo ou
família é transitório e considerado como favor estatal, em benefício do que
eles chamam de “bem comum”...
[1]“Tribalismo Indígena, Ideal Comuno-Missionário
para o Brasil do Século XXI” – Plínio Corrêa de Oliveira – Editora Vera Cruz,
1978, pág.
40.
[2] “O
Estado de Direito entre os Autóctones do Brasil – Carl F. P. von Martius –
Editora Itatiaia e Ed. Universidade de São Paulo, 1982, págs. 35/40
Nenhum comentário:
Postar um comentário