terça-feira, 9 de novembro de 2021

DR. PLÍNIO COMENTANDO SOBRE A BASÍLICA DE SÃO JOÃO DE LATRÃO

 







Hoje é festa da Dedicação da Arqui-basílica do Santíssimo Salvador, que é chamada Mãe e Cabeça de todas as igrejas e que é a Igreja de Latrão. A nota é a seguinte:

“No dia 9 de novembro do ano de 324, foi o dia natalício, a dedicação da basílica de Latrão. Em 315 o Imperador Constantino tinha ordenado a construção da Basílica”.

Os senhores se lembram, naturalmente, que Constantino era o imperador que libertou a Igreja e A tirou das catacumbas. Então, coerentemente com o seu gesto, ele ordenou a construção da Basílica, local onde parece se erguia o palácio da sogra dele, da família dos Laterani. Eu não sei se isto é inteiramente indiscutível na historiografia de hoje, mas algum tempo atrás se admitia como sendo assim, e provavelmente é. Esse lugar ficou se chamando a Basílica de Latrão e o Papa Silvestre consagrou a Basílica ao Santíssimo Salvador, cuja imagem, mostrada então aos fiéis depois de séculos de perseguição, lhes pareceu uma aparição divina.

Pode-se imaginar qual foi a emoção, qual foi a alegria dos católicos de Roma quando, depois de séculos de catacumbas, séculos de perseguição, vêem aparecer uma basílica e uma basílica grandiosa em Roma, afirmando o esplendor do culto católico pela primeira vez, na mais importante cidade do mundo. Os senhores podem imaginar a alegria deles quando viram, ao ar livre e à luz do dia, uma imagem grandiosa de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Para os senhores terem uma certa impressão disto, os senhores precisam se reportar, por exemplo, a Sabará, à impressão que nós todos tivemos quando vimos nossos estandartes desfraldados ao ar livre em Sabará. A idéia de que ao ar livre e dominando uma cidade por pequena que fosse, nossos estandartes estarem tremulando, era uma coisa que nos enchia de emoção. Agora, os senhores imaginem em Roma, a própria imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo exposta aos olhos de todos e recebida por todos com veneração, e o culto pagão quebrado, proscrito, proscrito e fora da lei. É algo de parecido com a inauguração do Reino de Maria e com os primeiros momentos do Reino de Maria.

Eu tenho impressão de que poucas coisas podem dar tanto a idéia do que pode ser uma alegria católica na terra, como ver a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo ou de Nossa Senhora, ou então o estandarte do Grupo  desfraldado assim a todos os ventos.

Continua a nota biográfica:

“...os Papas fizeram sua residência num palácio próximo da Basílica. Realmente, o palácio anexo a Latrão foi durante muito tempo residência dos Papas, que se tornou assim sua catedral e que por isso foi chamada Cabeça e Mãe de todas as igrejas, de Roma e do mundo. Dois incêndios que sobrevieram no século XIV, e o abandono em que ela foi deixada durante a presença dos Papas em Avignon - os peregrinos que iam a Roma encontravam o gado pastando dentro das igrejas, por causa da erva que crescia lá dentro. Galinhas, pombos, outros bichos, morando dentro de igrejas e ocupando, inclusive, os altares...”

Os senhores vêem a rotação da História. A Igreja, que sai radiosa das catacumbas, levanta um imenso edifício, e depois nesse edifício o gado vai pastar porque os pastores estão em Avignon! Os senhores então entendem as ondulações da História.

Bem, então (...) “sua construção quase inteira. A Basílica foi novamente consagrada, desta vez em honra de São João Batista e de São João Evangelista”.

Então a Basílica do Santíssimo Salvador tem esses dois padroeiros secundários. Quem visita Roma nota uma diferença que chama atenção, entre a Basílica de Latrão e a Basílica do Vaticano. A Basílica de São Pedro é nova, é “chibante”, é gloriosa, é magnífica, parece construída ontem, tem todo o esplendor da Renascença. Depois que a gente olha, olha, fica no fundo daquilo uma imagem de bodas de noiva.

A Basílica de São João de Latrão é muitíssimo menos sensacional; é muito mais discreta, mas tem um tom de “grand dame”, tem uma nobreza, tem uma grandeza, tem uma paz, tem uma consciência de sua própria dignidade que a Basílica de São Pedro não tem.

A Basílica de São Pedro é aflita de se mostrar em tudo para obter a adesão daqueles que aparecem lá. A Basílica de Latrão, não. Está cônscia de si mesma e dizendo: "Na minha naturalidade sou assim. Não me enfeito, não faço permanente, não me pinto, eu sou o que sou. Mas no que sou, sou digna de respeito e de veneração". Quer dizer, é outra impressão que se tem com essa Basílica, mas a perder de vista.

É interessante isto porque mostra as duas fases diversas da vida da Igreja. Uma fase em que se fica posto em presença de uma espécie de naturalidade, de dignidade, de compostura, e depois é o bafo da Renascença que entra, e com o bafo da Renascença já é outro espírito, é outro modo de se apresentar que se faz sentir.

Entretanto, é uma coisa que corta o coração: a Basílica está colocada numa praça com uma confluência de ruas e, portanto, com um trânsito muito intenso. Ela fica sobre uma elevação que é uma elevação muito bem calculada para a altura dela, assim como, por exemplo, o Arco do Triunfo. A elevação do Arco é muito bem calculada para o tamanho, que é um dos encantos do Arco, assim também na Basílica de São João, há uma elevação de terreno esplendidamente calculada. Há um canteiro grande, e ali está a Basílica com a sua nobreza.

De outro lado, em diagonal, está um tesouro maravilhoso, que é a “Sancta Sanctorum”, a Scala Santa, aonde há gotas do Sangue de Nosso Senhor, sobe-se a Scala Santa de joelhos, e depois um tesouro que podemos visitar, que é magnífico, e que é a "Sancta Sanctorum" - de que é cópia esse tecido do Lísio representando Cristo Pantocrator que os senhores vêem aí.

Basílica na sua dignidade, na sua distinção de rainha, mas de rainha muito materna, muito autêntica. Ao lado, um corre-corre de lambretas, de automóveis, um ruído de motores de explosão, um formigar de vida moderna, uma passagem de europeus e turistas do mundo inteiro, mas que pouco olham para a Basílica, habitualmente visitada por pouco turistas, erma, deserta, etc., e ao pé daquilo, os europeus que passam, passam correndo, completamente com mentalidade "holywoodiana" e pensando em outras coisas.

Tem-se a impressão mais ou menos de uma rainha que com toda a sua majestade e a sua dignidade, vai de repente para uma raquete, qualquer lugar assim e se põe num lugar público, olhando. Ninguém compreende aquela rainha porque não pode compreender. Se aparecesse uma mulher do povo, eles entenderiam, eles achariam da mesma maneira, porque não têm mais olhos para ver, ouvidos para ouvir e, sobretudo, intelecto para inteligir.

É o formigamento da Europa nova junto à Europa velha, ainda mantida em monumentos cuja alma já ninguém mais compreende; o que é mais engraçado, por turistas que pensam que vão lá para ver isso, mas que, de fato, estão pensando no automovelzinho, no ruído de explosão, enfim, no paraíso da técnica.

Aí os senhores têm então uma espécie de "ambientes e costumes" das várias Europas. Isso se repete na Europa inteira. O Arco do Triunfo é napoleônico, ele tem um pouco daquela carranca napoleônica. Mas não deixa de ser um monumento que incontestavelmente tem mérito, sobretudo quando comparado a tantos que conhecemos. É uma coisa que não se pode negar,  que há mérito nesse monumento. Bem, isso fica no rodopio do trânsito. Todo o mundo passa por ele e pensa em tudo menos nele. E os próprios turistas vão para lá, mas não pensam muito nele. Pensam no trânsito, pensam em gasolina, pensam no asfalto, pensam nas imoralidades que vêem, pensam no nudismo, pensam na vida moderna, atraídos por uma vaga idéia, um resto de idéia, de que a Europa antiga está aí.

Eu me lembro de um estado de espírito que me chamava muito a atenção, de pessoas velhas de família que iam para Santos. Quando se faziam as malas - porque naquele tempo, quando ainda era meninote, a gente fazia malas para ir para Santos, muitas malas. Era uma coisa grossa e solene ir para Santos, em que se ia de trem, com carregador, carroça que vinha pegar as malas em casa de manhã, etc. -, pessoas antigas que diziam que iam lá porque gostavam muito do mar, a primeira coisa que faziam era tomar uma casa - ainda não havia apartamentos - que não dava para o mar. Dava para qualquer daquelas ruas próximas do mar.

Ia-se prestar atenção, uma vez ou outra iam à praia em vinte dias, umas duas ou três vezes. Eles ficavam no terraço da casa, que não dava para o mar, com uma vaga consciência de que o mar estava ali perto e com um ar assim de quem está fazendo veraneio, se abanando... Quer dizer, é a coisa mais tola que possa haver no mundo, não é?

Bem, é a posição que toma em face dessas coisas antigas o turista de hoje. "- Ah! O Arco do Triunfo..." Ele, de fato, está pensando em câmbio, em qualquer bobagem. Aquilo figura como um fundo de quadro, uma espécie de mar hipotético para o qual ele não olha. Ele apenas gosta de saber que aquilo está lá.

Isto é a véspera da demolição! Porque à força de não entender, acabam fazendo da Basílica de Latrão um museu, ou qualquer outra coisa.

 

  (Plinio Corrêa de Oliveira - "Santo do Dia", 9 de novembro de 1965)

 


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