terça-feira, 24 de setembro de 2019

GUERRAS E ESPÍRITO DE VINGANÇA ENTRE OS ÍNDIOS





Quando os nossos primeiros colonizadores chegaram ao nosso país encontraram um clima de constantes guerras entre os índios locais. As levas de nativos que chegavam à costa guerreavam-se mutuamente umas com as outras, e os inferiorizados em geral fugiam para o interior, daí originando várias denominações e tribos diferentes espalhadas pelos vastos sertões.
O espírito guerreiro pode ser um atributo altamente nobre num povo, mas quando destinado a fins mais elevados como a defesa da honra, da Pátria, de valores morais, etc. Não era assim movido o espírito guerreiro dos índios, mas sim o da vingança ou de alguma futilidade qualquer. Muitas vezes as guerras destinavam-se à simples captura de inimigos para serem comidos em seus festins antropofágicos ou escravidão de mulheres para possuírem em seus haréns.
O padre francês Pierre Thevet informa que os índios faziam guerra uns contra os outros por motivos fúteis, ou o simples desejo de vingança: “Move-os apenas o mero apetite de vingança, e nada mais, tal e qual se fossem animais ferozes”. Diversos outros cronistas afirmam a mesma coisa, ao contrário de Montaigne, que só via nobreza e generosidade nas guerras indígenas.
Um desses cronistas, outro padre francês, Claude d”Abbebille, afirma:
“...haverá maior barbaridade do que se mostrar hostil contra os vizinhos, a ponto não somente de lhes  fazer sem trégua uma sangrenta guerra, mas ainda, para exterminar-lhes a raça, comer-lhes a carne até vomitar? Crueldade bárbara, barbaridade cruel! No entanto, disso é que se vangloriam os tupinambás, julgando-se tanto mais gloriosos quanto o número de homens que mataram na guerra e de inimigos que comeram”.  “(...) é  preciso que se saiba que não fazem a guerra para conservar ou estender os limites de seu país, nem para enriquecer-se com os despojos de seus inimigos, mas unicamente pela honra e pela vingança. Sempre que julgam ter sido ofendidos pelas nações vizinhas ou não, sempre que se recordam de seus antepassados ou amigos aprisionados e comidos pelos inimigos, excitam-se mutuamente à guerra, a fim, dizem, de tirar desforra, de vingar a morte de seus semelhantes”[1]
Diversos outros historiadores ou cronistas manifestam o mesmo ponto de vista de Claude d’Abbeville, como o pastor protestante Jean de Léry:
“Os selvagens se guerreiam não para conquistar países e terras uns aos outros, porquanto sobejam terras para todos; não pretendem tampouco enriquecer-se com os despojos dos vencidos ou o  resgate dos prisioneiros. Nada disso os move. Confessam eles próprios serem impelidos por outro motivo: o de vingar pais e amigos presos e comidos, no passado... ...o ódio entre eles é tão inveterado que se conservam perpetuamente irreconciliáveis”[2]
O historiador do século XIX, Francisco de Varnhagen, também confirma o que se disse acima, acrescentando que havia também guerras feitas apenas para escravizar inimigos ou para a conquista brutal de mais mulheres para seus haréns. Causava, além disso, o enfraquecimento e até extermínio das tribos: “...as guerras de extermínio, que mantinham entre si, eram causa de que as tribos ou cabildas se debilitassem cada vez mais em número, em vez de crescerem. Além de que, essas mesmas cabildas pequenas que existiam, mantinham-se por laços sociais tão frouxos, que tendiam a fracionar-se cada vez mais e a guerrear-se, ficando inimigos acérrimos os que  antes combatiam juntos...”[3]  O cronista português Gabriel Soares de Sousa acrescenta que a população indígena só fazia diminuir por causa das guerras. Como exemplo diz ele que a nação dos Tupinaês estava sendo dizimada pelos Tupis da costa do Brasil, sendo expulsos para o sertão.
Idéia bem diferente da realidade era apregoada pelos renascentistas, repetida pelos estruturalistas e indigenistas modernos (como os do CIMI), como Michel de Montaigne, que dizia que os índios “fazem a guerra de um modo nobre e generoso e ela é desculpável e bela na medida em que pode ser desculpável e bela essa doença da humanidade, pois não têm entre eles outra causa senão a da inveja da virtude...”[4]
Montaigne nunca esteve nas Américas, mas mesmo assim resolveu escrever sobre os costumes de nossos silvícolas como se fosse um entendido. No entanto, tal pensamento já fazia parte de uma corrente filosófica que procurava deturpar completamente a visão da vida tribal, chegando ao ideal defendido por Rousseau e dos estruturalistas do século XX.
Ao contrário de tal corrente, São José de Anchieta afirmou conclusivo:
“Mas como esta é guerra antiga, que no Brasil não se acabará, senão com os mesmos índios”.  Quer dizer, somente civilizando-o e fazendo-o deixar de ser índio, largando a vida tribal em sua natureza mais brutal, é que faria o silvícola acabar com esta belicosidade insana.




[1] “História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas – Claude d’Abbeville – Ed. Itatiaia e Ed. Universidade de São Paulo, 1975, pág. 229
[2] “Viagem à Terra do Brasil” – Jean de Léry – Liv. Martins Editora, 1967, págs. 157/158
[3] “História Geral do Brasil”, Edições Melhoramentos –Francisco Adolfo de  Varnhagen, vol.1, 9ª. Edição, 1978, pág. 24
[4] Ensaios” – Michel de Montaigne – Biblioteca dos Séculos, pág.  265

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