Temos para amanhã a festa de São Carlos Borromeu (1538-1584), bispo e confessor. Ele foi suscitado por Deus para a verdadeira reforma da Igreja no século XVI. À sua prudência deve-se, em grande parte, a feliz conclusão do Concilio de Trento. Cardeal aos vinte e três anos, presidiu sínodos e conselhos, e estabeleceu colégios e comunidades. Renovou o espírito do seu clero e das ordens religiosas. A ele se deve a criação de seminários diocesanos. Século XVI.
Talvez coubesse
dizer alguma coisa rápida a respeito da obra de São Carlos Borromeu, mas sob um
ponto de vista especial.
Quando se fala a
respeito de seminário diocesano, não sei bem que sonoridade isso tem aos ouvidos
dos meus jovens amigos de 1970, e quando a gente elogia o santo por ser criador
dos seminários diocesanos, não sei bem até que ponto os jovens compreendem o
mérito dessa criação...
Exatamente no
“Êremo de Elias”, onde eu estava jantando agora, comentávamos que “corruptio
optima péssima” (a corrupção do ótimo dá no péssimo). Sendo São Carlos
canonizado pela Igreja e considerado um grande Santo, forma-se então a ideia de
que deve ser uma coisa muito boa o que realizou, mas não se compreende bem por
que não fez os seminários um pouco melhorzinhos do que esses que estão
funcionando por aí. De maneira que valeria a pena considerar como um seminário
deveria ser e como eram os seminários na mente de São Carlos Borromeu.
Tenho a impressão
de que a primeira coisa que é preciso considerar é que em sua época - tratarei
do assunto de baixo para cima e não o contrário -, os recursos higiênicos eram
muito menores do que em nossa época. Enquanto a humanidade foi crescendo em
falta de higiene de alma, ela foi crescendo simultaneamente em maior higiene do
corpo.
Os senhores
considerem o século XIX - um século bastante mais corrupto do que o século
XVIII - em que começa a água corrente, os encanamentos, começam os progressos
da hidráulica enfim e tem início também uma possibilidade de limpeza que nos
séculos anteriores não havia.
No Brasil do século
passado, nas cidades em que ainda não havia água encanada, o banho era assim:
punha-se o reservatório de água todo cheio de furinhos e em cima uma caixa
d’água; em certo momento abria-se a comunicação da caixa d’água para o
reservatório e caía um chuvisco do tamanho de uma caixa d’água pequena. A
pessoa que tratasse de se lavar com isso. Depois, subiam escravos com balde de
água e enchiam a caixa d’água para outro da família que vinha tomar banho.
Os senhores podem
imaginar que limpeza precária uma coisa dessas poderia produzir... Mas era uma
limpeza que nos mostra bem como as coisas que se referem ao corpo são
inferiores às do espírito. O século XIX começou a era da limpeza. Acho que os
homens nunca se lavaram tanto e tão bem como no século XX, sobretudo na
América.
No século XX
começou a apologia da porcaria e da sujeira nas pessoas dos hippies - não por
falta de água encanada, mas por sujeira de ideias, por corrupção moral. Assim,
a higiene dos homens começa a decair de novo e o hippie é mais porco do que o
homem nem sei de que eras pré-históricas e troglodíticas.
É claro que certos
recursos de limpeza naquele tempo eram menores do que são hoje em dia. Mas
havia nos homens da época em que São Carlos Borromeu fundou os seminários, uma
tendência para aprimorar tudo, para melhorar tudo, para levar tudo à plenitude
de sua ordem natural. Razão pela qual, se não existiam esses recursos de
limpeza, havia uma grande apetência para tê-los, a tal ponto que foi só eles
apareceram, que o mundo inteiro os utilizou imediatamente. Quer dizer, havia
uma grande aptidão para isso, um grande desejo que só não se realizava por
falta de circunstâncias materiais inteiramente convenientes. Não era possível
que houvesse tal desejo se não houvesse um surto do homem para tudo quanto era
melhor, para tudo que era perfeito, para tudo que era mais adequado à natureza
humana e ao cuidado com o corpo.
Os seminários de
São Carlos Borromeu, da época tridentina, poderiam parecer, portanto,
comparados com um hotel de hoje, menos asseados e menos limpos. Entretanto, o
que está no espírito e na letra do Concílio de Trento, no que foi realizado, é
que eles fossem tão limpos quanto as circunstâncias da época permitissem. E que
eles fossem organizados de modo tal que a pessoa que frequentasse tais
seminários resultasse um homem másculo, varonil, batalhador, padre no sentido
pleno da palavra, e por isso varão no sentido pleno da palavra.
Por causa disso,
observa-se que esse tipo mocorongo, “heresia branca” não existia no clero de
antes de Revolução Francesa. Esse tipo veio aparecer depois dela, com o
sentimentalismo piegas, com o romantismo de século XIX, com a super estima dos
sentimentos, e que começaram a entrar nos seminários. Padre de antes da
Revolução Francesa era varonil; poderia até não ser muitas vezes um padre
clerical, mas varonil era. E isso ao ponto de que nem passava pela cabeça de
ninguém achar um padre menos varonil que outra pessoa, ou considerar o padre
inferior em cultura e em preparo de inteligência do que qualquer outro.
Os seminários
modelavam gente tal, que o perigo para formação do padre não era de lá sair uma
nulidade, mas sim um homem tão preparado e tão igual em valor aos outros, que
até era requisitado para as carreiras de caráter meramente humano. Daí, então,
o excesso da entrada de padres que visavam fazer carreiras cujo fim não fosse o
próprio dos sacerdotes.
Os senhores
considerem por exemplo Richelieu. Onde se tinha formado um homem como ele, que
punha couraça e que ia de pistola na batalha? Tinha-se formado em seminário.
Quando é que de um seminário comum e corrente de hoje poderia sair um
Richelieu? Ou ele mesmo se formava, ou ele saía antes de se formar, ou ele saia
deformado... Mas sair daquele jeito do seminário era inteiramente impossível.
Tomem outro
exemplo, como os jesuítas da grande época: um ia ser missionário na China e
convertia o imperador; outro ia ser não sei o quê e dirigir reis, era homem de
corte, outro era diplomata, outro figurava em batalhas, etc. De onde é que
saiam esses homens? Saiam dos seminários.
Reportem-se a um
São Lourenço de Brindisi (1559-1619), franciscano que lutou na batalha de
Albareale (Hungria) para libertar os católicos dos maometanos. Ele não lutava
fisicamente, porque era padre e só podia se defender, não podia atacar, mas de
crucifixo na mão percorria constantemente todas as fileiras dos combatentes
incitando a voltarem à carga e a lutarem mais uma vez; fazendo sermão durante
horas inteiras da batalha. De maneira que, ganha a batalha, a conclusão que
tirou o imperador foi que ele deveria ser arrolado entre os generais
vencedores, pela sua energia, pela sua capacidade, pelo seu espírito
sobrenatural.
Onde é que os
senhores encontram isso nos seminários de hoje? Esses foram os seminários
formados por São Carlos Borromeu, de onde saíam homens exímios na fé, e porque
tinham as virtudes cardeais - justiça, fortaleza, temperança e prudência –,
eram capazes de fazer tudo aquilo quanto um homem pleno, plenamente
equilibrado, plenamente senhor dos seus dotes era capaz de realizar.
Os seminários
foram, então, verdadeiras sementeiras de grandes homens e muitas vezes de
grandes santos.
(Plínio Corrêa de
Oliveira – Conferência “Santo do Dia”, 3 de novembro de 1970)
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