quinta-feira, 10 de outubro de 2019

COMO É O RELACIONAMENTO NUMA "FAMÍLIA" TRIBAL







Uma das grandes mazelas do convívio entre os índios é o próprio relacionamento entre pais e filhos, isto é, dentro da “família”. E isso era assim no século XVI e ainda perdura em muitas tribos modernas, exatamente aquelas que nunca foram evangelizadas.
Há uma concepção idílica e falseada dos índios de que eles tratam seus filhos de uma forma mais amorosa do que os civilizados. Para ressaltar isto, Rousseau (século XVIII) espalhou a crença de que a mãe indígena amamentava o filho mais tempo do que a civilizada, que em geral entregava seus filhos às babás (pelo menos aquelas de melhores condições sociais). Isto era razão para afirmar que a mãe índia amava mais o filho.
No entanto, a bem da verdade é bom que se frise: a realidade é bem outra. Em primeiro lugar, a mãe índia não conhece outro tipo de alimentação para o lactente, e usa somente este por desconhecer os outros ou por indolência. É bem verdade que usam o famoso “mingau de tapioca” feito da fécula da mandioca, mas apenas quando a criança está mais crescida, pois nos primeiros meses de nascida só se alimenta do leite materno.  Quando ocorre da criança rejeitar o leite materno, ou este faltar por qualquer deficiência da própria mãe, seria o caso de fazerem como fazem as civilizadas e entregarem a criança a uma babá. Mas, não; na maioria dos casos, o bebê morre à míngua. São relatados alguns casos de mães índias matarem seus próprios bebês porque não têm leite para amamentá-los.
Outra coisa é o  caráter amoroso do relacionamento com os filhos. Quando eles crescem não têm o menor respeito pelos pais. Em geral temem, quando temem, apenas os homens, pais e tios, e isto por medo de sofrerem represálias ou castigos (que são sempre bestiais).
Um exemplo foi narrado pelo Beato Inácio de Azevedo, um dos 40 mártires mortos por piratas anos depois quando retornava ao Brasil. Visitava o Rio de Janeiro, por ocasião da guerra contra os franceses, na condição de Visitador Apostólico da Companhia de Jesus, quando então escreveu a Roma: fala dos franceses, da artilharia capturada e de alguns lances da guerra, mas não crê na paz duradoura baseada na rendição incondicional oferecida pelos índios, isto porque não têm uma autoridade a que obedeçam, antes “cada lugar está por si e no mesmo lugar cada um é senhor da sua casa, ou para dizer melhor, nenhum é senhor da sua casa, que nem o filho tem obediência ao pai.”
Varnhagen, do mesmo modo, nos informa que “os filhos não respeitavam as mães, e só temiam, enquanto os temiam, os pais e os tios. No amor não havia que buscar sentimentos morais. As delícias da verdadeira felicidade doméstica quase não podiam ser apreciadas e saboreadas pelo homem no estado selvagem. Rodeado de feras, ou de homens-feras, mal podem neles desenvolver-se a parte afetuosa da nossa natureza, a amizade, a gratidão, a dedicação.[1]
O naturalista Carl von Martius também comenta sobre o assunto:
“O mesmo poder sobre a mulher que por sua força lhe assiste, é-lhe conferido também sobre os filhos...”   Sobre o pai, diz que “é um estranho  para os filhos e que nunca cuida deles e que muitas vezes vende o próprio filho”. Em suma: “respeito e obediência são estranhos às crianças. A relação do filho para com o pai perdeu aqui o sentido sagrado que se baseia nos sentimentos mais nobres da natureza”.[2] Era tanta a negligência e desumanidade dos pais que, em alguns casos, deixavam os filhos morrer à míngua, de fome...



[1] “História Geral do Brasil”, Edições Melhoramentos –Francisco Adolfo de  Varnhagen, vol.1, 9ª. Edição, 1978, pág. 48.
[2] “O Estado de Direito entre os Autóctones do Brasil – Carl F. P. von Martius – Editora Itatiaia e Ed. Universidade de São Paulo, 1982, págs. 58/60

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