quarta-feira, 10 de novembro de 2021

SÃO LEÃO MAGNO E O PODER DE REGÊNCIA DA IGREJA

 



A 10 de novembro celebra-se a festa de São Leão Magno, o Papa que enfrentou o terrível Átila. 

Nos primórdios da Igreja já era a patente o poder de regência d’Ela, inclusive sobrepujando o poder temporal em alguns casos.

O poder temporal começa a respeitar o divino – O imperador Teodósio não resiste a Santo Ambrósio que o impede de entrar na igreja

Este fato é resumidamente narrado por Dr. Plinio Corrêa de Oliveira em uma de suas conferências chamadas de “Santo do Dia”:

 “Há fatos na vida da Igreja que ficam como símbolos para todos os séculos da história eclesiástica.

Santo Ambrósio teve um atrito com o imperador Teodósio, que era um dos maiores magnatas, dos homens mais influentes de seu tempo. E isto a propósito de questões de seu pecado público. No momento em que Teodósio ia entrar na igreja, encontrou Santo Ambrósio com todo o seu clero, do lado de fora, proibindo-o. E enfrentando o imperador, este se arrependeu e se humilhou.

Essa atitude do poder espiritual em relação ao poder temporal lembra um princípio ao qual devemos ser sumamente afeitos: todas as grandezas humanas, sejam elas de que natureza e título forem, por mais que sejam exaltadas e glorificadas na sociedade civil, se se apresentam com vistas a enfrentarem a glória de Deus, é missão do clero humilhá-las.

É missão do clero, quando essas potências humanas não andam bem, enfrentá-las e colocá-las em seu devido lugar. É missão do clero, por esta forma, tornar claro que todas as coisas humanas, por mais altas que sejam, em face de Deus, não são nada! Em face da eternidade, elas passam e se reduzem a nada! E que, afinal de contas, a única coisa que fica sempre, que vale, e está acima de tudo, é a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, ou seja a Igreja de Deus”. [1]

 

A regência do poder temporal começa a ruir quando cresce o da Igreja

As várias invasões bárbaras, que terminaram por abalar aquele império em seus alicerces, não conseguiram demover das populações cristãs a verdadeira doutrina da regência divina entre os homens. Os bárbaros entravam e ficavam na Europa, destruíam cidades, acabavam com reinados e dinastias, mas, logo, logo, surgia entre eles uma nova elite já convertida ao Cristianismo e com idéias completamente diferentes a respeito do governo humano. Em poucos séculos já havia sido feita uma enorme troca de poderes entre as elites européias, e os católicos passaram a dominar todos os reinos. Aplicava-se então a doutrina do Sermão da Montanha de que “os mansos possuirão a terra”. De início, ainda cheios de vícios trazidos de suas terras bárbaras, mas, com o passar do tempo, a Igreja foi aos poucos transformando-os, dando lugar a uma das elites mais bem estruturadas e orgânicas de todos os tempos.

Havia também uma crescente ascensão do princípio da boa regência na sociedade romana por causa da grande influência do Cristianismo que tomava conta de todas as classes sociais. Um exemplo marcante tivemos no episódio guerreiro entre Constantino e Maxêncio: tendo o primeiro colocado a Cruz como símbolo de seu exército, e muitos dos cristãos que lutavam no lado inimigo vendo tal símbolo brilhar nas hordas contrárias, logo passaram para o lado de Constantino, ocasionando grandiosa vitória deste último e, consequentemente, dos cristãos.  Assim, o predomínio do Cristianismo em toda a Europa foi decorrente do império pacífico da regência da Igreja (que antes de conquistar reis já conquistara os corações dos súditos).

 

Um exemplo de regência mansa e pacífica

No início do século V, os bárbaros invadem Roma. Como a religião Católica já era reconhecida pelo Império, logo os seus opositores viram nela um motivo para condenação: julgavam que se Roma fosse dominada pelas religiões pagãs e seus ídolos não teria sido arrasada e saqueada pelos bárbaros. Foi com o intuito de desfazer tais falsas ideias, em geral defendidas por alguns que desejavam restaurar a idolatria, que Santo Agostinho publicou sua famosa obra “Civitate Dei” (A Cidade de Deus).  Nessa obra o Santo faz um resumo histórico dos acontecimentos que culminaram com as invasões dos bárbaros, demonstrando que, pelo contrário, estes últimos tiveram mais respeito às populações romanas, mesmo as pagãs, quando estas se refugiavam nos templos católicos:

 

“...Testemunhos são desta verdade as capelas dos mártires e as basílicas dos Apóstolos, que na devastação de Roma acolheram dentro de si aos que, precipitadamente e temerosos de perder sua vida., na fuga punham suas esperanças, em cujo número se compreendiam não somente gentis, mas também cristãos. Até estes lugares sagrados vinha executando seu furor o inimigo, porém ali mesmo se amortecia ou apagava o furor do encarniçado assassino, e, por fim, para estes lugares sagrados conduziam os piedosos inimigos aos que, encontrados fora dos santos asilos, tinham perdoado suas vidas, para que não caíssem nas mãos dos que não usavam exercitar semelhante piedade...”  “pelo que é muito digno de notar que uma nação tão feroz, que em todas partes se manifestava cruel e sanguinária, fazendo cruéis estragos, logo que se aproxima dos templos e capelas onde estava proibida sua profanação... refreava de todo o impero furioso de sua espada, desprendendo-se igualmente do prazer pela cobiça de fazer uma grande presa numa cidade tão rica e abastecida. Desta maneira libertaram suas vidas muitos daqueles que infamam e murmuram dos templos cristãos, imputando a Cristo os trabalhos e penas que Roma padeceu, e, não atribuindo a este grande Deus o benefício incomparável que conseguiram por respeito a seu santo nome de lhes conservar as vidas...”[2]

 

A Igreja comprova o poder de regência de origem divina: o Papa São Leão Magno faz o terrível Átila, o “flagelo de Deus”, recuar

 

Alguns anos após Santo Agostinho, nova onda de bárbaros invadia o Império. Desta vez comandados pelo terrível Átila e com mais furor e causando mais destruição do que nas anteriores. Só havia um poder  terreno, e ao mesmo tempo divino, que poderia detê-lo: o poder de regència da Igreja Católica, personalizado no Sumo Pontífice:

 

Átila, Rei dos Hunos, era um chefe bárbaro temido. Cruel e implacável com seus adversários. Ele mesmo se auto intitulava o "Flagelo de Deus". Destruiu, praticamente tudo, na Gália. Saqueou Tongres, Treves e Metz. A cidade de Troyes não foi destruída graças a intervenção de São Lupo, e o mesmo aconteceu com Orleans que foi salva por Santo Aniano.

Embora tendo sofrido uma série de derrotas nas planícies de Chalons, graças aos esforços militares conjuntos de Aécio, Meroveu, rei dos francos, e Teodorico, rei dos visigodos, Átila não desistiu de seus intentos, não desanimou.

Sua sanha destruidora voltou-se para o norte da Itália, destruía tudo que podia a ferro e fogo. Quem conseguia, fugia de suas incursões destruidoras. Muitos se refugiaram nas pequenas ilhas existentes nas lagunas do Mar Adriático, onde deram origem à cidade de Veneza.

Átila atacou e saqueou Milão. O imperador Valentiniano III, não se julgou protegido em Ravena e fugiu para Roma. Mas, a meta de Átila era dominar Roma, capital do Império, sede do Papado, centro da Igreja Católica. E não demorou muito para o bárbaro chegar às portas da Cidade Eterna. Invasão, morticínio, destruição e saques era o que se esperava da ação iminente do "Flagelo de Deus".

Sem condições de se livrar dele, o Imperador, o Senado e povo romanos, num lance que depois mostrou-se ter sido de bom senso, imploraram socorro ao Sumo Pontífice. Pediram ao Papa que salvasse Roma da invasão. A missão do Vigário de Cristo era clara e de tremenda responsabilidade. Sua missão não era apenas defender Roma. Ele deveria salvar também sua pátria, seu povo e o mundo cristão: uma tarefa nada fácil, e de sucesso imprevisível.

 

Pastor que se expõe

Como Pastor que deseja sempre preservar a vida de suas ovelhas, o Papa aceitou o encargo de enfrentar o "Flagelo de Deus". Como desdobramento de sua ação ele estaria defendendo a Igreja, o Império, o Ocidente.

Além de demonstrar não ter medo, ele dava mostras de que acreditava no auxílio sobrenatural, na importância do Papado e na força dos símbolos religiosos. Sem perder tempo, revestiu- se dos paramentos pontificais reservados para as maiores solenidades e, acompanhado por sacerdotes e diáconos também em trajes sacerdotais, o Papa pôs-se a caminho para enfrentar o temível Rei dos Hunos, em Peschiera, uma pequena cidade próxima de Mântua.

O Papa que não tinha soldados a sua disposição, foi ao encontro do conquistador, que, contra toda a expectativa, o recebeu com honras. E mais, Átila desistiu de seus objetivos e, cessando as hostilidades, atravessou os Alpes, retornando para sua terra, sem atacar Roma. Era o ano de 453.

 

O que se passou com "Flagelo de Deus" para agir assim?

Os bárbaros perguntaram a seu chefe por que, contrariando seu costume, havia mostrado tanto respeito para com o Papa. Átila respondeu que "não foi a palavra daquele que veio me encontrar que me inspirou um medo tão respeitoso; mas eu vi junto ao Pontífice um outro personagem, de um aspecto muito mais augusto. Venerável por seus cabelos brancos, que se mantinha de pé, usando hábito sacerdotal, com uma espada nua na mão, ameaçando-me com um ar e um gesto terríveis, se eu não executasse fielmente tudo o que me era pedido pelo enviado". Esse personagem que causava terror a Átila era o Apóstolo São Pedro que tinha a seu lado, segundo outra tradição, o Apóstolo São Paulo que também aterrorizou o Bárbaro”[3]

Cumpria-se, assim, as palavras de Nosso Senhor quando falou no Sermão da Montanha que os mansos possuirão a terra. Naquele momento era novamente demonstrada a eficácia da regência pacífica sobre a imperativa, pois em pouco tempo aqueles bárbaros amoleciam seus corações e se tornavam cristãos. E a mansidão era uma virtude pregada pela Igreja para que com ela pudesse reger os povos.

E Deus passou a reger a Humanidade através de Sua Igreja.



[1]Plinio Corrêa de Oliveira – Conferência “Santo do Dia” – 07 de dezembro de 1964

[2] Civitate Dei, liv. I, cap. I -

[3] Texto extraído da hagiografia de São Leão Magno publicada no site dos Arautos do Evangelho http://www.arautos.org/especial/31322/Sao-Leao-Magno.html

 


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