Uma das grandes mazelas do convívio entre os índios
é o próprio relacionamento entre pais e filhos, isto é, dentro da “família”. E
isso era assim no século XVI e ainda perdura em muitas tribos modernas, exatamente aquelas que nunca foram evangelizadas.
Há uma concepção idílica e falseada dos índios de
que eles tratam seus filhos de uma forma mais amorosa do que os civilizados.
Para ressaltar isto, Rousseau (século XVIII) espalhou a crença de que a mãe
indígena amamentava o filho mais tempo do que a civilizada, que em geral
entregava seus filhos às babás (pelo menos aquelas de melhores condições
sociais). Isto era razão para afirmar que a mãe índia amava mais o filho.
No entanto, a bem da verdade é bom que se frise: a
realidade é bem outra. Em primeiro lugar, a mãe índia não conhece outro tipo de
alimentação para o lactente, e usa somente este por desconhecer os outros ou
por indolência. É bem verdade que usam o famoso “mingau de tapioca” feito da
fécula da mandioca, mas apenas quando a criança está mais crescida, pois nos
primeiros meses de nascida só se alimenta do leite materno. Quando ocorre da criança rejeitar o leite
materno, ou este faltar por qualquer deficiência da própria mãe, seria o caso
de fazerem como fazem as civilizadas e entregarem a criança a uma babá. Mas,
não; na maioria dos casos, o bebê morre à míngua. São relatados alguns casos de
mães índias matarem seus próprios bebês porque não têm leite para amamentá-los.
Outra coisa é o
caráter amoroso do relacionamento com os filhos. Quando eles crescem não
têm o menor respeito pelos pais. Em geral temem, quando temem, apenas os
homens, pais e tios, e isto por medo de sofrerem represálias ou castigos (que
são sempre bestiais).
Um exemplo foi narrado pelo Beato Inácio de
Azevedo, um dos 40 mártires mortos por piratas anos depois quando retornava ao
Brasil. Visitava o Rio de Janeiro, por ocasião da guerra contra os franceses,
na condição de Visitador Apostólico da Companhia de Jesus, quando então
escreveu a Roma: fala dos franceses, da artilharia capturada e de alguns lances
da guerra, mas não crê na paz duradoura baseada na rendição incondicional
oferecida pelos índios, isto porque não têm uma autoridade a que obedeçam,
antes “cada lugar está por si e no mesmo
lugar cada um é senhor da sua casa, ou para dizer melhor, nenhum é senhor da
sua casa, que nem o filho tem obediência ao pai.”
Varnhagen, do mesmo modo, nos informa que “os filhos não respeitavam as mães, e só
temiam, enquanto os temiam, os pais e os tios. No amor não havia que buscar
sentimentos morais. As delícias da verdadeira felicidade doméstica quase não
podiam ser apreciadas e saboreadas pelo homem no estado selvagem. Rodeado de
feras, ou de homens-feras, mal podem neles desenvolver-se a parte afetuosa da
nossa natureza, a amizade, a gratidão, a dedicação.[1]
O naturalista Carl von Martius também comenta sobre
o assunto:
“O mesmo
poder sobre a mulher que por sua força lhe assiste, é-lhe conferido também
sobre os filhos...” Sobre o pai, diz que “é um estranho para os filhos e
que nunca cuida deles e que muitas vezes vende o próprio filho”. Em suma: “respeito e obediência são estranhos às
crianças. A relação do filho para com o pai perdeu aqui o sentido sagrado que
se baseia nos sentimentos mais nobres da natureza”.[2] Era tanta a negligência e
desumanidade dos pais que, em alguns casos, deixavam os filhos morrer à míngua,
de fome...
[1]
“História Geral do Brasil”,
Edições Melhoramentos –Francisco Adolfo de
Varnhagen, vol.1, 9ª. Edição, 1978, pág. 48.
[2] “O
Estado de Direito entre os Autóctones do Brasil – Carl F. P. von Martius –
Editora Itatiaia e Ed. Universidade de São Paulo, 1982, págs. 58/60
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