Dom Antonio Macedo Costa foi bispo do Pará, no
período de 1861 a 1889, quando foi nomeado para a Diocese de Salvador, vindo a
falecer em março de 1891 antes de tomar posse. Foi um dos principais
protagonistas da “questão religiosa”, no reinado de Dom Pedro II, juntamente
com Dom Vital, Arcebispo de Olinda e Recife, quando ambos foram presos e depois
indultados e libertados por interferência da Princesa Isabel.
A Carta Pastoral abaixo transcrita demonstra uma
época em que nossos bispos tinham grande conhecimento de teologia e defendiam
os dogmas católicos com ardor. O Bispo está se dirigindo ao lugar chamado
Vigia, uma vila próxima a Belém, onde foi publicado um artigo contrário à
virgindade de Nossa Senhora. Dom Macedo não o diz, mas é provável que o tal professor
deveria ser protestante, os quais já andavam nessa época fazendo proselitismos
na Amazônia.
“Li com pesar em um periódico publicado aí na
Vigia um artigo assinado por um professor público de primeiras letras, no qual
não só nega um dogma de fé católico definido no último Concílio Ecumênico do Vaticano,
mas insinua claramente que não crê na virgindade de Maria Santíssima.
Esse professor opõe à crença de todos os
séculos no dogma da Virgindade perpétua da Mãe de Deus os testemunhos dos
Evangelhos de São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João. Já se vê que ele
alude às passagens de que os protestantes e exegetas racionalistas abusam para
atacar a Virgindade de Maria Imaculada.
Sustentou antigamente este erro um sórdido
herege chamado Helvídio, a quem São Jerônimo refutou cabalmente, e cuja heresia
foi condenada nos Concílios Ecumênicos 2º de Constantinopla e 2º de Latrão.
Vejamos estes textos dos Evangelhos. O primeiro
é o de São Mateus I, 24: Despertando de seu sono, fez José o que o Anjo lhe
ordenara, e recebeu Maria por sua esposa; e não tinha relação alguma com ela,
até que ela deu à luz seu filho primogênito, a que deu o nome de Jesus. Logo,
concluem os hereges, Maria não foi sempre virgem.
As palavras “até que” indicam só, segundo o uso
da língua hebraica, que até aquele tempo os dois castos esposos não se
conheceram, mas não quer dizer que se conhecessem depois. Assim, quando o
salmista diz: O Senhor disse a Meu Senhor: “Assentai-vos à minha mão direita,
até que eu reduza vossos inimigos a vos servirem de escabelo”; não quer dizer
que, depois de reduzidos os inimigos a escabelo, ao Filho de Deus cessaria de
assentar-se à mão direita de seu Pai; “Como os olhos da serva nas mãos da sua
senhora, assim nossos olhos estão fitos no Senhor, nosso Deus, ATÉ QUE se
compadeça de nós” (Salmo 122). Ainda aqui o ATÉ QUE não indica, de nenhum modo,
que o profeta só terá os olhos elevados a Deus enquanto lhe pede misericórdia,
mas que depois de alcançada a misericórdia os volverá para as criaturas.
Lemos no Deuteronômio: “Morreu Moisés...
sepultaram-no no país de Geth... e ATÉ HOJE
ninguém sabe onde está o seu sepulcro”. ATÉ HOJE, isto é, até o tempo em
que o escritor sagrado escrevia.
Segue-se que depois, nos séculos seguintes, se veio a descobrir o sepulcro de
Moisés? De fato, nunca se descobriu.
“Eu estarei convosco todos os dias até a
consumação dos séculos” disse Jesus. – Pode-se concluir que depois da
consumação dos séculos Ele se separaria dos seus discípulos, e que quando eles
se assentarem para julgar as tribos de Israel estarão privados da presença do
Senhor?
Todos esses passos e outros muitos alegados por
São Jerônimo contra Helvídio tapam a boca aos que blasfemam contra a virgindade
de Maria Santíssima fundados naquele texto de S. Mateus.
Ainda hoje dizemos: Eu amei e respeitei a meu
pai até o dia de sua morte. A ninguém vem à cabeça pensar que, falando assim,
nós queremos dizer que, depois da morte de nosso pai, lhe faltamos ao amor e ao
respeito.
O que o Evangelista queria simplesmente afirmar
era que Jesus não foi gerado como os outros homens, mas por uma operação
miraculosa do Espírito Santo. Nada mais.
A palavra primogênito (“hecor’ em hebraico)
significa propriamente o filho que não tem outros antes. Moisés diz: (Êxodo
III, 2) “Santificai-me o primogênito que abre o seio materno”. Evidentemente
Deus não ordena que lhe seja oferecido somente o primogênito que teve outros
irmãos depois de si, mas todo menino cujo nascimento não é precedido de outro.
Se primogênito só significasse o filho que é
seguido de outros, então a lei mosaica não obrigaria senão depois que de fato
estes nascessem.
Mas não, a lei entende por primogênito também o
filho único. E o Evangelista fala no mesmo sentido.
Lê-se no Êxodo: “Sucedeu, porém, que de cerca
de meia noite feriu o Senhor todo primogênito na terra do Egito, desde o
primogênito do Faraó, etc.” Pergunta-se: também foram mortos pelo Anjo
exterminador os unigênitos, ou só os primogênitos?
“Se primogênitos só se chamam aqueles que têm
irmãos, logo foram livres da morte os unigênitos. Se, porém, também os
unigênitos foram mortos, foi isso contra a sentença, matando-se os unigênitos
de envolta com os primogênitos. Ou
livrarás os unigênitos da pena, e serás ridículo; ou se confessares que foram
mortos teremos te obrigado a reconhecer que também os unigênitos se chamam primogênitos”
(“Liber adversus Hebridium”)
É argumento irrespondível do exímio doutor São
Jerônimo.
Agora vejamos os textos em que se fala dos
irmãos de Jesus.
Lê-se em Mateus que os judeus de Nazaré, vendo
as maravilhas operadas pelo Salvador, diziam: “Não é este o filho de um
carpinteiro? Sua Mãe não é uma chamada Maria? Tiago, José, Simão e Judas não
são seus irmãos?” (S. Mateus XIII, 55;
Marcos VI, 3)
Em outro lugar, estando Jesus ensinando ao
povo, vieram-lhe com este recado: “Vossa Mãe e vossos irmãos aí estão fora, e
vêm vos procurar...” (Math XII, 47-50) e São João ajunta que os irmãos de Jesus
não criam nele (Joan VII, 5 et álibi). Desta palavra IRMÃOS, mal entendida, têm
abusado os antigos hereges, e os hodiernos protestantes e racionalistas, contra
a Virgindade de Nossa Senhora. Mas isto é um comento ou invenção sem
fundamento.
1º . Sempre foi doutrina, geralmente recebida
na Igreja, ensinada por todos os Padres e doutores, desde o tempo dos
Apóstolos, que Maria foi sempre Virgem, antes do parto, no parto e depois do
parto. De modo que, quando mais tarde apareceu a doutrina contrária de
Helvídio, Joviniano e outros, foi ela repelida por toda a Igreja como uma
novidade ímpia e uma horrenda blasfêmia. Ora esta crença, esta tradição
prendeu-se ao berço do Cristianismo, como poderia ter-se estabelecido, se Jesus
tivesse publicamente irmãos no sentido próprio da palavra?
2º . Irmãos na língua hebraica não significa só
os irmãos propriamente ditos, mas os parentes chegados. Prova-se pela
Escritura.
Loth é chamado irmão de Abraão, bem que só
fosse sobrinho (Gên XIV, 14-16). Labão,
irmão da mãe de Jacó, é chamado irmão de Jacó (Gên XXIX, 15). Jacó diz a Raquel que ele é irmão do pai dela
(Gên XXIX, 11). Ora, Jacó só tinha um irmão propriamente dito, que era Esaú, e
em outra parte fala de irmãos seus e de Labão, isto é, parentes chegados (Gên
XXIX, 31,36, 37). A língua hebraica é pobre e só tem a palavra irmão para
designar primão irmão, sobrinho, cunhado, etc.
Por isso, quem não sabe deste hebraísmo se engana
facilmente com a palavra irmãos vertida literalmente do original para a
vulgata.
3º . São José tinha um irmão chamado Cleofas,
ou Alfeo (É a mesma palavra hebraica, com ou sem aspiração).
Maria, esposa de Cleofas, era, portanto,
cunhada de Maria Santíssima (S. Juan XIX, 25).
Ora, esta Maria, segundo São Marcos (XV, 40),
era mãe de Tiago (o menor) e de José. Além disso, São Judas na sua epístola diz
ser ele Judas irmão de Tiago. Portanto, o Tiago, José e Judas que, segundo S.
Mateus, eram considerados pelo povo como irmãos de Jesus, eram exatamente os
três filhos de Cleofas, que vinham a ser primos-irmãos de Jesus.
Falta Simão. Segundo Hesesipo e Eusébio,
autores antiquíssimos, Simão, que foi bispo de Jerusalém, foi também filho de
Cleofas, Temos, pois, inteirada a conta e os evangelistas concordes.
Os irmãos de Jesus eram, pois, seus
primos-irmãos.
4º . Pode-se ainda supor que São José, depois
da morte de seu irmão Cleofas, tivesse adotado os filhos dele. Estas adoções
não eram raras entre os judeus, diz o sábio Mr. Dehaut. Nesta hipótese os
filhos de Cleofas seriam ainda em sentido mais próprio irmãos de Jesus.
5º . O ímpio Renan, que sabe o Hebreu, confessa
que Tiago, José, Simão e Judas, chamados no Evangelho irmãos de Jesus, são
filhos de Maria, mulher de Cleofas, e,
portanto, primos de Jesus (Vida de Jesus, pág. 24). Mas, como serpente, faz um
torcicolo, e diz para satisfazer a sua impiedade, e sem prova alguma, que Jesus
teve também verdadeiros irmãos. “Os irmãos de Jesus, diz ele, constituíam na
igreja primitiva uma espécie de ordem paralela à dos Apóstolos”. Que mentiroso! Mas, se havia publicamente
esta ordem paralela dos Apóstolos, devia ser tão conhecida como os Apóstolos.
Por que é que nenhum Evangelista, nenhum autor eclesiástico conheceu os nomes
desses irmãos de Jesus? Se Jesus tinha irmãos como é que do alto da Cruz deixou
sua Mãe a São João, filho de Salomé e de Zebedeu? Por que não fazem menção os Evangelistas
desses irmãos quando tratam da viagem de Maria Santíssima a Jerusalém? A ordem
paralela é, pois, um romance de Renan, sem valor nenhum científico.
6º . As mais altas conveniências da fé nos
firmam na certeza de que a Mãe do Verbo ficou sempre Virgem: “Não se pode
supor, diz Santo Ambrósio, que aquela que recebeu Deus em seu seio pudesse
receber depois, nesse santuário da divindade, um homem impuro e manchado pelo
pecado original, e que José ousasse tocar, consagrada como estava pelo
nascimento do Salvador, aquela que ele antes tinha respeitado”.
Olshansen, exegeta protestante, nota com razão
que parece natural e conveniente que a última descendente de Davi, de cujo ramo
devia nascer o Messias, terminasse sua raça por este último e eterno florão.
As explicações e argumentos que acabamos de
expor bastam para satisfazer as pessoas bem intencionadas. Se aí houver alguma
cuja fé vacile, leia e explique esta minha carta escrita no dia da festa da
Maternidade da Virgem Maria, ínclita Padroeira dessa paróquia e da diocese,
como uma homenagem à sua integridade virginal, à sua pureza sem mácula, que o
inferno com imunda blasfêmias tenta debalde ofuscar.
Deploremos muito d’alma, Sr. Vigário, que num
país católico apostólico romano, como o nosso, se ache a mocidade exposta a
ouvir atacar por um professor público os dogmas mais respeitáveis do
Cristianismo; deploremo-lo, e dobremos de vigilância para guardar o depósito
sagrado e vinga-lo contra os assaltos da impiedade. Receba minha bênção afetuosa.
Antonio, Bispo do Pará.
(Rev. Sr. Padre Mâncio Caetano Ribeiro, Pároco
da Vigia)
(Extraído do livro “Dom Macedo Costa, Bispo do
Pará”, págs. 364/369)
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