Hoje temos a festa
de um grande santo, São Carlos Borromeu, bispo e confessor:
“Suscitado por Deus
para a verdadeira reforma da Igreja. Século XVI. À sua prudência deve-se, em
grande parte, a feliz conclusão do Concílio Tridentino”.
É preciso que os
senhores considerem bem o que quer dizer aqui prudência. A prudência não quer
dizer somente a atitude de um homem cauteloso, que evitou qualquer risco. Este
é o sentido comum da palavra. A prudência, como virtude cardeal, é -
simplificando um pouco as coisas - a virtude que nos faz conhecer e aplicar bem
os métodos necessários para os fins que temos em vista.
(...)Então, o que
se está aqui elogiando em São Carlos Borromeu é porque teve esse acerto; para a
aplicação do Concílio de Trento, ele empregou os métodos adequados. É por isso
também que, na Ladainha Laurentana, se chame Nossa Senhora de Virgo
Prudentissima, a Virgem que - com muito acerto - fez todas as coisas para
chegar ao fim que a super-excelsa vocação d’Ela pedia ou indicava.
“Ele foi cardeal
aos 23 anos, presidiu sínodos e concílios, estabeleceu colégios e comunidades,
renovou o espírito de seu clero e das ordens religiosas. A ele se deve a
criação dos seminários diocesanos no século XVI”.
É uma coisa curiosa
como os modos de ser da Igreja caminham e como são diferentes dos modos de ser
– legítimos – de hoje. Os senhores imaginem que tudo na Igreja estivesse
andando bem. Os senhores imaginem que se fizesse o seguinte elogio de um bispo:
“Esse bispo é muito bom... Primeiro, ele presidiu sínodos” (sínodos são
reuniões de padres sob a direção do bispo para fazerem leis para a diocese; o
bispo é que faz as leis; o padre está ali apenas para dar sugestões, como um
conselheiro qualificado do bispo), “presidiu sínodos, presidiu concílios (ou
seja, concílios parciais de bispos em nome do Papa); depois, estabeleceu
colégios católicos e comunidades religiosas e renovou o espírito de seu clero e
das ordens religiosas”.
Os senhores não
ficariam com uma certa decepção? Não achariam, de um lado, uma coisa excelente
e, de outro lado, não ficariam com uma impressão de que falta qualquer coisa e
que há uma lacuna que deixa passar o perigo, apesar de tudo? Ora, qual é essa
lacuna? É exatamente que, como a
Revolução se estruturou de maneira a organizar um movimento revolucionário de
leigos agindo sobre leigos, não dentro dessas ou daquelas instituições
só, mas no conjunto de todos os fiéis, tornou-se
necessário um movimento de leigos agindo sobre o conjunto dos leigos a favor da
Igreja. E se esse movimento não
for feito, não se tem uma ação eficaz da Igreja. Haveria uma ação falha,
com lacunas.
Exatamente o que
nosso Grupo visa realizar é essa atuação em benefício da Tradição, da Família e
da Propriedade. Mas se nos dessem asas livres - sobretudo sem deixar a Tradição,
Família e Propriedade nem de longe, mas a favor de Nossa Senhora e de coisas
espirituais etc. - faríamos ainda mais porque o leigo agindo sobre o leigo, no ambiente da vida comum que a ação dos
eclesiásticos não atinge, é propriamente o nosso apostolado. E sem esse apostolado, não existe uma
penetração eficaz do espírito da Igreja no mundo de hoje.
Quer dizer, onde
houve um perigo, onde a Revolução
cresceu num ponto, compete à Igreja acompanhá-la e crescer neste ponto
correspondente, opor-se à
Revolução ponto por ponto, paralelamente. Esta é a característica da ação da Igreja.
São Francisco de
Sales A compara num de seus livros, muito belamente, com uns rochedos de que
fala a mitologia e que cercavam não me recordo que lago ou que mar. Dizia que
eram rochedos que cresciam com as tempestades e que, quando o mar ficava
revolto, o rochedo crescia. De maneira que, por mais que o mar crescesse, ele
nunca podia invadir a terra. Assim é a Igreja Católica em face da Revolução. À medida que o mar – o mundo – vai ficando
revolto, nessa medida a Igreja vai crescendo.
(...)
Outra coisa: Nossa Senhora de Genazzano. Por razões
que já expliquei várias vezes, o que está implícito nessa devoção é que Nossa
Senhora nos assistirá com graças, por assim dizer, fora de toda a proporção e
fora de todo o mecanismo das anteriores. São graças que não se podiam imaginar,
não seria sensato imaginar. São extremos
de misericórdia, correspondendo a ocasiões de gravíssimo apuro de vida interior
ou de vida de apostolado.
Não é verdade que a
graça de Nossa Senhora de Genazzano nos veio numa ocasião de muita aflição,
pelo menos para mim? Não é verdade que uma oração a Nossa Senhora de Genazzano
deteve subitamente uma tempestade que estava em cima de nós? E por aí
exatamente os senhores estão vendo que, ainda que não pareça, nós crescemos em função dos golpes do adversário.
Eu poderia fazer toda uma filosofia da história do Grupo, desenvolvendo isso.
Seria uma coisa muito bonita.
A nobreza de sangue é poderoso
estímulo para a prática da virtude
Do magnífico texto
da homilia de S. Carlos Borromeu, na
festa da Natividade de Nossa Senhora, em 8 de Setembro de 1584:
"O início do
Santo Evangelho escrito por São Mateus, que deste lugar vos foi há pouco
proclamado pela Santa Madre Igreja, nos induz antes de tudo a examinar
atentamente a nobreza, a insigne
linhagem e a magnificência desta Virgem Santíssima. Se, pois, se deve
considerar nobre aquele que tira a sua origem do mérito de antepassados
ilustres, quão grande é a nobreza de
Maria, que teve princípio de geração em Reis, Patriarcas, Profetas e
Sacerdotes da tribo de Judá, da raça de Abraão, da estirpe régia de David?
"Ainda que não ignoremos sermos
nós de verdadeira nobreza – a cristã – a qual nos conferiu a todos o Unigênito
do Pai, quando `a todos aqueles que O receberam lhes deu o poder para se
tornarem filhos de Deus' (Jo. 1, 12), e que a todos os fiéis cristãos é comum
essa dignidade e nobreza, não obstante de nenhum modo pensamos que deve ser
desprezada ou rejeitada a nobreza segundo a carne. Pelo contrário, quem não reconhecesse esta mesma nobreza
igualmente como dom e favor singular de Deus, e não desse também por ela graças
especiais a Deus, que é o dispensador de todos os bens, este seria na verdade absolutamente indigno
da denominação de nobre, posto que, por deformidade de um espírito ingrato, que mais vergonhoso não
pode ser, obscureceria o brilho dos seus maiores. Pois a nobreza da
carne muito contribui também para o verdadeiro reluzimento da alma e
proporciona-lhe não pequenos benefícios.
"Antes de
tudo, o esplendor do sangue, a virtude dos antepassados e os feitos famosos
predispõem de modo maravilhoso o varão nobre a marchar sobre as pegadas
daqueles de quem ele descende. E é fora de dúvida também que a sua própria
natureza é mais inclinada ao bem e à virtude: seja porque isto lhe toque pela
conformidade do seu sangue com o dos seus progenitores e, em conseqüência, pela
transmissão do espírito deles; seja pela perene memória que retém das suas
virtudes, as quais considera como mais caras – o que ele sabe avaliar – por
terem brilhado nos seus consanguíneos; seja, por fim, pela reta educação e
formação que recebeu de varões ilustres. É certamente reconhecido como
verdadeiro que a nobreza, a
magnificência, a dignidade, a virtude e a autoridade dos pais induzem muito os
filhos a manterem o zelo por essas mesmas coisas. De onde se segue que os nobres, por um como que instinto da
natureza, são desejosos da honra, cultivam a magnanimidade, desprezam as
vantagens de baixo preço, aborrecem enfim tudo aquilo que reputam indigno da
sua nobreza.
"Em segundo
lugar, a nobreza é igualmente um
estímulo a aferrar-se às virtudes. Difere este do primeiro benefício que
referimos pelo fato de que aquele predispõe o nobre a abraçar mais facilmente
as obras retas; este segundo, porém, acrescenta ainda, àquilo que se tornou
fácil, estímulos veementes; e, como um freio, coíbe os vícios e as ações que
desconvêm ao nobre, e faz com que, se alguma vez o nobre cair nalguma falta,
logo se tomará de um pudor extraordinário e cuidará, com todas as suas forças,
de se purificar dessa mancha.
"Por fim, o
último benefício a considerar na
nobreza é que, assim como uma pedra preciosa refulge mais quando
engastada em ouro do que em ferro, assim as mesmas virtudes são mais esplendorosas no nobre do que no plebeu;
e à virtude junta-se a nobreza, como o maior ornamento dela.
"Não apenas é
verdade que se deve atribuir valor à nobreza e ao lustre dos antepassados, como
além disso sustentamos muito firmemente estas duas teses, a saber: a primeira é
que, tal como no nobre é muito mais
esplêndida a virtude, também nele o vício é de longe muito mais vergonhoso.
Assim como mais facilmente se nota a sujidade num lugar claro e batido pelos
raios do sol do que num canto obscuro, e as manchas numa veste de ouro do que
numa veste comum e andrajosa, ou, por fim, marcas e cicatrizes no rosto do que
em outra parte oculta do corpo, assim também os vícios são mais notáveis e chamam muito mais a atenção, e mais
vergonhosamente desfiguram o espírito dos culpados, nos nobres do que nos
homens de condição vulgar. Que há, na verdade, de mais indigno do que o
adolescente nascido de pais ilustres e de fino trato, que se vê corrompido e
entregue às tabernas, jogos, bebidas e comedorias desregradas?
"A segunda
tese é que, ainda quando alguém seja
nobilíssimo, se à nobreza dos seus maiores não acrescenta as próprias virtudes,
imediatamente se torna obscuro. Pois,
com a descontinuidade da virtude, cessa nele a nobreza, uma vez que, se
permanecem nele os vestígios do lustre dos seus antepassados, são certamente
inúteis; pois nem sequer atingem o seu fim, a saber: que o tornem mais inclinado
aos grandes feitos, que sejam para ele estímulos à virtude, e freio que o coíba
de pecar. E toda a nobreza serve, para
ele, de sumo opróbrio ou não acrescenta à sua honra o mínimo grau. E isto é o que exprobava Nosso Senhor Jesus
Cristo aos fariseus que se jactavam de ser filhos de Abraão,
dizendo-lhes: `Se sois filhos de Abraão, fazei as obras de Abraão' (Jo. 8, 39).
Pois alguém só pode vangloriar-se de ser filho, ou neto, e partícipe da nobreza
daquele cuja vida e virtudes imita. E, por isso, o Senhor dizia aos mesmos: `Vós tendes por pai o Diabo' (Jo. 8,
44); e eram chamados, além disso, pelo
santíssimo Precursor de Cristo, `raça de víboras' (Lc. 3, 7).
"Quem é na verdade tão ignorante e inadvertido
que ainda encontre base para duvidar da suma nobreza da Santíssima Virgem
Maria? Quem não sabe que Ela não apenas igualou as virtudes dos
progenitores, mas muitíssimo de longe os excedeu, a tal ponto que se pode e deve chamá-La, com razão,
nobilíssima, pois que o esplendor de tão ilustres Patriarcas, Reis, Profetas
e Sacerdotes, cujas séries o Evangelho de hoje descreve, tomou nEla o máximo
desenvolvimento?
"Perguntará
sem dúvida alguém porque razão, de tudo quanto foi até aqui exposto, se pode
deduzir a nobreza dos antepassados de Maria, uma vez que é descrita a origem de
José, que foi esposo de Maria. Porém, quem mais diligentemente tiver estudado
as Sagradas Escrituras resolverá facilmente esta dúvida. Porquanto na Lei
Divina era estabelecido que a virgem não tomasse varão fora da própria tribo,
principalmente em vista da linha de sucessão hereditária (cfr. Num. 36, 6 ss.);
e por isso fica claríssimo terem sido José
e Maria da mesma tribo e família, e desta descrição da geração humana do
Filho de Deus, torna-se patente ser uma
e a mesma a nobreza duma e doutro".
E o Santo passa a
encarar outro aspecto do grande tema sobre o qual discorre.
Diz ele:
"Em terceiro
lugar, por fim, ó dilectíssimas filhas – pois isto vos concerne – é descrita a
progênie de José e não a de Maria para que aprendais a não vos ensoberbecer,
nem dizer de modo insultante aos vossos maridos: `Eu introduzi a nobreza na tua
casa; eu trouxe-te o brilho das honras; a mim deves referir, ó varão, o que
recebestes de dignidade'. Sabei, na verdade, e isto esculpi constantemente nos vossos espíritos, que o decoro e a nobreza da
família da esposa, não é devida a outra família senão à do esposo; e são
detestáveis aquelas esposas que ousam preferir-se de algum modo aos seus
maridos, ou – o que é pior – se envergonham das famílias dos seus maridos;
calam o apelido gentílico deles, e mencionam apenas a sua própria origem. Há
aqui realmente um diabólico espírito de soberba. Qual é pois a família de
Maria? A de José. Qual é a tribo, qual a casa, qual a nobreza de Maria? A do
seu esposo José. Isto, esposas cristãs,
verdadeiramente nobres e tementes a Deus, é o que mais se deve ter em conta"
(*).
(*) Sancti Caroli Borromei
Homiliae CXXII, Ignatii Adami et Francisci Antonii Veith Bibliopolarum,
Augustae Vindelicorum, editio novissima, versio latina, s.d., Homilia CXXII,
cols. 1211-1214.
(Plínio Corrêa de Oliveira - Santo do Dia, 04
de novembro de 1968)
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