domingo, 11 de abril de 2021

SANTA GEMMA GALGANI E OS SANTOS ANJOS

 



 

 

Santa Gemma Galgani é um dos exemplos mais completos da presença do Anjo da Guarda. Seu confessor e hagiógrafo, Pe. Germano de Santo Estanislau, relata-nos detalhadamente como o Anjo da santa se manifestava e agia em prol da mesma:

“Estando Gema predestinada a um grau muito elevado de glória na bem-aventurança, era natural e conforme à Sabedoria divina que o Anjo escolhido para sua guarda tivesse com ela um cuidado muito especial. A graça que já se manifestava nesta alma ditosa por fenômenos tão prodigiosos, ia aumentar dum modo não menos prodigioso com a assistência do seu bom Anjo.

“Quem não conhecesse pelos sagrados livros a patética história de Tobias, e, pela hagiografia cristã, a sua freqüente repetição na vida dos santos canonizados, seria tentado talvez a supor exagerados os pormenores maravilhosos que vou referir. 

“Mas o Senhor prodigaliza todos os dias a seus filhos bens preciosíssimos sem que ninguém se lembre de  lhe dizer: porque Vos mostrais tão bom? Gema estava admiravelmente preparada pelas mais belas virtudes para os favores do seu bom Anjo: inocência, pureza, candura, simplicidade infantil, e, acima de tudo, fé muito viva que lhe deixava ver quase a descoberto os mistérios da eternidade.

“Tal era a dotação sobrenatural que devia atrair as simpatias do seu guarda angélico. Com certeza o espírito celeste devia encontrar na sua feliz protegida alguma semelhança com a natureza angélica que lhe permitia, sem se rebaixar muito, manter com ela uma inefável familiaridade.

“O mais maravilhoso nesta suave assistência era a presença sensível e quase contínua do Anjo da Guarda.

“Gema via-o com os olhos do corpo, tocava-o com as mãos, como se fosse de carne e osso, conversava com ele como um amigo. Escrevia-me o seguinte: “Há seis dias que não vejo a Jesus, Ele porém não me deixou completamente só: o Anjo da Guarda conserva-se sempre visível junto de mim”.

“Com fervor dava graças a Deus por este benefício, e testemunhava ao espírito protetor o seu reconhecimento!

“Se alguma vez for má, Anjo querido, lhe dizia ela, não te zangues. Quero mostrar-te minha gratidão”.

“Sim, respondia o celeste guarda, serei teu guia e teu companheiro inseparável. Não sabes quem te confiou à minha guarda? Foi o misericordioso Jesus!”

“A estas palavras, a santa menina, não podendo conter os sentimentos da sua alma, perdia os sentidos e entrava em êxtase na companhia do seu Anjo.

“O que se passava então, ela mesma o conta por estas simples palavras: “Permanecíamos ambos com Jesus! Oh! Se estivésseis conosco, Padre!”

“Permanecer com Jesus era mergulhar-se no oceano imenso da divindade, para aí aprender a contemplar inefáveis mistérios.

“De ordinário Gema e o Anjo da Guarda passavam os seus colóquios a orar juntamente ou a louvar o Altíssimo. Os Anjos, segundo um santo doutor, comprazem-se em assistir às almas em oração. “Quando orava com lágrimas..., disse o Arcanjo Rafael a Tobias, o ancião, eu apresentava ao Senhor as tuas orações”.

“Que objeto de complacência não seria para o seu Anjo da Guarda esta admirável menina, cujo coração, como a lâmpada do Santuário, velava sempre diante do seu Deus com extraordinária vivacidade de fé.

“Gostava de lhe aparecer, umas vezes ajoelhado a seu lado, outras elevado da terra, com as asas abertas e as mãos estendidas sobre ela, ou juntas na atitude de orar.

“Recitavam alternadamente as orações vocais e os salmos, e, se diziam jaculatórias, “era, segundo as próprias palavras de Gema, quem com mais força exclamava: Viva Jesus; Bendito seja Jesus! E outras afetuosas aspirações”.

“Nas horas de meditação o Anjo infundia-lhe no espírito luzes altíssimas, dava ao seu coração suaves e fortes impulsos para que o santo exercício fosse perfeito, e, como a Paixão do Senhor era quase sempre o assunto da meditação, descobria-lhe os seus profundos mistérios: “Considera, dizia ele, quanto Jesus sofreu pelo homem, considera uma por uma estas chagas. Foi o amor que as abriu todas. Vê quão horrível é o pecado, cuja expiação custou tanta dor e tanto amor”.

“Estes belíssimos pensamentos iam ferir o coração da donzela como outros tantos raios de luz e de fogo.

“Tendo assistido pessoalmente muitas vezes às orações e meditações de Gema e do seu Anjo da Guarda, pude convencer-me, só pelas minhas observações exteriores, da realidade de todos os pormenores que, depois do exercício, ela me dava nas suas comunicações de consciência.

“Notei igualmente que todas as vezes que ela levantava os olhos para o Anjo a fim de o ouvir ou de lhe falar, mesmo fora da oração, perdia o uso dos sentidos.

“Nesses momentos podiam picá-la, queimá-la, sem que a sensibilidade reagisse. Mas vinha a si, logo que afastava os olhos do Anjo ou cessava o colóquio.

“Este fenômeno renovava-se infalivelmente em cada uma das suas comunicações celestes, por mais próximas que fossem umas das outras. Sempre e por toda a parte, no meio das ocupações, no caminho, mesmo à mesa, o Anjo estava à disposição de Gema e Gema à disposição do Anjo.

“Nenhum sinal externo manifestava os seus santos colóquios, exceto a absoluta imobilidade da vidente e o brilho sobre-humano do seu olhar. Bastava tocá-la para que a sua insensibilidade nos convencesse que estava arrebatada fora dos sentidos e em relações com o sobrenatural. Nestes colóquios transluzia muitas vezes a maior simplicidade; e a familiaridade do Anjo só tinha igual na do Anjo Rafael com o jovem Tobias”. [i]   

Mais adiante o hagiógrafo da santa passa a relatar diversos aspectos do colóquio entre o Anjo e Gema, principalmente quando se tratava de defendê-la contra as investidas infernais:

“Pode dizer-se, dum modo geral, que o Anjo da Guarda era para Gema um segundo Jesus. Ela expunha-lhe as suas necessidades e as dos outros, queria-o incessantemente junto de si durante os seus temores e sobretudo durante as lutas contra o infernal inimigo; confiava-lhe diversas mensagens para Deus, para a Virgem Santíssima, para os Santos seus advogados, dava-lhe até cartas fechadas e lacradas com destino a um ou outro destes advogados, pedindo-lhe que a seu tempo trouxesse a resposta, e a maravilha é que as cartas eram levadas realmente por um ser invisível...

“Deste modo o mensageiro celeste encontrava-se constantemente às ordens desta virgenzinha de inefável candura. Prestava-se de bom grado a todos os seus desejos, acudia, mesmo sem ser invocado, ao menor perigo, à menor necessidade; refreava a audácia do demônio, sempre pronto a maltratar a sua protegida, e algumas vezes lutava para lha tirar das mãos brutais”. [ii]  

Alguns exemplos que o Pe. Germano conta sobre a intervenção direta do Anjo da Guarda de Santa Gema: 

“Uma vez, estando á mesa ainda em casa de seus pais, uma das pessoas presentes, deixando-se levar pelos maus costumes da época, proferiu uma blasfêmia contra o adorável nome de Deus. Logo que Gema a ouviu, perdeu os sentidos com a dor; e ia já a cair. Antes que desse com a cabeça no chão, o Anjo veio ampará-la na cadeira e com uma só palavra dita ao coração fez-lhe retomar imediatamente os sentidos.

“Outra vez, de tal modo ficara absorta na meditação, que começava já a anoitecer, e ela ainda na igreja. O Anjo advertiu-a e acompanhou-a sob uma forma visível, até à porta da casa.

“Um dia o demônio tinha-a espancado tão cruelmente na oração da noite que a pobre menina ficou impossibilitada de se mover. O Anjo da Guarda ofereceu-lhe o seu auxílio, ajudou-a a subir para o leito e ficou de guarda à cabeceira”.

Para mostrar que o Anjo procura sobretudo o bem da alma, o padre conta também como ele a orientava na vida espiritual:

“Mas a missão dos Anjos custódios tem como objeto principal os interesses espirituais das almas. Eles devem ser, segundo os desígnios da Providência, guias de santificação que nos conduzam pelos caminhos difíceis da virtude.

“O Anjo de Gema não perdia uma ocasião de a repreender, de a aconselhar e até de a instruir por ensinamentos cheios de sabedoria celeste, que a menina em parte consignou nas relações enviadas ao diretor espiritual.

“Uma vez, para que não se perdesse uma sílaba, o Anjo fez-lhe escrever alguns dos ensinamentos que ele ia ditando. Por sua ordem, Gema sentou-se à mesa, tomou a pena e o papel, enquanto ele, de pé a seu lado, como um professor junto do aluno, começava:

“Lembra-te que quem ama verdadeiramente a Jesus fala pouco e sofre tudo. Ordeno-te da parte de Jesus, que nunca digas a tua opinião, se não te for pedida, que nunca sustentes o teu modo de sentir, mas que cedas depressa. Quando cometeres alguma falta, acusa-te imediatamente sem ser preciso que os outros te avisem. Obediência pontual e sem réplica ao teu confessor, sinceridade com ele e com os outros, não te esqueças de guardar a vista, lembrando-te que os olhos mortificados contemplarão as belezas do céu”

“O Santo Anjo sabia usar de rigor com a sua discípula; não lhe deixava passar uma imperfeição e corrigia-a sem piedade a ponto de ela me dizer: “O meu Anjo é um pouco severo, mas sinto-me bem com isso. Nos últimos dias chegou a repreender-me três e quatro vezes por dia”.

“Parece até que o vigilante guarda saiu um dia dos justos limites: Ontem, escrevia Gema, durante a refeição levantei os olhos e vi o Anjo lançar-me olhares severos; não falava. Mais tarde, quando fui repousar, olhei outra vez para ele, mas depressa baixei a vista; meu Deus, como estava irritado!

“Não tens vergonha, me disse ele, de cometer faltas na minha presença?”

“Lançava-me olhares tão severos...  eu não fazia senão chorar. Supliquei a Deus e à minha celeste Mãe que o tirasse de diante de mim, pois não podia resistir mais.

“De quando em quando repetia: “envergonho-me de ti”.

“Rezei para que ninguém o visse neste estado, pois quem o visse assim, decerto nunca mais se aproximaria de mim”. [iii]

Apesar de seu Anjo ser tão rigoroso para com ela, a santa gostava muito dele, a ponto de haver travado com ele o seguinte diálogo:

“Querido Anjo, dizia ela, quanto vos amo!” E por quê?” pergunta ele. “Porque me ensinais a ser boa e a conservar-me na humildade”.     

 



[i] “Santa Gema Galgani” – Pe. Germano de Santo Estanislau – Ed. Livraria Apostolado da imprensa, Porto, 1940 – pp. 286/289.

[ii] op. Cit. Pp. 291/293.

[iii] op. Cit. Pp. 292/294.


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