O escritor renascentista Michel de Montaigne
pode ter sido o expoente, ou o pioneiro, da moderna corrente indigenista. Já
naquele tempo, século XVI, ele apresentava a “família” indígena da seguinte forma:
“Os
homens têm várias mulheres, em tanto maior número quanto mais famosos e
valentes. Particularidade que não carece de beleza, nesses lares o ciúme, que
entre nós impele nossas esposas a impedir que busquemos a amizade e as boas
graças de outras mulheres, entre eles as induz a arranjarem outras para seus
maridos...”[1]
Montaigne conclui que isto é uma “virtude” matrimonial...
Na realidade, as mulheres indígenas nada
mais são do que escravas do homem, estão sempre a seu serviço. O padre francês
André Thevet informa que quanto mais se notabiliza o homem por sua bravura e
proezas, tanto maior será o número de mulheres que terá a seu serviço:
“E
diga-se, a bem da verdade, que as mulheres trabalham incomparavelmente mais que
os homens, pois é a elas que cabem as tarefas de colher raízes, reparar a
farinha e as bebidas, apanhar os frutos, cultivar os campos, e tudo o mais que
se refere à faina doméstica.
“Apesar
de tudo isso, não costuma a mulher trair o marido depois de casada, pois este,
no caso de surpreendê-la em adultério, não hesitará em matá-la... ...O marido, no entanto, nada fará ao
culpado, pois se tocar nele acarretará contra si a inimizade de todos os
parentes do outro.
“(...)
Há sempre uma entre elas que goza de maior consideração e respeito por parte do
marido, não estando sujeita a tantos trabalhos como as outras...”[2]
A mesma coisa é confirmada pelo
naturalista Carl von Martius:
“...fica
a mulher qual criada submissa, a escrava do homem, num rebaixamento que se
harmoniza no mais com o estado fero do selvagem brasileiro. Forçadas, têm as
mulheres de sujeitar-se a todos os trabalhos agrícolas e domésticos e, sem a
menor independência, sofrem todos os caprichos e todas as arbitrariedades do
homem. E mais: O poder, a influência sobre a comunidade, a ambição e o temperamento
do homem são motivos que mais tarde o determinam a aumentar o número de suas
sub-esposas ou concubinas até cinco ou seis, raras vezes mais, porque a posse
de muitas mulheres é considerada luxo para satisfazer a vaidade... O marido é temido por todas as suas mulheres
até idade avançada e, o maior número de
vezes conquista a sua aparente paz doméstica à custa de rigor extremo; sempre é
ele o juiz em todas as contendas do seu
harém...”[3]
Muitas vezes ficava difícil saber qual a
mulher verdadeira, ou a principal, dada a facilidade com que se largava uma e
pegava outra. O sentimento que muitas índias adquirem ao se unirem a um homem é
o de escravidão. Sendo escrava ela procura obedecer cegamente a seu senhor e à
“principal” das suas mulheres, aquela que é mais do agrado dele e a quem todas
as demais devem ser submissas. Tais sentimentos
impedem, naturalmente, que surjam questiúnculas e ciúmes, não por
benquerença e sim por medo.
Havia ainda outro tipo de escravidão, a
que se submetiam os inimigos capturados para serem mortos e comidos. Neste
caso, as mulheres escravas eram destinadas aos serviços mais pesados, no meio
das outras, e sempre na expectativa de que um dia iriam ser mortas e comidas.
Mais recentemente, Francisco Varnhagen (século
XIX) também confirma que havia escravidão entre os índios:
“Cada
homem, segundo sua valia, tinha uma ou mais mulheres: quando eram várias, a
primeira, ainda que desdenhada e velha, era sempre considerada superior às
outras. Em geral todas aturavam os maridos como escravas: acompanhavam-nos, nas
suas longínquas jornadas, e às vezes até nas expedições de guerra. Estes
hábitos marciais e a dura condição em que, sem ter a elas respeito, as guardavam os maridos, não as levavam a
separações”[4]
Era tal a submissão da mulher ao homem
que quando as mesmas acabavam de parir era o marido que fazia o resguardo. Frei
Vicente do Salvador diz que o índio se deita na rede e, ali coberto de alguma
forma para que não tome vento, fica recebendo as visitas dos amigos até que
seque o umbigo do filho. O mesmo informa o padre Simão de Vasconcelos,
acrescendo que os outros vêm visitá-lo e trazem comidas para ele.
A sorte da mulher era julgada tão
inferior a do homem que muitas mães matavam as filhas logo ao nascer. O Padre
Anchieta conta que, com dificuldade, conseguiu salvar uma recém-nascida que a
mãe queria matar. Este costume bárbaro ainda hoje é comum entre os índios
Yanomâmis[5],
na Amazônia. Costume, aliás, que é praticado também entre outros povos pagãos,
como os chineses.
[2] “As Singularidades da França Antártica” – André Thevet
– Livraria Itatiaia Editora Ltda e Universidade de São Paulo, 1978, págs.
137/138
[3] “O
Estado de Direito entre os Autóctones do Brasil – Carl F. P. von Martius –
Editora Itatiaia e Ed. Universidade de São Paulo, 1982, págs. 50/51
[4] “História Geral do Brasil”, Edições Melhoramentos
–Francisco Adolfo de Varnhagen, vol.1,
9ª. Edição, 1978, pág. 49
[5] V.
reportagem da revista “Veja”, edição de 19.09.1990.
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