Quando os nossos primeiros colonizadores
chegaram ao nosso país encontraram um clima de constantes guerras entre os
índios locais. As levas de nativos que chegavam à costa guerreavam-se
mutuamente umas com as outras, e os inferiorizados em geral fugiam para o
interior, daí originando várias denominações e tribos diferentes espalhadas pelos
vastos sertões.
O espírito guerreiro pode ser um
atributo altamente nobre num povo, mas quando destinado a fins mais elevados
como a defesa da honra, da Pátria, de valores morais, etc. Não era assim movido
o espírito guerreiro dos índios, mas sim o da vingança ou de alguma futilidade
qualquer. Muitas vezes as guerras destinavam-se à simples captura de inimigos
para serem comidos em seus festins antropofágicos ou escravidão de mulheres
para possuírem em seus haréns.
O padre francês Pierre Thevet informa
que os índios faziam guerra uns contra os outros por motivos fúteis, ou o
simples desejo de vingança: “Move-os apenas o mero apetite de vingança, e nada
mais, tal e qual se fossem animais ferozes”. Diversos outros cronistas afirmam
a mesma coisa, ao contrário de Montaigne, que só via nobreza e generosidade nas
guerras indígenas.
Um desses cronistas, outro padre francês,
Claude d”Abbebille, afirma:
“...haverá
maior barbaridade do que se mostrar hostil contra os vizinhos, a ponto não
somente de lhes fazer sem trégua uma
sangrenta guerra, mas ainda, para exterminar-lhes a raça, comer-lhes a carne
até vomitar? Crueldade bárbara, barbaridade cruel! No entanto, disso é que se
vangloriam os tupinambás, julgando-se tanto mais gloriosos quanto o número de
homens que mataram na guerra e de inimigos que comeram”. “(...) é
preciso que se saiba que não fazem a guerra para conservar ou estender
os limites de seu país, nem para enriquecer-se com os despojos de seus
inimigos, mas unicamente pela honra e pela vingança. Sempre que julgam ter sido
ofendidos pelas nações vizinhas ou não, sempre que se recordam de seus
antepassados ou amigos aprisionados e comidos pelos inimigos, excitam-se
mutuamente à guerra, a fim, dizem, de tirar desforra, de vingar a morte de seus
semelhantes”[1]
Diversos outros historiadores ou
cronistas manifestam o mesmo ponto de vista de Claude d’Abbeville, como o pastor
protestante Jean de Léry:
“Os
selvagens se guerreiam não para conquistar países e terras uns aos outros,
porquanto sobejam terras para todos; não pretendem tampouco enriquecer-se com
os despojos dos vencidos ou o resgate
dos prisioneiros. Nada disso os move. Confessam eles próprios serem impelidos por
outro motivo: o de vingar pais e amigos presos e comidos, no passado... ...o
ódio entre eles é tão inveterado que se conservam perpetuamente
irreconciliáveis”[2]
O historiador do século XIX, Francisco
de Varnhagen, também confirma o que se disse acima, acrescentando que havia
também guerras feitas apenas para escravizar inimigos ou para a conquista
brutal de mais mulheres para seus haréns. Causava, além disso, o enfraquecimento
e até extermínio das tribos: “...as
guerras de extermínio, que mantinham entre si, eram causa de que as tribos ou
cabildas se debilitassem cada vez mais em número, em vez de crescerem. Além de
que, essas mesmas cabildas pequenas que existiam, mantinham-se por laços
sociais tão frouxos, que tendiam a fracionar-se cada vez mais e a guerrear-se,
ficando inimigos acérrimos os que antes
combatiam juntos...”[3] O cronista português Gabriel Soares de Sousa
acrescenta que a população indígena só fazia diminuir por causa das guerras.
Como exemplo diz ele que a nação dos Tupinaês estava sendo dizimada pelos Tupis
da costa do Brasil, sendo expulsos para o sertão.
Idéia bem diferente da realidade era
apregoada pelos renascentistas, repetida pelos estruturalistas e indigenistas
modernos (como os do CIMI), como Michel de Montaigne, que dizia que os índios “fazem a guerra de um modo nobre e generoso
e ela é desculpável e bela na medida em que pode ser desculpável e bela essa
doença da humanidade, pois não têm entre eles outra causa senão a da inveja da
virtude...”[4]
Montaigne nunca esteve nas Américas, mas
mesmo assim resolveu escrever sobre os costumes de nossos silvícolas como se
fosse um entendido. No entanto, tal pensamento já fazia parte de uma corrente
filosófica que procurava deturpar completamente a visão da vida tribal,
chegando ao ideal defendido por Rousseau e dos estruturalistas do século XX.
Ao contrário de tal corrente, São José
de Anchieta afirmou conclusivo:
“Mas
como esta é guerra antiga, que no Brasil não se acabará, senão com os mesmos índios”.
Quer dizer, somente civilizando-o e fazendo-o
deixar de ser índio, largando a vida tribal em sua natureza mais brutal, é que
faria o silvícola acabar com esta belicosidade insana.
[1] “História
da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas –
Claude d’Abbeville – Ed. Itatiaia e Ed. Universidade de São Paulo, 1975, pág.
229
[2] “Viagem
à Terra do Brasil” – Jean de Léry – Liv. Martins Editora, 1967, págs. 157/158
[3] “História
Geral do Brasil”, Edições Melhoramentos –Francisco Adolfo de Varnhagen, vol.1, 9ª. Edição, 1978, pág. 24
Nenhum comentário:
Postar um comentário