Perseguição religiosa nos tempos modernos? Sim.
Mas, não somente aquela perseguição movida pelos radicais muçulmanos, ou mesmo
de outras religiões pagãs: há perseguições até mesmo entre adeptos do mesmo credo,
de muçulmanos contra muçulmanos, budistas contra budistas, e, (pasmem!) de cristãos
contra cristãos, mais exatamente, de católicos contra católicos. Há muito tempo
que não se fala mais em perseguições religiosas de comunistas e nazistas contra
os católicos, a não ser na China e na Coréia do Norte, onde ainda governa
desastrosamente o regime marxista. No entanto, governos que se dizem laicos e
indiferentes á religião, na realidade quando se trata do catolicismo
tradicional são radicalmente contrários e chegam a fazer uma perseguição menos
visual, dissimulada, mas perceptível, como é o caso da Venezuela, Nicarágua e
outros países aqui nas Américas.
Que proveito a Providência Divina pode nos
tirar de tais perseguições? São muitas as vantagens que advêm para a Religião, para
incremente da Fé entre os católicos e para a própria unidade do Corpo Místico
de Cristo, fazendo com que os fiéis estejam mais firmes em suas crenças.
Enumeramos a seguir algumas vantagens que se
pode tirar de tais perseguições, expostas por Dom Vital Maria Gonçalves de
Oliveira, o bispo de Olinda que chegou a ser preso no final do século XIX.
Publicou ele uma Carta Pastoral logo após sua libertação, ocorrida em setembro de 1875, na qual
explicita tais vantagens.
Citando o revolucionário Montesquieu, comenta
ele que “A prosperidade da Religião é diferente da dos impérios: as humilhações
da Igreja, a sua dispersão, a destruição de seus templos, os sofrimentos de
seus mártires, são o tempo de sua glória; e quando, aos olhos do mundo, parece
que triunfa, então é que é o tempo do seu abatimento” [1]
A seguir, afirma aquele santo Prelado:
“Cada lágrima da Santa Igreja, cada baga de
suor, cada gota de sangue que ela vai vertendo, vistas com olhos d’alma, se vão
transformando em pérolas de subido valor, em gemas de preço inestimável.
Deus, que do mal soe tirar o bem (Gên 50, 20),
tem feito, como de costume, reverter a hodierna perseguição religiosa em maior
glória sua e proveito de sua Esposa diletíssima. Se permite que seja combatida,
é para fornecer-lhe ocasião de colher novos louros, é para dar-lhe maiores
consolações: “Inter persecutiones mundi, et consolationes Dei, peregrinando
percurrit Ecclesiae” [2]
Imensas vantagens trouxe-nos, com efeito,
Irmãos e Filhos no Senhor, a geral perseguição de hoje. Entre muitas outras,
sobressaem incontestavelmente as seguintes”
E quais foram tais vantagens? Ei-las:
Mostra a divindade de nossa Santa Religião
1º ) Tornou de um lado bem patentes a malícia e
impotência da impiedade; e de outro lado a santidade e força invencível do
Catolicismo.
Entretanto, apesar de
tudo isto a seu favor, que tem ela conseguido contra a Igreja do Deus vivo,
“coluna e firmamento da verdade?” (I Tim 3, 15)
Cousa singular e admirável!
Aqui, ela se declara impotente em face de um
velho octogenário, débil, abandonado dos homens, sem outro apoio mais que o
divino; ali, revela fraqueza diante de um humilde Bispo, sem armas, sem
soldados, sem defesa a não ser a que do céu lhe vem; acolá, ataca diante de um
simples sacerdote igualmente inerme, indefeso e que se deixa arrastar à enxovia; além, treme diante de um pobre
frade, sem bens de fortuna, sem brasões
de nobreza, sem prestígio de família; por toda a parte, em suma, acesa
em cólera, fremente de raiva, fula de despeito, extorce-se toda convulsa ante o
“Non licet” da consciência católica, ante o “Non possumus” da Igreja de Deus!
Que maravilhoso contraste!
De um lado, tanto rancor infernal!...e de
outro, que calma toda celeste!
Aqui, tanta perversidade e impotência!...ali,
que santidade e que poder!
É o mar das humanas paixões que referve,
esbraveja, rebrame irado; é a onda da impiedade que se alteia ameaçadora,
avança impetuosa, e se vai arrebentar de encontro ao granito impassível,
inconcusso, da fé católica.
Ó homens irrefletidos! Ainda vos não serviu a
experiência de dezenove séculos, gastos em loucas tentativas, em trabalhos
baldados; ainda vos não escarmentaram tantas derrotas que sofrestes, quantos os
combates que empenhastes contra a Igreja de Jesus Cristo?!
Ah! Convencei-vos! A Barquinha de Pedro, na
linguagem sublime de São João Cristóstomo, zomba do acometimento de seus
inimigos e do ímpeto das mundanas tempestades, ri-se do furor das vagas, não
teme contrários ventos, não pode soçobrar: o Filho de Deus vai ao leme. Os assaltos
do mundo, as perseguições do século, cobrem-na de maior glória e esplendor,
fazendo-a permanecer firme, inabalável, em sua fé.
No mar revolto desta vida, leva derrota segura,
pois Deus é seu piloto, os anjos seus remeiros, os santos seus passageiros, a
cruz o seu mastro, as doutrinas do Evangelho suas velas; impelida pelo sopro do
Espírito Santo, ela vai sulcando os mares, até abicar ao porto bonançoso do
paraíso, às praias serranas da eternidade!.[3]
Distingue o bom Pastor do mercenário:
2º) O segundo benefício da perseguição tem
sido, diletos Filhos, revelar quais os verdadeiros sacerdotes de Jesus Cristo,
e fazer realçar o valor e firmeza dos Pastores de sua Igreja santa. Tanto é
certo o dito sentencioso do melífluo Doutor São Bernardo: “Persecutio quidem
indubitanter mercenarios a pastoribus segregat et discernit” [4]
Em verdade assim é.
O mau sacerdote, como judiciosamente observa um
sábio autor sagrado[5], aquele que não
verdadeiro pastor, digamo-lo em uma palavra, o mercenário, esse, apenas vê
aproximar-se o lobo infernal para devorar o rebanho, o herege para iludi-lo e
seduzi-lo, o tirano para imolá-lo, foge covarde e vergonhosamente,
abandonando-o, sem piedade, à sanha dos inimigos.
E assim procede porque não ama as ovelhas por
Jesus Cristo, senão, como diz Santo Agostinho, por amor do leite e da lã que
elas lhe fornecem: “Non diligit in ovibus Christum, sed lac et lanam” [6]
Mas, não! Não é assim o bom pastor! Esse não
abandona o rebanho no momento do perigo; esse resiste impávido a todos os
adversários, ainda com iminente risco da própria vida: às tentações de Satan
opõe admoestações caridosas; às argúcias dos hereges, a explicação da sã
doutrina; aos ardis dos inovadores, a pregação da palavra de Deus; aos ataques
dos ímpios, fervorosas orações ao céu, pelas ovelhas, cujo bem unicamente
almeja, sem jamais curar dos próprios cômodos e interesses. [7]
E não é isto precisamente, caros Filhos, o que
ora está acontecendo na Alemanha, na Suíça, na Itália, por toda a parte, em
suma, onde crepita a chama voraz da perseguição?[8]
Os sacerdotes indignos, os mercenários, ou
bandearam-se para os inimigos, revoltando-se abertamente contra a autoridade
eclesiástica, ou desertaram das fileiras da fé, calcando a verdade, não
resistindo ao erro, negando à Igreja o devido auxílio: “Fugit, tacendo, non
resistando, et auxilium debitum subtrahendo” [9];
ao passo que os legítimos ministros de Deus vão sofrendo processos,
condenações, prisões, desterros, e uma infinidade de tropelias. São
perseguidos, sim. Mas não fogem, não se escondem; estão firmes no posto do
dever. Glória a essa plêiade valente de varões imortais – “Per quos salus facta
est in Israel”[10]
Uns e outros, no tribunal divino serão julgados
segundo as suas obras. (Salmo 61, 11 e Ecl. 16, 15)”
Vamos resumir a seguir o restante das
vantagens, a fim de poupar o leitor de uma leitura cansativa;
Divide os bons e maus cristãos
Aqui o santo bispo argumenta que, na
perseguição, se mostra claramente aqueles cristãos que eram falsos e
hipócritas, e que vendo seus irmãos serem perseguidos ou ficam omissos, calados,
ou até mesmo os atacam. Quer dizer, a perseguição faz com que se apresente cada
um como realmente ele é. Diz ele:
“Se a perseguição, amados Filhos, há feito
discriminar o pastor do mercenário, tem igualmente distinguido o verdadeiro do
falso cristão; o católico sincero, do herege encapotado”
.Em seguida, um dos principais benefícios da
perseguição que gira em torno de nossa Fé:
Avivou a fé
“O quarto resultado da perseguição, Irmãos e Filhos
muito amados, tem sido o robustecer a nossa fé, avivá-la e torna-la mais
frutífera. A fé sem obras, diz a Sagrada Escritura, é morta: “Fides sine
operibus mortua est” (Tiago 2,20).
Demonstra-nos a experiência que,
ordinariamente, nas doçuras da paz enervam-se os ânimos, abatem-se os
espíritos, afeminam-se os caracteres. As delícias da prosperidade são, na bela
imagem de S. Bernardo, para almas incautas, o que é o calor para a cera, o raio
de sol para o floco de neve; “Prosperitas hoc est incautis, quod ignis ceram,
solis radius ad nivem”.[11]
Em que época, com efeito, começou a declinar o
fervor da primitiva caridade, a arrefecer o ardor daquela fé que, na sociedade
do Cristianismo, de cada fiel fazia, digamo-lo assim, um santo?
Não foi, di-lo a história, nas eras
sanguinolentas, porém luminosas, das
perseguições, senão nos dias calmos e bonançosos da prosperidade.
Então, sim, é que principiou a afrouxar o nervo
da disciplina, a relaxarem-se as fibras da caridade, entibiarem-se as almas,
diminuírem os santos, escassearem os doutores, minguarem os videntes em Israel,
corromper-se aquele “sal da terra”, embaciar-se aquela “luz do mundo”, de que
fala o Divino Mestre (Mt 5, 13-14)
A perseguição, pois, é utilíssima, caros
Filhos, senão necessária. Cruzes, espinhos, tribulações, físicos e morais
padecimentos são mimos do céu”
Conclui assim tal vantagem:
“Acordamos do sono letárgico em que nos
entorpecíamos; já se não temem os risos sarcásticos do século; já se não
atendem as dolosas sugestões do respeito humano, já se não seguem os néscios
conselhos da timidez; regeneraram-se os caracteres abastardados;
retemperaram-se os ânimos desfalecidos; afervoram-se as almas tímidas; em uma
palavra, sobe o nível moral: é a fé que se avivou, inflamada pelo atrito das
perseguições!
Fazem-se romarias públicas; fazem-se procissões
solenes; fazem-se comunhões gerais; fazem-se confissões frequentes; ouve-se
mais a miúdo a palavra de Deus; fundam-se associações católicas; estabelecem-se
conferências de S. Vicente de Paulo; surgem folhas religiosas; levantam-se
vozes eloquentes, na imprensa e na tribuna, a favor da Igreja; operam-se
conversões estupendas: é a fé que se tornou ativa! É a fé que está
frutificando!
Salutares efeitos da luta que ora se degladia
no mundo inteiro!
A uva, observa Santo Agostinho, enquanto
descansa sob a fresca ramagem da parreira, enquanto não é espremida, nada
produz: “Uva in vite pressuram non sentit, sed nihil inde manat”
Mas, ponde-a no lagar, calcai-a, recalcai-a,
espremei-a bem: parece que lhe irrogai grave afronta, porém essa afronta é que
a torna produtiva e mais preciosa, fazendo-a destilar o licor inebriante; ao
passo que sem isso permaneceria estéril: “Mittitur in torculari, calcatur,
premitur, injuria videtur accederet sterille remaneret” [12]
É a imagem da fé! Quanto mais torturada, mais
fecunda! Quanto mais perseguida, mais virtuosa!”
(Carta Pastoral de Dom Vital de Oliveira, Bispo
de Olinda e Recife, preso por causa de perseguição religiosa - publicada logo após sair da prisão, em 24
de setembro de 1875. Anuncia o termo da sua reclusão e a sua próxima viagem “Ad
limina Apostolorum” ao Papa Pio IX )
[1]
Montesquieu, “De la grandeur et de la decadence des Romains”
[2] Entre as perseguições e
consolações do mundo, a Igreja de Deus está de passagem como uma peregrina (
S. Agost. De Civit. Dei,c. 51.)
[3] S.
João Cris., hom. 21 in Math.
[4] A
perseguição, sem dúvida, separa e distingue o pastor do mercenário – Convers.
Ad clericos, num. 22
[5]
Ludolf, “Vida de Jesus Cristo”
[6]
Tract. 45, in Joan.,
[7]
Vita Jesu Christi, cap. 86
[8]
Dom Vital está se referindo a uma onda de perseguições à Igreja que varria a
Europa, especialmente nestes países, quando o Papa teve que fugir de Roma e
procurar abrigo em outro país.
[9]
Vita Jesu Christi, cap. 86
[10]
...homens a quem era dado salvar israel (I Mac 5, 62)
[11] De consid. 2. 12
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