Hoje é festa da Dedicação da Arqui-basílica
do Santíssimo Salvador, que é chamada Mãe e Cabeça de todas as igrejas e
que é a Igreja de Latrão. A nota é a seguinte:
“No dia 9 de novembro do ano de 324,
foi o dia natalício, a dedicação da basílica de Latrão. Em 315 o Imperador
Constantino tinha ordenado a construção da Basílica”.
Os senhores se lembram, naturalmente,
que Constantino era o imperador que libertou a Igreja e A tirou das catacumbas.
Então, coerentemente com o seu gesto, ele ordenou a construção da Basílica,
local onde parece se erguia o palácio da sogra dele, da família dos Laterani.
Eu não sei se isto é inteiramente indiscutível na historiografia de hoje, mas
algum tempo atrás se admitia como sendo assim, e provavelmente é. Esse lugar
ficou se chamando a Basílica de Latrão e o Papa Silvestre consagrou a Basílica
ao Santíssimo Salvador, cuja imagem, mostrada então aos fiéis depois de séculos
de perseguição, lhes pareceu uma aparição divina.
Pode-se imaginar qual foi a emoção,
qual foi a alegria dos católicos de Roma quando, depois de séculos de
catacumbas, séculos de perseguição, vêem aparecer uma basílica e uma basílica
grandiosa em Roma, afirmando o esplendor do culto católico pela primeira vez,
na mais importante cidade do mundo. Os senhores podem imaginar a alegria deles
quando viram, ao ar livre e à luz do dia, uma imagem grandiosa de Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Para os senhores terem uma certa
impressão disto, os senhores precisam se reportar, por exemplo, a Sabará, à
impressão que nós todos tivemos quando vimos nossos estandartes desfraldados ao
ar livre em Sabará. A idéia de que ao ar livre e dominando uma cidade por
pequena que fosse, nossos estandartes estarem tremulando, era uma coisa que nos
enchia de emoção. Agora, os senhores imaginem em Roma, a própria imagem de
Nosso Senhor Jesus Cristo exposta aos olhos de todos e recebida por todos com
veneração, e o culto pagão quebrado, proscrito, proscrito e fora da lei. É algo
de parecido com a inauguração do Reino de Maria e com os primeiros momentos do
Reino de Maria.
Eu tenho impressão de que poucas coisas
podem dar tanto a idéia do que pode ser uma alegria católica na terra, como ver
a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo ou de Nossa Senhora, ou então o
estandarte do Grupo desfraldado assim a
todos os ventos.
Continua a nota biográfica:
“...os Papas fizeram sua residência num
palácio próximo da Basílica. Realmente, o palácio anexo a Latrão foi durante
muito tempo residência dos Papas, que se tornou assim sua catedral e que por
isso foi chamada Cabeça e Mãe de todas as igrejas, de Roma e do mundo. Dois
incêndios que sobrevieram no século XIV, e o abandono em que ela foi deixada
durante a presença dos Papas em Avignon - os peregrinos que iam a Roma
encontravam o gado pastando dentro das igrejas, por causa da erva que crescia
lá dentro. Galinhas, pombos, outros bichos, morando dentro de igrejas e
ocupando, inclusive, os altares...”
Os senhores vêem a rotação da História.
A Igreja, que sai radiosa das catacumbas, levanta um imenso edifício, e depois
nesse edifício o gado vai pastar porque os pastores estão em Avignon! Os
senhores então entendem as ondulações da História.
Bem, então (...) “sua construção
quase inteira. A Basílica foi novamente consagrada, desta vez em honra de São
João Batista e de São João Evangelista”.
Então a Basílica do Santíssimo Salvador
tem esses dois padroeiros secundários. Quem visita Roma nota uma diferença que
chama atenção, entre a Basílica de Latrão e a Basílica do Vaticano. A Basílica
de São Pedro é nova, é “chibante”, é gloriosa, é magnífica, parece construída
ontem, tem todo o esplendor da Renascença. Depois que a gente olha, olha, fica
no fundo daquilo uma imagem de bodas de noiva.
A Basílica de São João de Latrão é
muitíssimo menos sensacional; é muito mais discreta, mas tem um tom de “grand
dame”, tem uma nobreza, tem uma grandeza, tem uma paz, tem uma consciência de
sua própria dignidade que a Basílica de São Pedro não tem.
A Basílica de São Pedro é
aflita de se mostrar em tudo para obter a adesão daqueles que aparecem lá. A
Basílica de Latrão, não. Está cônscia de si mesma e dizendo: "Na minha
naturalidade sou assim. Não me enfeito, não faço permanente, não me pinto, eu
sou o que sou. Mas no que sou, sou digna de respeito e de veneração". Quer
dizer, é outra impressão que se tem com essa Basílica, mas a perder de vista.
É interessante isto porque
mostra as duas fases diversas da vida da Igreja. Uma fase em que se fica posto
em presença de uma espécie de naturalidade, de dignidade, de compostura, e
depois é o bafo da Renascença que entra, e com o bafo da Renascença já é outro
espírito, é outro modo de se apresentar que se faz sentir.
Entretanto, é uma coisa
que corta o coração: a Basílica está colocada numa praça com uma confluência de
ruas e, portanto, com um trânsito muito intenso. Ela fica sobre uma elevação
que é uma elevação muito bem calculada para a altura dela, assim como, por
exemplo, o Arco do Triunfo. A elevação do Arco é muito bem calculada para o
tamanho, que é um dos encantos do Arco, assim também na Basílica de São João,
há uma elevação de terreno esplendidamente calculada. Há um canteiro grande, e
ali está a Basílica com a sua nobreza.
De outro lado, em
diagonal, está um tesouro maravilhoso, que é a “Sancta Sanctorum”, a
Scala Santa, aonde há gotas do Sangue de Nosso Senhor, sobe-se a Scala Santa de
joelhos, e depois um tesouro que podemos visitar, que é magnífico, e que é a "Sancta
Sanctorum" - de que é cópia esse tecido do Lísio representando Cristo
Pantocrator que os senhores vêem aí.
Basílica na sua dignidade,
na sua distinção de rainha, mas de rainha muito materna, muito autêntica. Ao
lado, um corre-corre de lambretas, de automóveis, um ruído de motores de
explosão, um formigar de vida moderna, uma passagem de europeus e turistas do
mundo inteiro, mas que pouco olham para a Basílica, habitualmente visitada por
pouco turistas, erma, deserta, etc., e ao pé daquilo, os europeus que passam,
passam correndo, completamente com mentalidade "holywoodiana" e
pensando em outras coisas.
Tem-se a impressão mais ou
menos de uma rainha que com toda a sua majestade e a sua dignidade, vai de
repente para uma raquete, qualquer lugar assim e se põe num lugar público,
olhando. Ninguém compreende aquela rainha porque não pode compreender. Se
aparecesse uma mulher do povo, eles entenderiam, eles achariam da mesma
maneira, porque não têm mais olhos para ver, ouvidos para ouvir e, sobretudo,
intelecto para inteligir.
É o formigamento da Europa
nova junto à Europa velha, ainda mantida em monumentos cuja alma já ninguém
mais compreende; o que é mais engraçado, por turistas que pensam que vão lá
para ver isso, mas que, de fato, estão pensando no automovelzinho, no ruído de
explosão, enfim, no paraíso da técnica.
Aí os senhores têm então
uma espécie de "ambientes e costumes" das várias Europas. Isso se
repete na Europa inteira. O Arco do Triunfo é napoleônico, ele tem um pouco
daquela carranca napoleônica. Mas não deixa de ser um monumento que
incontestavelmente tem mérito, sobretudo quando comparado a tantos que
conhecemos. É uma coisa que não se pode negar, que há mérito nesse
monumento. Bem, isso fica no rodopio do trânsito. Todo o mundo passa por ele e pensa
em tudo menos nele. E os próprios turistas vão para lá, mas não pensam muito
nele. Pensam no trânsito, pensam em gasolina, pensam no asfalto, pensam nas
imoralidades que vêem, pensam no nudismo, pensam na vida moderna, atraídos por
uma vaga idéia, um resto de idéia, de que a Europa antiga está aí.
Eu me lembro de um estado
de espírito que me chamava muito a atenção, de pessoas velhas de família que
iam para Santos. Quando se faziam as malas - porque naquele tempo, quando ainda
era meninote, a gente fazia malas para ir para Santos, muitas malas. Era uma
coisa grossa e solene ir para Santos, em que se ia de trem, com carregador,
carroça que vinha pegar as malas em casa de manhã, etc. -, pessoas antigas que
diziam que iam lá porque gostavam muito do mar, a primeira coisa que faziam era
tomar uma casa - ainda não havia apartamentos - que não dava para o mar. Dava
para qualquer daquelas ruas próximas do mar.
Ia-se prestar atenção, uma
vez ou outra iam à praia em vinte dias, umas duas ou três vezes. Eles ficavam
no terraço da casa, que não dava para o mar, com uma vaga consciência de que o
mar estava ali perto e com um ar assim de quem está fazendo veraneio, se
abanando... Quer dizer, é a coisa mais tola que possa haver no mundo, não é?
Bem, é a posição que toma
em face dessas coisas antigas o turista de hoje. "- Ah! O Arco do
Triunfo..." Ele, de fato, está pensando em câmbio, em qualquer bobagem.
Aquilo figura como um fundo de quadro, uma espécie de mar hipotético para o
qual ele não olha. Ele apenas gosta de saber que aquilo está lá.
Isto é a véspera da
demolição! Porque à força de não entender, acabam fazendo da Basílica de Latrão
um museu, ou qualquer outra coisa.
(Plinio Corrêa de Oliveira - "Santo do Dia", 9 de novembro de
1965)
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